No dia 13 de janeiro, foi sancionada a Lei 15.100/2025, que regulamente a utilização de aparelhos eletrônicos portáteis, incluindo celulares, por estudantes nos estabelecimentos de ensino público e privado da educação básica de todo o País. A lei veda o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante as aulas, recreios e intervalos. As exceções são permitidas apenas para uso pedagógico desses dispositivos, casos de necessidade, perigo ou força maior e para fins de acessibilidade, inclusão, condições de Saúde ou garantia de direitos fundamentais.
Em São Paulo, a Lei 18.058/2024 foi sancionada no dia 5 de dezembro, proibindo a utilização de celulares e outros dispositivos eletrônicos pelos alunos nas unidades escolares da rede pública e privada de ensino, no âmbito do estado. O uso será permitido apenas em casos semelhantes à regra nacional.
Por isso, nesta edição da Revista da APM, Clóvis Francisco Constantino, diretos adjunto de Previdência e Mutualismo da Associação e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, analisa os benefícios das leis que proíbem o uso de celulares nas escolas e compartilha orientações sobre educação positiva e o uso consciente da tecnologia pelos jovens. Confira.
De que maneira o uso de celulares pode interferir no processo de aprendizagem dos estudantes?
É evidente que os alunos, sejam crianças ou adolescentes, que têm acesso livre aos celulares na sala e aula acabam dividindo a atenção entre o que está sendo ensinado e as telas. Isso gera um grande prejuízo na aprendizagem, especialmente na assimilação dos conteúdos. Por conta disso, sou contra a utilização de smartphones nas escolas, inclusive durante os intervalos, porque os jovens precisam interagir entre si. Se ficarem interagindo apenas com as telas, o desenvolvimento deles fica limitado. Sabemos também que crianças e adolescentes estão em pleno desenvolvimento, e, por isso, é necessário oferecer todo tipo de estímulo natural. Limitar o uso dos celulares é muito importante para garantir esse equilíbrio.
Como a proibição do uso de celulares nas escolas pode beneficia o desenvolvimento acadêmico e social dos alunos?
Existem várias publicações científicas que mostram que, ao limitar o uso de celulares nas escolas, os adolescentes tendem a ser mais felizes, sorrir mais e ficar mais relaxados, interagindo com o ambiente escolar sem a dependência das telas. Consequentemente, a proibição dos celulares nas escolas aumenta a chance de essas crianças e adolescentes se tornarem adultos mais felizes e saudáveis, com maior capacidade de interagir com a sociedade.
Existem desvantagens ou desafios na implementação dessa proibição?
As críticas geralmente vêm do desconhecimento sobre as consequências do uso excessivo das telas. Acredito que as pessoas que criticam essa decisão, especialmente aquelas envolvidas com redes sociais, têm interesses financeiros, pois lucram muito com a presença de crianças e adolescentes na internet, sendo seduzidos por conteúdos, muitas vezes, de forma perigosa. É claro que quem lucra com as redes sociais vai criticar essa medida, argumentando que seria uma forma de retirar a liberdade. No entanto, sabemos que isso não priva ninguém da liberdade, mas sim impõe um controle e limitação no uso das telas, visando o benefício dos jovens.
Quais são os principais efeitos cognitivos e comportamentais do uso excessivo de smartphones por crianças e adolescentes?
Diversos fatores podem influenciar, como a ausência de limites na utilização de telas. Se a família permitir que crianças e adolescentes usem os celulares sem controle, eles podem chegar à idade adulta com a ideia de que podem fazer tudo conforme seus próprios interesses, sem se preocupar com as relações interpessoais. Por isso, estabelecer limites é fundamental. Transtornos do sono também são recorrentes, especialmente quando os jovens são expostos ao brilho das telas no momento em que deveriam se preparar para uma rotina de sono adequada. Problemas alimentares surgem quando, durante as refeições, a atenção está voltada para as telas e não para o alimento – o sabor, o aroma e a experiência da alimentação são negligenciados. Além disso, a falta de exercícios físicos, associada ao uso excessivo de tecnologias, pode levar a problemas musculoesqueléticos.
Quais são as consequências a longo prazo do uso excessivo de smartphones para crianças e adolescentes?
O uso excessivo pode causar irritabilidade, ansiedade, depressão, isolamento e transtornos de imagem corporal. Este último é agravado pelas redes sociais, que exibem padrões considerados ideais, contribuindo para a baixa autoestima e a dependência dessas mídias. Hoje em dia, vemos pessoas que ficam muito ansiosas se precisam ficar apenas 30 minutos longe do celular. As tecnologias, redes sociais e telas são importantes na vida de todos nós, mas o uso precisa ser controlado. Nada é prejudicial quando utilizado com equilíbrio e responsabilidade. Além disso, os jovens perdem a capacidade de debater sobre diferentes temas, algo essencial para o desenvolvimento de pensamento crítico e para a construção de consensos. Discordar de forma fundamentada é uma habilidade importante e, se isso não for exercitado na infância e na adolescência, será muito difícil desenvolver no futuro.
Por que as últimas gerações têm se tornado tão dependentes dos smartphones?
Essa dependência começa no ambiente familiar. Quando as crianças veem os pais usando o celular durante as refeições, por exemplo, isso transmite a ideia de que é algo normal e que deve ser feito nestas ocasiões. Para que as limitações no uso dos smartphones funcionem, os pais e responsáveis não devem apenas proibir, mas educar. Essa educação, no entanto, não deve se restringir às crianças – é necessário que os próprios pais, professores e responsáveis também eduquem a si mesmos. Os pediatras também desempenham um papel importante. Essas orientações precisam estar nas consultas. Na Sociedade Brasileira de Pediatria, difundimos diversos documentos científicos para os pediatras porque acreditamos que isso é fundamental para conscientizar as famílias e ajudar na construção de hábitos saudáveis.
Como as redes sociais podem influenciar o desenvolvimento das crianças e adolescentes? Existem aspectos positivos que podem ser considerados?
Se os pais ou responsáveis realizarem uma seleção cuidadosa e controlada dos conteúdos que as crianças acessam, isso já pode ser considerado um aspecto positivo na educação, por exemplo. É essencial que o responsáveis estejam atentos e saibam exatamente o que as crianças e adolescentes estão consumindo nas redes sociais, pois as mídias podem estimular comportamentos nocivos, como violência, cyberbullying, uso de drogas e a banalização da sexualidade.
Qual a ideia mais adequada para permitir o uso de smartphones por crianças e adolescentes, de acordo com o desenvolvimento cognitivo e emocional?
Nenhuma criança, especialmente de zero a 12 anos, deve receber um smartphone como presente. A partir da adolescência, entre 13 e 14 anos, o jovem pode ter um celular, desde que com controle – tanto em relação ao tempo de uso quanto ao conteúdo acessado.
Qual deve ser o papel dos pais no controle do uso de smartphones? Quais estratégias práticas eles podem adotar para limitar o tempo de uso e incentivar hábitos saudáveis?
Todo processo educacional e familiar só é eficaz se houver diálogo e explicações. A educação orienta crianças e adolescentes a adotarem hábitos saudáveis, mas isso precisa ser fundamentado; não basta dar ordens, é preciso que as exigências tenham um embasamento claro. Portanto, é possível que os pais intervenham, mas, como já mencionei, é um processo educacional que depende todos.
Há alguma recomendação específica que você daria para o uso consciente da tecnologia entre os jovens?
Gostaria de destacar o tempo de uso recomendado para cada faixa etária, com base em estudos científicos nacionais e internacionais. De zero a dois anos, não é recomendado o uso de telas, nem mesmo de forma passiva, pois esse é o período crítico para a formação da plasticidade cerebral e das conexões neurológicas, essenciais para um desenvolvimento saudável. De dois a cinco anos, o uso deve ser limitado de 30 minutos a uma hora por dia. De seis a dez anos, de uma a duas horas diárias. E para adolescentes, entre 13 e 18 anos, o ideal é de duas a três horas por dia. Além disso, é fundamental que haja supervisão constante e que os jovens não fiquem usando as telas até tarde da noite.
Raio-X
FORMAÇÃO: Escola Paulista de Medicina/Unifesp
ESPECIALIDADES: Pediatria
ATUAÇÃO: Diretor de Previdência e Mutualismo Adjunto da APM, Diretor Acadêmico da Associação Médica Brasileira, Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Professor da Unisa
Texto: Ryan Felix, sob supervisão de Giovanna Rodrigues | Foto: Arquivo APM
*Matéria publicada na Revista da APM – nº 748, edição Janeiro/Fevereiro de 2025