Graduado em Medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e especialista em Cirurgia Geral, Domingos Guilherme Napoli foi médico das Secretarias Municipal e Estadual de Saúde de São Paulo tendo atuado como regulador do APH (Atendimento Pré-Hospitalar) da Secretaria Municipal e como coordenador geral da Central de Regulação Médica do SAMU de São Paulo. Ainda, foi consultor e instrutor de Regulação Médica para o projeto SAMU do Ministério da Saúde e, desde 2009, é gerente médico da Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A seguir, ele fala da criação e funcionamento do serviço e como ele tem sido afetado pela pandemia de Covid-19.
Como foi a criação da Cross?
Eu era funcionário público municipal atuando no SAMU da cidade de São Paulo, que antes se chamava APH (Atendimento Pré-Hospitalar), e lá ajudamos a desenvolver a regulação médica para o pré-hospitalar. Com isso, virei instrutor de regulação médica para todo o Brasil e, via Ministério da Saúde, ajudamos a implantar o SAMU em todo o País. Aqui em São Paulo, na mesma época, surgia um esboço dessa regulação, que se chamava “Plantão Controlador Metropolitano”, que regulava a região da Grande São Paulo. O secretário estadual de Saúde da época era o Dr. Luiz Roberto Barradas Barata, que propôs a centralização de uma regulação médica das urgências para todo o estado, uma vez que cada região (DRS) atuava com diferentes critérios, não sendo uniforme tal atendimento.
Como é o trabalho da Central?
Trata-se de uma Central de Regulação para casos de urgências médicas que estejam em locais de menor complexidade para a necessidade dos pacientes atendidos. Chamamos de regulação inter-hospitalar, ou seja, a que realiza a transferência de um paciente que está sendo atendido em uma unidade que não dispõe dos recursos de que precisa e necessita de um serviço médico de maior complexidade. A CROSS iniciou suas atividades há 12 anos e atua de acordo com regras e pactos existentes em cada região do estado de São Paulo, sempre intermediados pelas Secretarias Municipais de Saúde e pela Secreta – ria de Estado da Saúde. Diariamente, atuam na Central entre 22 e 25 médicos de plantão, realizando essa intermediação inter-hospitalar. No total, são 130 profissionais médicos, atuando em plantões diurnos e noturnos, 24 horas por dia.
Qual é o papel desses médicos?
Primeiro, eles analisam a pertinência do caso, avaliando tratar-se ou não de urgência médica, e as condições da instituição de saúde onde o paciente está, quanto aos recursos disponíveis para atingir a integralidade da atenção preconizada pelo SUS. Em seguida, eles assumem o caso para realizar a intermediação necessária. A partir daí, trabalham com os serviços de referência previamente pactuados até concluir o processo de intermediação, orientando o médico solicitante qual a referência para o encaminhamento do paciente.
E com a pandemia de Covid-19, o que mudou?
Com a pandemia, surgiu a necessidade de se atender solicitações de regulação para pacientes que chegam aos prontos-socorros e Santas Casas de menor porte com quadros agudos de insuficiência respiratória e que necessitam de leitos especializados e de UTI. Repentinamente, em todas as regiões de Saúde do estado, surgiu a necessidade cada vez maior da busca por leitos de UTI, concomitantemente com a busca de recursos das urgências em geral, que “passaram a concorrer” com as solicitações habituais, praticamente dobrando a quantidade de regulações da Central.
Como está sendo o desafio nos momentos mais críticos da pandemia?
A Central de Regulação não cria a vaga/leito/UTI. Ela recebe a demanda e faz a intermediação com os serviços que possuem os recursos. Esses recursos para atender a pandemia foram ampliados pelo governo do estado de São Paulo e pelos municípios de maior porte. Entretanto, em alguns momentos, a demanda foi muito maior do que a oferta. Desde o início da pandemia, o número de leitos específicos para Covid-19 praticamente duplicou no estado de São Paulo, seja com a criação de hospitais de campanha ou com a criação/ampliação de leitos em instituições já existentes. Antes da pandemia, eram cerca de 3.500 leitos de UTI para o SUS e esse número passou a ser, em todo o estado e em determinados momentos, superior a 9.000 leitos. Em algumas regiões foi suficiente, mas em outras identificamos a necessidade de ampliação da oferta. Nestes casos, alguns pacientes podem não estar no local ideal do atendimento, mas seguem devidamente sendo assistidos nas UPAs, nas Santas Casas de pequeno porte, nos Hospitais de Campanha etc. Passamos a adotar um protocolo para classificar os pacientes em quatro níveis de prioridade, baseados em critérios clínicos. Além das demandas por conta da Covid-19, os atendimentos das urgências de rotina continuaram a ocorrer. A pandemia obrigou, cada vez mais, a nos aprimorarmos na intermediação dos recursos dependentes das vagas de UTI para os casos mais graves.
E sua avaliação sobre agora?
Comparado com março/abril de 2021, quando ocorreu a “segunda onda”, atualmente a regulação está bem melhor, uma vez que se ampliou a oferta de leitos de UTI, mas ainda não é o suficiente devido à não observância das recomendações de distanciamento social, tendo em vista que em algumas regiões há certa liberalidade e o não cumprimento das normas sanitárias adequadas e necessárias. Entretanto, continuamos acompanhando o processo como um todo e, principalmente a partir das liberações recentes, vamos sinalizando para o governo estadual as necessidades a serem adotadas em cada região de Saúde. Notamos de forma significativa que, onde houve a vacinação, diminuiu bastante a gravidade dos casos, bem como a necessidade de serem transferidos.
Os outros estados têm um sistema semelhante?
Não, cada estado tem um sistema de regulação, mas não é igual ao de São Paulo. Antes da pandemia, vários serviços estaduais vieram visitar a CROSS para assimilarem o nosso processo de regulação médica inter-hospitalar das urgências. Acredito que, se não houvesse a CROSS, o processo de regulação na pandemia seria muito mais dificultoso e, provavelmente, não teríamos o êxito que logramos, apesar do difícil enfrentamento.
Publicada na edição 726 – mai/jun de 2021 da Revista da APM
Fotos: Divulgação Governo do Estado de São Paulo