A prestação de serviços de saúde no Brasil por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) envolve uma complexa estrutura administrativa, onde o Estado é o responsável pela organização e execução dos serviços essenciais à população.
A advogada Ana Carolina Araújo, especialista em Direito Médico, explica que: “é fundamental compreender a responsabilidade que recai sobre os profissionais envolvidos no atendimento aos pacientes junto ao SUS. Em especial, destaca-se a equiparação do médico a um ‘agente público’ no exercício de suas funções no referido sistema, o que implica na responsabilização do Estado por eventuais danos causados a terceiros, quando o agente atua em nome do serviço público, reforçando, ainda, um dos princípios basilares da administração pública, o da impessoalidade, o qual determina que os atos públicos são praticados pela Administração e não por seus agentes individuais”.
De forma mais genérica, considera-se “agente público” todo indivíduo que exerce uma função pública, seja de forma definitiva ou transitória. A responsabilidade desses agentes, por sua vez, é vinculada ao exercício das funções públicas que lhes são designadas, conforme o conceito mais amplo do termo.
Fundamentos legais
A profissional também destaca a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), que, em seu artigo 2º, amplia essa definição ao afirmar que “agente público” é todo aquele que exerce, mesmo que temporário ou sem remuneração, funções em entidades da Administração Pública, por meio de nomeação, designação, contratação, ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo. Assim, médicos que atuam em hospitais públicos ou conveniados ao SUS se equiparam a agentes públicos, pois exercem suas funções no âmbito do serviço público de saúde, sendo, portanto, sujeitos às responsabilidades e prerrogativas previstas para esse tipo de agente.
A advogada, ainda, relembra que a norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal estabelece que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros“, assegurando ainda o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo (intenção de causar dano) ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia). A aplicação desse dispositivo é fundamental para entender o tratamento de ações que envolvem atendimento custeado pelo SUS.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento realizado em 14 de agosto de 2019, no recurso extraordinário (RE) 1027633, tema de Repercussão Geral 940, reconheceu que, em casos de danos causados por agentes públicos no contexto do SUS, a ação por danos deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado que presta o serviço público. O agente público individual, como o médico, é considerado parte ilegítima para figurar no polo passivo de tais ações. A Suprema Corte reafirmou que a responsabilidade direta pela prestação do serviço é do Estado ou da instituição que atua em sua representação, e não do servidor público que desempenha a função, ressalvado o direito de regresso assegurado à Administração Pública em desfavor do agente envolvido em caso de comprovação de dolo ou culpa.
A decisão, com repercussão geral, esclarece que, mesmo quando o dano causado decorrer de atos que envolvam responsabilidade subjetiva do agente, a ação deve ser dirigida à pessoa jurídica prestadora do serviço público, e não ao profissional individualmente. Essa interpretação busca evitar que os profissionais de saúde sejam responsabilizados diretamente, garantindo que o Estado seja o responsável pela reparação dos danos.
Segundo a advogada, referido entendimento destaca a importância de se entender que a contratação dos serviços de saúde pelo SUS não implica em vínculo direto com o profissional, mas com o serviço público prestado pelo Estado. Assim, as ações judiciais que questionam a qualidade ou os resultados de tais atendimentos devem ser direcionadas às entidades responsáveis, e não aos profissionais individualmente.