Akira Ishida – O Brasil precisa de médicos bem formados

Professor Titular de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, Akira Ishida também é vice-presidente da Associação Paulista de Medicina.

Entrevistas

Na entrevista a seguir, ele destaca o excesso de faculdades de Medicina no Brasil e defende o fechamento de escolas de má qualidade.

Revista da APMAcredita que o Brasil precisa de mais profissionais médicos?
Akira Ishida: Historicamente, fala-se que é necessário ter um médico a cada mil habitantes, mas já estamos com uma relação de quase 2,5. E por conta da abertura indiscriminada de faculdades e de vagas, além dos milhares de brasileiros que estudam em faculdades nas fronteiras e depois vêm trabalhar no nosso País, daqui a cerca de 15 anos teremos 1,5 milhão de médicos. Não é assim que melhoraremos a Saúde brasileira. O País não precisa de mais profissionais, e sim de médicos bem formados.

Como analisa a estratégia do Mais Médicos para assistir pacientes em regiões remotas?
Entendo que as razões principais de os médicos não irem às regiões remotas são as condições precárias de trabalho e a necessidade de morar em locais sem boas opções para a educação dos filhos, lazer etc. Essa questão não se resolve com o Mais Médicos ou programas similares e também não é um fenômeno brasileiro. Em países de primeiro mundo, como os Estados Unidos e Portugal, há deficiência de profissionais em algumas regiões. Precisamos de uma Carreira de Estado transitória, semelhante à do Judiciário, em que haja progressão de tempos em tempos, com os profissionais mudando de local de trabalho conforme progridem na carreira.

De que forma avalia a estrutura das novas escolas médicas e a contratação de docentes?
Essas instituições não têm infraestrutura, como hospitais-escolas, laboratórios e salas de anatomia. E em busca de solução, alugam e fazem convênios com determinados hospitais. No entanto, para o bom treinamento dos alunos e residentes, é preciso que o professor ou preceptor faça parte do corpo clínico da instituição. O Ministério da Educação não tem atuado nessa questão, pelo contrário, já que sua política está inserida na do Programa Mais Médicos, de forma que a abertura de novas escolas cumpre as diretrizes da lei. Além disso, precisamos de um corpo docente qualificado, que se dedique à faculdade. Neste sentido, não é possível contratar um professor de Medicina por hora/aula, por exemplo, como em outros cursos.

O que pensa sobre o fechamento de faculdades de má qualidade?
Eu vejo que é extremamente necessário. E para isso, é preciso sensibilizar a população sobre o risco de médicos mal formados, para que haja uma pressão sobre o Congresso Nacional. O caminho mais factível é a implantação de um exame de avaliação dos egressos, como o do Cremesp. Quando discutimos esse assunto, sempre surge o questionamento de que a OAB, por exemplo, não fecha as faculdades ruins de Direito, então por que a Medicina teria de fazê-lo? Além da diferença de mensalidades e de carga horária, o advogado recém-formado consegue
desenvolver outra atividade profissional dentro de sua carreira mesmo se não passar no Exame da OAB. Na Medicina, por sua vez, isso não seria possível e acredito que um pai não matricularia seu filho em uma faculdade de Medicina com apenas 5% de aprovação e R$ 12 mil de mensalidade, por exemplo, sendo que o aluno ainda precisaria estudar em período integral e, muitas vezes, morar em outra cidade. Desta forma, as escolas ruins acabariam fechando.

Qual sua experiência com o Exame do Cremesp?
Foi uma experiência muito rica. Participei há 13 anos da comissão que criou a prova. Como a elaboração de uma prova de capacitação é extremamente complexa, ampliamos o grupo com a participação de professores e buscamos boas referências no exterior. Lutamos para que 100% dos alunos formados no estado de São Paulo prestassem o exame, até que conseguimos torná-lo “obrigatório” porque, até então, tinha-se um viés de amostragem. Com todos os recém-formados participando do processo, o resultado passou a ser mais representativo e estávamos conseguindo sensibilizar a imprensa e a sociedade para a importância do tema. No último ano de gestão da diretoria do Cremesp da qual participei, o Conselho Federal de Medicina e diversos conselhos estaduais também já eram favoráveis ao exame, que inclusive passou a ser realizado em outros locais. Agora, para que se torne obrigatório em termos de obtenção do registro profissional, é necessária aprovação de projeto de lei pelo Congresso Nacional.

E sobre o processo de revalidação de diplomas estrangeiros, qual sua opinião?
Além da equivalência curricular, é preciso ter uma prova abrangente, rigorosa e transparente para avaliar quem pode ou não praticar a Medicina no Brasil. A minha grande dúvida é sobre quem está elaborando o exame atual. A questão não é se a avaliação é fácil ou difícil, mas se permite identificar se o profissional está apto ou não a trabalhar em nosso País. Não podemos deixar que qualquer instituição conduza esse processo.

“Participei há 13 anos da comissão que criou o Exame do Cremesp, que é uma excelente iniciativa”

“Para o bom treinamento dos alunos e residentes, é preciso que o professor ou preceptor faça parte do corpo clínico do hospital-escola”

Raio-X
Akira Ishida
Formação
Escola Paulista de Medicina
Especialidade
Ortopedista e Traumatologista
Carreira
Professor Titular da EPM/Unifesp e vicepresidente da APM

Entrevista publicada na edição 712 da Revista da APM – Julho/Agosto 2019