Doutor Seleção – Rodrigo Lasmar

Rodrigo Lasmar, diretor do Departamento Médico da Seleção Brasileira de Futebol, conta à Revista da APM um pouco de sua trajetória e da rotina no cuidado com os jogadores

Entrevistas

A história do mineiro Rodrigo Campos Pace Lasmar com a Seleção Brasileira de Futebol começou muito antes de seu trabalho como diretor médico da equipe. Na Copa de 1986, no México, ainda com 14 anos, ele esteve com o pai – Neylor Lasmar, que também era médico do time – dentro da concentração. “Acompanhei por um mês os jogadores, os treinamentos, e a recuperação do Zico, que era o grande ídolo na época. Tudo isso foi me condicionando e despertando o interesse pela Ortopedia, Medicina Desportiva e, depois, pela Traumatologia Esportiva. Sem dúvida, minha grande referência médica é meu pai, foi quem eu comecei a ver trabalhando.”

 Na hora do vestibular não houve dúvidas, e Rodrigo Lasmar foi para a Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, onde se formou em 1995. A Ortopedia foi a especialidade escolhida e, em 2006 ele concluiu um mestrado em Traumatologia e Reabilitação pela Universidade de São Paulo. Ainda no início da carreira, começou a trabalhar como médico auxiliar do Atlético-MG, onde está até hoje, sendo desde 2001 diretor do departamento. Sua trajetória na CBF teve início pouco tempo depois, por intermédio do médico José Luiz Runco. Após ter acompanhado a Seleção Brasileira nos Mundiais de 2002 e 2006, Lasmar deixou a equipe e voltou em 2013, quando o técnico Luiz Felipe Scolari assumiu. Com o afastamento de Runco, ao final da Copa de 2014, assumiu a direção do departamento médico. Além dele, um médico fisiologista e uma nutróloga acompanham de perto a saúde dos jogadores. O time também conta com o apoio de quatro fisioterapeutas e dois massagistas fixos e, no período de avaliações, com outros profissionais para realizar exames de sangue, ultrassonografias etc.

MONITORAMENTO DOS ATLETAS

Como não é possível saber a escalação do time antecipadamente, o médico da Seleção explica que existe uma grande lista de jogadores que são acompanhados. “Existe um setor que analisa a performance dos atletas, o tempo que jogaram, ou se não jogaram por algum motivo. Sempre que identificamos alguma questão médica de um integrante dessa grande lista, entramos em contato com o departamento médico do clube. Se existe uma lesão, solicitamos os exames para analisar etc. Em alguns casos [como ocorreu recentemente com Daniel Alves, Neymar e Fagner], pedimos para ir até o local em que o jogador se encontra e fazer uma avaliação detalhada.”

EVITANDO LESÕES

Hoje, todos os atletas são monitorados nos treinos com aparelhos de GPS. Com isso, é possível quantificar a carga do treinamento, como eles responderam, a percepção de cansaço, desgaste etc. De acordo com Rodrigo Lasmar, as informações são associadas a outras queixas clínicas, qualidade do sono e dores articulares. Então, a equipe procura indicar o tipo de treino mais recomendado para aquele atleta ou grupo, de forma a tentar prevenir futuras complicações.

EVOLUÇÃO DA MEDICINA DESPORTIVA

O especialista ressalta os avanços da especialidade: “Hoje, temos muitos equipamentos que conseguem precisar bem a situação muscular, de equilíbrio, força, potência e cansaço de cada jogador. Com isso, evoluímos muito na prevenção de lesões, especialmente com o controle de carga de treinamentos e a adequação dos atletas para suportar melhor a intensidade dos treinos e jogos. Também temos muito mais informações do que antes e os tratamentos evoluíram bastante. Conseguimos recuperar os atletas em menos tempo”.

Hoje, os jogadores alcançam acelerações e velocidades muito maiores, que levam a sobrecargas musculares e articulares

PREPARAÇÃO PARA A COPA

Principalmente nessa fase inicial, os jogadores se apresentam em situações desiguais do ponto de vista físico. Alguns estão no meio da temporada, como os que atuam no Brasil; outros terminaram a temporada e vieram direto, caso dos que estavam disputando a Champions League; e alguns já estavam de férias. “Então, esses primeiros dias são fundamentais para que se faça um diagnóstico preciso da condição individual de cada atleta. Alguns precisam de descanso, outros de treino, ou estão com alguma queixa ou lesão. A partir desse diagnóstico, conseguimos traçar uma estratégia de treinamento adequada para que o grupo todo esteja nivelado em alguns dias.”

IMPACTO DAS MUDANÇAS NO FUTEBOL

Dados da Fifa mostram que a distância total percorrida não mudou muito da Copa de 2010 para a de 2014, e o especialista acredita que também não vá se alterar para este ano. “Entretanto, se você observar a quantidade de piques acima de 20 km/h ou as velocidades máximas atingidas pelos jogadores, isso aumentou de 15% a 20% nesse mesmo período. Os jogadores não correm mais, mas alcançam acelerações e velocidades muito maiores, o que leva a sobrecargas musculares e articulares, que se traduzem consequentemente em aumento do risco de lesão”, explica.

Evolução –  De acordo com Lasmar, os avanços da Medicina já permitem recuperar os atletas em menos tempo

CASOS DESAFIADORES

Para Rodrigo Lasmar, cada recuperação envolve questões individuais. Mas ele ressalta que a situação de Neymar, sem dúvidas, foi desafiadora por se tratar de uma lesão importante e relativamente frequente em atletas de futebol profissional, e principalmente por conta do pouco tempo de recuperação. “A lesão se torna mais difícil e desafiadora a partir do momento que você sabe que daqui a três meses tem o início de uma Copa do Mundo. Então, esse é o prazo para que o atleta esteja pronto, ou seja, com a fratura consolidada, a recuperação física e a perda do receio de voltar a jogar. Tudo isso tem que ser muito bem programado porque não adianta só entregar o jogador tratado na véspera do torneio. Ele precisa de algumas semanas para um trabalho físico, de adaptação em campo com bola, treino em grupo etc.”

RODRIGO CAMPOS PACE LASMAR
OCUPAÇÃO Diretor médico da Seleção Brasileira e do Atlético-MG
OUTROS CARGOS Professor auxiliar da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais; Preceptor da residência médica do Hospital Universitário São José; Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Artroscopia e Traumatologia do Esporte

Entrevista publicada na Revista da APM – edição 700 – junho 2018
Foto: Rafael Ribeiro/CBF