Trabalho, saúde e doença: o que todo médico precisa saber

"O estudo das condições de trabalho é de interesse de todos os médicos, já que o trabalho pode causar doenças ou agravar condições preexistentes"

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Desde a Antiguidade, há relatos de doenças relacionadas ao trabalho. Hipócrates (460-375 aC) fez o primeiro relato sobre intoxicação por chumbo em seu livro clássico Ares, Águas e Lugares. Depois, Plínio, Agrícola e Paracelso descreveram doenças como a asma dos mineiros, a silicose e a intoxicação por mercúrio, mas foi o italiano Bernardino Ramazzini o responsável pela sistematização na observação de doenças entre trabalhadores.

A partir da pergunta “que arte exerce?”, Ramazzini observou o adoecimento em mais de 50 categorias de trabalho e publicou o tratado De Morbis Artificum Diatriba em 1700. Por isso, é conhecido como o pai da Medicina do Trabalho. A especialidade lida com as relações entre homens e mulheres trabalhadores e seu trabalho e visa não só a prevenção dos acidentes e das doenças do trabalho, mas também a promoção da saúde e da qualidade de vida.

Trabalho remonta à década de 1940, quando os primeiros serviços de saúde dos trabalhadores surgiram no Rio de Janeiro. Com a industrialização, chegaram a São Paulo e foram influenciados pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Em 1968, a especialidade filiou-se à Associação Médica Brasileira, com a fundação da Associação Nacional de Medicina do Trabalho. As primeiras provas de título de especialista vieram em 1977, mas somente em 2002 a especialidade foi reconhecida pela Comissão Nacional de Residência Médica.

Em São Paulo, já há seis programas de residência médica em Medicina do Trabalho – na Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Medicina do ABC, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual e Centro de Referência de Saúde do Trabalhador de Piracicaba.

A especialidade tem suas competências específicas, mas o estudo das condições de trabalho é de interesse de todos os médicos, já que o trabalho pode causar doenças ou agravar condições preexistentes. No primeiro caso, podemos citar a silicose ou a asbestose. No segundo, um exemplo é o trabalho noturno, que pode dificultar o controle do diabetes ou da hipertensão arterial.

O Código de Ética Médica determina que é vedado ao médico “deixar de esclarecer o trabalhador sobre as condições de trabalho que ponham em risco sua saúde, devendo comunicar o fato aos empregadores responsáveis” (art. 12) e “deixar de esclarecer o paciente sobre as determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença” (art. 13).

Doenças relacionadas ao trabalho são agravos de notificação compulsória. Transtornos mentais relacionados ao trabalho, pneumoconioses, dermatoses ocupacionais, perdas auditivas induzidas pelo ruído, distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho e alguns tipos de câncer são exemplos de agravos que devem ser notificados por todos os médicos. Por isso, fica aqui o convite para incorporar os ensinamentos de Ramazzini, com o acréscimo de duas perguntas simples à anamnese: “Que arte exerce? E como a exerce?”.

Marcia Bandini, presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho