Diana Santana – Em alguns anos, Mulheres serão Maioria na Medicina

Diana Santana, integrante da Comissão do Médico Jovem da APM, fala dos avanços e desafios do público feminino e recém-formado no mercado de trabalho

Entrevistas

Graduada em Medicina na Universidade Federal da Bahia (UFBA), com título de especialista em Neurocirurgia, Diana Lara Pinto de Santana atua há dez anos na área médica. Natural do Rio de Janeiro, mas criada em Salvador (Bahia), a habilidade manual e a curiosidade com assuntos relacionados à neurociência fascinavam-na desde pequena.

Hoje, aos 35 anos, a especialista, que é membro da Comissão de Mulheres Neurocirurgiãs da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN) e da Comissão do Médico Jovem da Associação Paulista de Medicina, afirma que “apesar da crescente feminização e do juvenescimento da

Medicina, ainda há poucas profissionais  nas especialidades cirúrgicas”. A neurocirurgiã aborda também os desenvolvimentos técnico-científicos de sua área.

Confira a entrevista a seguir

REVISTA DA APM: Segundo critérios da Demografia Médica no Brasil, há uma tendência de feminização e juvenescimento da profissão médica no País. A seu ver, a que isso se deve?

DIANA LARA: Esse crescimento é algo que segue a tendência natural e mundial das mulheres frente ao mercado de trabalho. Na década de 1970, apenas 18% das mulheres trabalhavam fora dos cuidados de seu domicílio; em 2007, esse número passou para 52,4%. Gradualmente, a inserção feminina no mercado de trabalho vem se transformando e hoje passamos a ser chefes de família, concentrando a maior renda familiar em mais de um terço dos casos. Cada vez mais veremos mulheres se equiparando aos homens, quantitativamente, em todos os setores de trabalho. Além dessa tendência profissional, vemos que há um crescimento muito grande do público feminino nas universidades e nas pós-graduações. Já somos 57% das matriculadas nas universidades e 60,9% das concluintes nos cursos de graduação. As mulheres jovenstêm percebido que seu crescimento do ponto de vista profissional é algo de extrema importância, principalmente para sua independência financeira. A Medicina realmente é uma profissãoem que isso historicamente sempre foi algo possível e viável. Em alguns anos, veremos as mulheres como maioria na área, como já observamos em alguns países do mundo.

Como mulher negra, quais os principais enfrentamentos à frente de sua especialidade?

A principal barreira é a dificuldade de reconhecimento tanto pelos profissionais de saúde quanto pelas pessoas em geral de que você é aquele especialista em questão. Isso não é algo restrito à minha especialidade, infelizmente é uma queixa muito comum entre médicos e médicas pretas e estudantes de Medicina. Desde residentes que são barrados nos seus hospitais de estágio – porque as pessoas que controlam o acesso não acreditam que eles façam parte da equipe – ainda que identificado com crachá, a médicos especialistas que são “confundidos” como equipe de limpeza do hospital, mesmo trajando o nosso típico jaleco e com o crachá, como já aconteceu inclusive comigo. Isso não acontece com um colega branco.

Quais os maiores empecilhos para que haja equidade de gênero entre as especialidades médicas brasileiras?

Apesar do crescente número de mulheres na Medicina, ainda vemos poucas nas especialidades cirúrgicas. Isso se deve em parte à crença de que são especialidades ditas masculinas, pois requerem certas habilidades, certas disponibilidades de tempo que teoricamente seriam incompatíveis com o desejo de muitas mulheres de constituírem família e terem filhos.

Isso é uma inverdade e precisamos cada vez mais desmistificar essas crenças. Lugar de mulher é onde ela quiser! Não existe habilidade que não possa ser treinada ou desenvolvida e o cuidado dos filhos e da família não é algo restrito às mulheres, e jamais deveria ser uma questão no momento de se contratar um profissional para o seu serviço ou como um critério em entrevistas para residência médica.

“A linha de estudo que mais me impressiona é a da interação cérebro e máquina, principalmente”

Quais as questões mais impactantes enfrentadas pelo recém-graduado em Medicina?

As principais questões que enfrentamos são referentes à entrada no mercado de trabalho. Infelizmente os vínculos empregatícios estão cada vez mais precários. Temos dificuldades para nos cadastrarmos em planos de saúde, com o sucateamento do SUS, com a invasão de outros profissionais da área de saúde fazendo procedimentos médicos e também com o aumento de escolas médicas sem o devido critério de qualidade, que deixa esses recém-formados sem a qualificação técnica necessária para atender de maneira adequada a população, ao mesmo tempo que diminui a valoração profissional. A relação entre os médicos e os pacientes tem se modernizado também ao longo dos anos, sobretudo no que diz respeito ao uso de tecnologias como os aplicativos de conversa e as mídias sociais. Entretanto, os órgãos reguladores não têm modernizado as leis que regulamentam essas ações. Estamos nos sentindo desamparados em todas essas situações e sem representatividade.

“Temos dificuldades com o mercado de trabalho. Infelizmente os vínculos empregatícios estão cada vez mais precários”

Poderia apontar os principais avanços no tratamento neurocirúrgico nos últimos anos?

A Neurocirurgia tem tido avanços impressionantes a cada ano. Para mim, as técnicas que visam minimizar as morbidades cirúrgicas são de extrema importância, como a cirurgia com o paciente acordado, o uso da tractografia e da ressonância funcional para planejamento cirúrgico, o mapeamento cortical e o uso da monitorização eletrofisiológica intraoperatória. Além disso, há o avanço do uso dos estimuladores cerebrais para tratamento de distúrbios do movimento e de outras tantas patologias neurológicas e o desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias para o tratamento da dor. Também é de suma importância citar o avanço dos tratamentos adjuvantes para o cuidado do paciente oncológico, como a radiocirurgia, quimioterapia, imunoterapia, dentre outros.

E os principais desafios?

O principal desafio, a meu ver, é tentar desenvolver técnicas cirúrgicas com menos morbidades para os pacientes, prezando principalmente pela sua qualidade de vida. Além de os colegas de neurocirurgia terem mais acesso à informação, à qualificação técnica continuada, sempre objetivando trazer o melhor cuidado para os nossos pacientes.

Considerando que a neurocirurgia é um procedimento de alta complexidade, os sistemas público e privado têm se destacado como centros de referência de excelência?

Infelizmente, o sistema público tem sofrido com a falta de financiamento, portanto, os centros de excelência cada vez mais têm se restringido aos ambientes acadêmicos e aos hospitais universitários. Fora dessas ilhas de excelência profissional e alta tecnologia, vemos a falta de material, a dificuldade para realização de exames complementares e um sistema de referência e contrarreferência extremamente lento e ineficaz, dentre vários outros problemas que nos deparamos no nosso dia a dia. No sistema privado, notamos uma melhora na tecnologia disponível para o neurocirurgião, fácil acesso aos exames complementares, porém, é um setor restrito a uma pequena parcela da população,  que diminui de forma progressiva por conta do aumento da taxa de desemprego, com trabalhadores perdendo seus planos de saúde e, consequentemente, o acesso a essas ilhas de qualidade.

Tornam-se cada vez mais frequentes pesquisas interdisciplinares voltadas para a mente e o cérebro, com a atuação conjunta entre médicos, profissionais da saúde e áreas correlatas. Poderia apontar alguns estudos recentes com essas diversas contribuições?

A linha de estudo que mais me impressiona é a da interação cérebro e máquina, principalmente voltada para a reabilitação de pacientes com lesão medular. São estudos extraordinários e que têm um potencial muito grande para que esses pacientes consigam melhorar cada vez mais a sua independência funcional. As áreas de robótica e de inteligência artificial também são extremamente promissoras e atraem muito o meu interesse. Imaginar um futuro em que computadores possam ser utilizados como ferramenta auxiliar ao diagnóstico, minimizando os riscos de erro para o paciente, é algo de extrema relevância e deve ser buscado por todos os médicos.

DIANA LARA PINTO DE SANTANA

RAIO-X FORMAÇÃO

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

ESPECIALIDADE Neurocirurgia

ATUAÇÃO Membro das comissões do Médico Jovem da APM e de Mulheres Neurocirurgiãs da SBN

Entrevista publicada na Revista da APM – edição 701 – julho 2018

Fotos: BBustos Fotografia