Nos últimos meses, muito tem-se noticiado pelos diversos meios de comunicação, em especial na rede social, sobre invasão de políticos às unidades de Saúde, sob o pretexto de que querem fiscalizar o atendimento à população, e para tanto filmam e expõem as pessoas de forma sensacionalista, colocando, inclusive, em risco a vida de pacientes.
Neste sentido, as entidades médicas têm se manifestado rechaçando essa “fiscalização” midiática, abusiva e desrespeitosa às prerrogativas médicas e à legislação brasileira.
A Associação Paulista de Medicina está acompanhando de perto e se mobilizando, através de sua Diretoria de Defesa Profissional, Comissão Especial de Médicos Jovens e Assessoria Jurídica, contra atuações de parlamentares com violência, constrangimento, assédio ou violações às prerrogativas, direitos e autonomia dos médicos. E reitera seu compromisso na defesa dos médicos.
Neste artigo, refletimos – brevemente – sobre os aspectos legais que envolvem essa prática abusiva e intimidatória contra médicos e amplamente disseminada por todo o País.
Primeiramente, vale ressalvar que a APM não é contra as fiscalizações, desde que elas sejam realizadas de forma responsável, respeitosa, equilibrada e sem constrangimento e exposição dos médicos e demais profissionais e dos pacientes, a fim de garantir o respeito às normas sanitárias e resguardar a saúde, a integralidade física e os direitos de pacientes e profissionais da Saúde. Muito embora, importante enfatizar, que a competência para fiscalizar o exercício médico em ambiente hospitalar é uma
atribuição única e indivisível dos respectivos Conselhos Regionais de Medicina que se manifestaram reforçando que as unidades de Saúde estão sendo fiscalizadas e qualquer ausência de cumprimento das normas éticas instituídas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) estão sendo apuradas pelos respectivos Conselhos Regionais.
A conduta destes políticos que adentram em hospitais, munidos de câmeras e de seguranças, em quaisquer horários do dia ou da noite, de forma desrespeitosa, abrupta, expondo e questionando os médicos sobre o seu trabalho, promovendo uma espetacularização, é inaceitável e abusiva, e não guarda guarida no ordenamento jurídico brasileiro, pois é intimidatória, seja pela postura, seja pelo tom de fala, e não demonstra respeito para com o profissional, já que não se apresentam abertos a entender a situação ou ouvir o profissional, tampouco respeitam os devidos protocolos formais, mas objetivam tão somente promover a exposição do médico, em flagrante violação à honra e à imagem das pessoas, cujos direitos são garantidos na legislação brasileira e são invioláveis, podendo gerar dever de indenização por danos morais e/ou materiais.
O abuso de direito é precursor da responsabilidade civil, nos termos do artigo 187 do Código Civil, podendo as condutas ilícitas assumirem relevância penal.
➢ Constituição Federal
Art. 5º, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
➢ Código Civil/2002
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Assim, entre os atos abusivos dos políticos está a captação e postagem de imagens dos profissionais sem consentimento, cuja pessoa constrangida e exposta – indevidamente – poderá também obter, administrativa e/ou judicialmente, o direito à exclusão do vídeo de todas as redes sociais.
Desta forma, ao exibirem imagens não autorizadas de pacientes e de profissionais da Saúde (muitas vezes em atendimento), assim como ao acessarem as áreas restritas sem a devida autorização do médico responsável, além de ferirem os direitos constitucionais invioláveis à honra e à imagem das pessoas, atentam contra a ética profissional e a privacidade dos serviços de Saúde.
➢ Código de Ética Médica
CAPÍTULO I -PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
XI – O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.
Artigo 73 – É vedado ao médico: revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Ainda, tal ato também fere a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709/2018, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, de forma que um dos fundamentos é o respeito à privacidade e à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem.
Por fim, a prática deletéria de espetacularização da política, associada à manipulação de imagens (sem a respetiva autorização) e à desinformação, com vistas à promoção e ao engajamento em mídias sociais, também configura desconformidade com a liturgia da função pública, podendo o Parlamentar responder por processo ético-disciplinar perante o Conselho de Ética do respectivo órgão legislativo, por suposta quebra de decoro parlamentar, que poderá levar à cassação do parlamentar.
Portanto, é recomendável que os profissionais da Saúde, em especial os diretores técnicos das Unidades de Saúde, se mantenham informados e promovam a orientação adequada às suas equipes e assegurem o devido cumprimento da legislação brasileira, principalmente dos deveres éticos. E, em caso de práticas irregulares/abusivas ou que possam comprometer a ética profissional e o funcionamento das instituições de Saúde, é aconselhável o registro do competente Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia mais próxima do serviço médico, assim como tomar as medidas cabíveis para preservação de seus direitos, como exposto acima.
A Associação Paulista de Medicina se coloca à disposição para apoiar os médicos e emitir orientação sobre o tema, através dos seus canais de denúncias pelo e-mail defesa@apm.org.br e/ou pelo telefone (11) 3188-4207, inclusive com vistas a exigir esclarecimentos, envolver as autoridades competentes e defender a dignidade da profissão médica.
Antonio José Gonçalves (CRM-SP 25.374), presidente da APM, e Francine Curtolo (OAB-SP 185.480), assessora Jurídica da APM