Arthur Pinto Filho é promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo especializado em saúde pública. Faz parte do Fórum Nacional de Saúde e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável pela criação dos NATs – núcleos de médicos que auxiliam os juízes a tomarem decisões baseadas na opinião dos profissionais de Saúde em casos de judicialização. Abaixo, ele enaltece o SUS, aborda os pontos que precisam melhorar e fala sobre a influência política na Saúde.
O SISTEMA PRECISA SER DEFENDIDO
A avaliação destes 30 anos é extremamente positiva. A criação do SUS aconteceu dentro de uma ideia muito generosa da Constituição de criar um estado de bem-estar social. Junto disso, criaram-se mecanismos interessantes em várias outras áreas, inclusive no próprio Ministério Público, que teve alteração completa no seu perfil, deixando de ser um órgão meramente atuante na área penal, mas recebendo atribuições físicas. Até 1988, por exemplo, não se podia falar em saúde pública no País. Quem não tinha carteira de trabalho não era atendido – excluindo profissionais domésticos e rurais.
O Sistema Único de Saúde universalizou e igualou o atendimento. Também trouxe melhoras significativas em todos os nossos índices de Saúde. O SUS é uma glória, que deve ser defendida a ferro e fogo.
“Precisamos do plano de carreira nacional para os profissionais do SUS, bem articulado e com boa remuneração.”
INVESTIMENTO E AUDITORIA
O sistema público tem a dificuldade de ser sombreado pelos planos de saúde, que recebem tratamento preferencial do Governo. Quem paga planos pode apresentar o gasto no recolhimento do imposto de renda, recebendo uma quantia do dinheiro de volta. Então, de certa maneira, o Estado brasileiro investe nos planos de saúde. Também há a questão do financiamento: o Governo Federal investia, na criação do sistema, um montante muito importante, que foi diminuindo substancialmente ao longo dos anos. Outro problema muito grave é da gestão. O SUS tem um controle muito ineficiente dos gastos. O Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) está passando por um desmonte. Em níveis estadual e municipal também não há eficiência. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, destina metade do seu orçamento em Saúde às Organizações Sociais (OS), com uma auditoria muito precária.
CONGELAMENTO DE GASTOS
A PEC do Teto é uma tragédia para o País. O jornal O Globo divulgou, recentemente, que o Governo Federal, em 2017, reduziu em 33% a verba para a prevenção de epidemias, repassando aos estados e municípios somente a miserável quantia de R$ 20 milhões. Não é por outra razão que você vê, hoje, no Brasil, algo que não acontecia há um século: a volta da febre amarela. Então, as pessoas falam que não precisam do SUS, mas cometem um equívoco, já que toda a vigilância sanitária e epidemiológica é feita pelo sistema público. Se você desmonta o SUS, como o Governo Federal faz, acontecem coisas dessa natureza. Parte da população e do Governo não se dão conta que essas “economias” vão ser cobradas lá na frente.
SETOR PRIMÁRIO E FALTA DE MÉDICOS
A atenção básica é um setor que não tem a proeminência que deveria dentro do SUS, pois evita gastos desnecessários. É preciso que os governos entendam que é fundamental, pois sem ela as pessoas são direcionadas para a atenção secundária ou terciária, em que se gasta muito mais. É preciso, também, que se faça um plano de carreira para o SUS, trazendo atrativos para que os médicos deixem o conforto das cidades grandes e trabalhem no interior. Enquanto não temos isso, notamos que no Norte e no Nordeste a situação é muito complicada. Os municípios disputam entre si os mesmos médicos, pagando valores absolutamente fora do normal, por pura necessidade.
FALTA DE PROFISSIONALISMO
É uma lástima o tratamento político da Saúde. As diretrizes do Ministério mudam ao sabor do ministro e do partido que o indica – é uma tragédia nacional. Não só na Saúde, mas em todos os setores fundamentais. Não há a mínima profissionalização em uma área absolutamente central para os brasileiros.
JUDICIALIZAÇÃO
São três tipos: a criminosa, que precisa ser combatida de forma assertiva por órgãos de controle e polícia; a má judicialização, em que são concedidos tratamentos, procedimentos e medicamentos experimentais, sem a eficácia comprovada cientificamente; e a necessária, quando um paciente não consegue acesso a um remédio da lista Rename ou a um tratamento oncológico dentro do marco legal. A má judicialização atrapalha o SUS, pois não há uma rubrica “Judicialização” no orçamento. Ou seja, o dinheiro destinado a algum setor tem de ser redirecionado. Mas não é isso que coloca o sistema em risco. Em nível nacional, o dinheiro despendido nas judicializações foi de pouco mais de 1% do orçamento do Ministério da Saúde. Então, temos que combater a judicialização criminosa e diminuir a má judicialização.
ARTHUR PINTO FILHO – Promotor de Justiça
LOCAL – Ministério Público de São Paulo
ATUAÇÃO – Fórum Nacional de Saúde e Conselho Nacional de Justiça
Entrevista publicada na Revista da APM – edição 696 – janeiro/fevereiro 2018