BRASÍLIA – Uma pesquisa inédita feita pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e obtida com exclusividade pelo Estadão mostra que 77,6% dos usuários de dispositivos eletrônicos para fumar (DEF), conhecidos como “vapes”, afirmam que o uso desses produtos não os ajudou a parar de fumar cigarros tradicionais.
O estudo mostra ainda que a maior parte dos usuários de cigarros eletrônicos são adolescentes em todos os cenários de uso analisados: no último mês, no último ano e na vida.
“Esse dado confronta um discurso de que ele seria um fator de redução de danos, e seria usado para reduzir o consumo e, eventualmente, para auxiliar as pessoas a pararem de fumar. A pesquisa mostra que a dinâmica é outra, que as pessoas não pararam de fumas ao usar DEFs”, afirmou ao Estadão a secretária Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos, Marta Machado.
Nos últimos anos, a indústria tem difundido a narrativa de que os cigarros eletrônicos são uma alternativa mais segura aos cigarros tradicionais. Em comunicado no ano passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) refutou essa perspectiva.
“A indústria promove os produtos de nicotina como sendo ‘mais seguros’ que os cigarros em uma tentativa de desviar a atenção dos formuladores de políticas e dos consumidores do fato de que a nicotina em si é altamente viciante e prejudicial, especialmente para crianças e jovens”, ressaltou a OMS.
Os dados estão no Levantamento de Álcool e Drogas (Lenad), feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) a pedido da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) do Ministério da Justiça. Pela primeira vez, a pesquisa reúne dados sobre o vício em cigarros eletrônicos, em jogos de apostas (incluindo as chamadas “bets”) e o uso de medicamentos sem prescrição médica.
A pesquisa levou em consideração uma amostra de 16 mil pessoas com 14 anos ou mais, classificadas como adolescentes (14 a 17 anos) e adultos (18 ou mais).
Uso entre adolescentes
Entre os entrevistados adultos, 95,1% responderam que os cigarros eletrônicos são extremamente prejudiciais e fazem muito mal. Já entre os adolescentes, o porcentual daqueles que têm essa opinião foi de 88,8%
Apesar do maior uso dos dispositivos entre o público adolescente, a idade média na qual as pessoas experimentam o produto é de 24 anos.
Entre os adolescentes usuários de vapes, 31,8% consumiram o produto no último mês. Considerando o público adulto, o porcentual cai para 25,2%.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que 37 milhões de adolescentes entre 13 e 15 anos usam tabaco atualmente. O uso de dispositivos eletrônicos é mais difundido entre os jovens na maioria dos países.
“O uso de sabores como algodão doce e chiclete, juntamente com embalagens coloridas, seja em cigarros ou nos vapes, representa uma tentativa óbvia de atrair os mais jovens”, afirmou Ruediger Krech, diretor do Departamento de Promoção da Saúde da OMS, em comunicado no ano passado.
Recentemente, um estudo realizado pelo Instituto do Coração (InCor) mostrou que quem utiliza os chamados vapes pode consumir níveis de nicotina semelhantes ou muito superiores aos observados em fumantes de cigarros convencionais.
O trabalho do InCor apontou que pessoas que afirmam possuir alta dependência em vapes e usam os dispositivos por até um ano apresentam, em média, 435 nanogramas de nicotina no organismo. “Isso é extremamente alto para esse período de tempo. Para ter ideia, esse parâmetro é superior ao de quem procura tratamento após 25 anos fumando ao menos 20 cigarros por dia”, afirmou a cardiologista Jaqueline Scholz, coordenadora da pesquisa, em entrevista ao Estadão.
Observatório sobre drogas
Nesta quarta-feira, 26, o Ministério da Justiça e Segurança Pública lança o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid). O organismo será responsável por reunir informações sobre drogas para embasar políticas públicas na área.
A proposta do governo federal é de que a plataforma Obid inclua pesquisas e legislações relacionadas ao tema. Parte dos conteúdos estariam inclusive disponíveis para a população em geral.
Fonte: Estadão