Paixão, responsabilidade e proporção

Muitas são as análises realizadas do famoso discurso “A política como vocação”, do sociólogo alemão Max Weber, do início do século passado. Nele, discorreu sobre a célebre tríade de qualidades essenciais para o homem político: paixão por uma causa, sentimento de responsabilidade e senso de proporção.

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Muitas são as análises realizadas do famoso discurso “A política como vocação”, do sociólogo alemão Max Weber, do início do século passado. Nele, discorreu sobre a célebre tríade de qualidades essenciais para o homem político: paixão por uma causa, sentimento de responsabilidade e senso de proporção.

Sem pretensão de comparação às diversas teses cunhadas acerca do famoso discurso, analiso aqui estas habilidades frente ao contexto atual. 

A paixão aqui é a vocação pela Medicina, pela arte de cuidar, desprendida, dedicada ao que há de melhor de si para os outros e que nos outros se completa. Mas esta paixãovocação não pode ser separada do senso de responsabilidade e do sentido das proporções e, como afirmava o próprio Weber, difícil é achar a dose certa entre a paixão e a proporção. Mas é a proporção, com seu distanciamento e isenção, que permite a concentração e a serenidade necessárias para a análise da realidade. 

Realidade contextualizada neste mundo caótico e surpreendente, no qual uma doença viral alterou rotinas, mudou protagonismos, diminuiu vaidades. Mundo em que os protocolos globais de saúde sucumbem com a velocidade de propagação do vírus. 

Mundo que depende derradeiramente de médicos, médicos apaixonados pela vida, pelo cuidar. Médicos que, nesta missão inalienável de curar, estão sendo considerados heróis; mas assim como os semideuses, estes heróis esquecem as suas fragilidades humanas e, com coragem e bravura, passam a lutar contra este inimigo poderoso.

Nós não somos heróis! Somos médicos, profissionais treinados para momentos extremos. Lidamos com a vida e a morte no nosso dia a dia. E quando nos chamam de heróis, corremos o risco de esquecer que podemos adoecer, que não vencemos sempre, que também entristecemos diante das derrotas da nossa equipe e, acima de tudo, que precisamos uns dos outros. Sim, os heróis não choram, não possuem família, não ficam doentes.

E assim, fugindo da cegueira da vitimização e do esforço inconsequente, precisamos lembrar de Weber e equilibrar as nossas grandes responsabilidades e vocação com o sentido de proporção, evitando mostrar uma coragem incomum, que esconde uma evidente displicência com a nossa própria saúde.