Além disso, é livre-docente pela Universidade Federal da Bahia e Professor Titular da Faculdade de Medicina do ABC.
No associativismo, notabilizou-se por campanhas bem sucedidas de defesa profissional e por melhor remuneração empreendidas quando presidiu a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), entre 2010 e 2013, e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), de 2016 a 2019.
A despeito do currículo admirável, César também é bastante admirado pelo jeitão simples e a preocupação com o coletivo, especialmente com as demandas de seus colegas, os médicos. Ele mesmo se diz um eterno caipira. Nasceu em Araçatuba e viveu sua infância e adolescência em Martinópolis. Nutre ainda um saudosismo intenso por estas duas cidades do interior do estado de São Paulo. Veio para a capital para cursar Medicina e se tornou um paulistano de coração. Não perde, no entanto, a visão e o entendimento de que o Brasil é um todo e precisa avançar em todas as regiões.
Hoje, César é uma das lideranças do Movimento Nova AMB, apoiado por inúmeras sociedades médicas de especialidades e, mais importante, por incontáveis médicos. O Nova AMB visa construir uma Associação Médica Brasileira diferente, compromissada com uma gestão honesta e transparente, em garantir mais espaço aos jovens e mulheres médicas, e em trabalhar para que o reconhecimento à relevância do médico do País seja também econômico, e não apenas elogios e gestos de gratidão.
A seguir, Fernandes faz um diagnóstico da situação do médico brasileiro e analisa o atual estágio do associativismo.
REVISTA DA APM: Como vê a situação do médico, de forma geral, hoje no Brasil?
CÉSAR EDUARDO FERNANDES: A epidemia de Covid-19 trouxe um grande problema para o exercício da Medicina e, como consequência, para a vida dos médicos. Tenho orgulho dos meus colegas que enfrentam com bravura esse momento para prestar a melhor assistência possível à população brasileira. Por outro lado, me preocupa muito a falta de condições com as quais os médicos estão trabalhando. Eles não têm como se proteger, os equipamentos de proteção individual (EPIs) não estão disponíveis, ou quando estão disponíveis não são de qualidade adequada para quem está na linha de frente atendendo pacientes com a doença confirmada ou suspeita. De outra parte, vale lembrar os danos econômicos que são sofridos por toda a população e pela classe médica. Os nossos colegas que atendem no âmbito da saúde suplementar têm enormes prejuízos por redução dramática da sua atividade. Alguns estão com o consultório fechado, arcando com o ônus de pagamento de toda a estrutura dos funcionários, sem a contrapartida de serem remunerados por prestação de serviço. Espero que, ao final dessa pandemia, seja reavaliada pelas autoridades públicas sanitárias e pelos gestores de saúde, de maneira mais efetiva e eficaz, a condição do médico. Ele não pode ter a sua profissão precarizada.
Em sua avaliação, a unidade médica seria um caminho para reverter problemas como esses?
Eu entendo que sim e vejo com tristeza a fragmentação do movimento médico. Parece que em algumas sociedades, os dirigentes estão mais preocupados com eles próprios, procurando aspirações políticas partidárias individuais. Isso não é extensivo a todos, há exemplos muito bons no movimento associativo, mas existem exemplos lamentáveis que saltam aos olhos, bastando observar a trajetória de alguns dirigentes para ver claramente os interesses de natureza pessoal e a não preocupação com o movimento médico. São pessoas que querem se perpetuar em algumas instituições, que muitas vezes vivem em inércia, numa improdutividade triste, sem comprometimento e protagonismo no movimento médico. Além disso, algumas associações têm histórias de desvios financeiros calamitosos e que nos envergonham a todos. O caso mais marcante é o da AMB, que nos faz crer que nos últimos anos houve desvio financeiro enorme. Isso é algo vergonhoso, é preciso esclarecer e apontar os responsáveis.
Quando você foi presidente da Sogesp, os ginecologistas e obstetras fizeram uma campanha histórica por valorização, que acabou contagiando todo o movimento médico. Quais foram os frutos desse trabalho?
Na época, vivíamos uma situação muito desalentadora no que diz respeito à assistência ao parto, extremamente desvalorizada. Eram vergonhosos os honorários que se pagavam na saúde suplementar e os médicos estavam sem interesse nesse atendimento. Então, fizemos uma luta intensa com grande divulgação na mídia. Talvez esse seja o maior dividendo que tivemos, com o engajamento de toda a comunidade de ginecologistas e obstetras, com ações feitas em vários locais públicos. Assim, mudamos a relação de precariedade que vivíamos na assistência médica. Ainda está longe do que gostaríamos que estivesse, mas certamente ficou no coração dos médicos que tínhamos uma sociedade que caminhava ao lado dele.
Como garantir conhecimento científico ágil e acessível em todo o Brasil, país de dimensões continentais?
Sempre entendi que programas de educação continuada, elaborados pelas diferentes sociedades médicas, deveriam chegar aos rincões do Brasil. Mesmo antes da pandemia, como presidente da Febrasgo, lutei pelo ensino a distância, através de ferramentas digitais, e, neste momento, mesmo com a situação trágica que vivemos, temos alguns ensinamentos, em particular em relação a esses instrumentos e como eles podem ser extremamente úteis na educação continuada. Acredito que esse aprendizado irá nos proporcionar ferramentas de educação continuada e as associações médicas têm que se profissionalizar em relação a elas.
Em sua avaliação, quais são os principais problemas da formação médica?
É extremamente difícil manter um nível qualificado de educação médica, mesmo nas grandes instituições de ensino. Preocupa-me extremamente a abertura indiscriminada de novas escolas médicas. Acredito que a maioria não tem condição de formar um grande profissional. Defendo, portanto, uma política de revisão das liberações de funcionamento das escolas. E que, claro, não haja continuidade de faculdades que não reúnam condições. Do mesmo modo, defendo reavaliação sistemática, criteriosa e justa a todos os programas de Residência Médica para checar se possuem as competências exigidas pelo Ministério da Educação.
Como atrair os médicos para as entidades representativas?
É importante que as entidades venham ao encontro dos interesses deles. Hoje, o jovem médico vê o exercício profissional sob outra ótica e as entidades associativas têm de se alinhar com esse novo mundo tecnológico que os envolve. Em contrapartida, algumas associações médicas estão envelhecidas: vivem como se estivessem há 30 anos, não acompanham transformações, não ouvem e não dão espaço aos novos profissionais. Como consequência, esse médico não se sente atraído. Eles também não veem protagonismo de algumas entidades, em especial da AMB, em relação à valorização profissional e à defesa dos seus interesses. São bandeiras que não adiantam apenas serem levantadas, o importante é mostrar trabalho nessa direção.