A Pediatria tem por missão a promoção da saúde da criança em toda sua plenitude. Cabe ao pediatra ajudar a criança (e sua família) em todas as fases de seu desenvolvimento, de modo que, ao atingir a fase adulta, ela esteja apta a exercer plenamente seu potencial. Quando trata de doenças da criança, pode ser considerada uma especialidade, mas quando incorpora a Puericultura, transforma-se na antiespecialidade, porque não trata de só um órgão ou sistema, mas do indivíduo como um todo, um ser indivisível do ponto de vista físico e psíquico.
O termo “puericultura” etimologicamente quer dizer puer=criança e cultur/ cultura=criação, cuidados dispensados a alguém. Ele foi utilizado pela primeira vez por Ballexserd, em 1762, e ganhou força ao ser retomada pelo médico francês Caron, em 1865, cujo interesse surgiu da constatação empírica de que grande parte das crianças internadas nos hospitais de Paris, na sua época, poderia ter doenças e, consequentemente, internações evitadas se as mães tivessem recebido orientações sobre como amamentar e cuidar corretamente de seus filhos.
Na puericultura, efetiva-se o acompanhamento periódico e sistemático das crianças para avaliação de seu crescimento e desenvolvimento, vacinação, orientações aos pais e/ou cuidadores sobre a prevenção de acidentes, aleitamento materno e orientação alimentar no período do desmame, higiene individual e ambiental, assim como identificação precoce dos agravos, com vistas à intervenção efetiva e apropriada.
A puericultura sofreu mudanças significativas nos últimos anos, que nem todos os pediatras têm sabido aquilatar e incorporar à sua prática de consultório. Até meados do século retrasado, não era mais do que um conjunto de noções e técnicas sobre cuidados de higiene, nutrição e disciplina de crianças pequenas. Com o passar do tempo, a Pediatria passou a transformá-la gradativamente em uma ciência verdadeira, com aplicações muito mais amplas e abrangência etária bem maior. Hoje, estima-se que o pediatra devote até 40% de sua atividade clínica do dia a dia aos chamados serviços preventivos, desde consultas pré-natais, estendendo-se ao longo da infância até o final da adolescência.
As questões que envolvem a avaliação da relação custo x benefício da implementação de cuidados de puericultura estão sendo discutidas por diversas entidades e instituições públicas e privadas. Destacam-se publicações feitas pelo governo norte americano, pela Organização Mundial da Saúde e pelo Economic Opportunity Institute.
Com o intuito de garantir a extensão da cobertura do atendimento infantil na rede básica de saúde e assegurar simultaneamente o aumento da capacidade resolutiva desses serviços, desde 1984 o Ministério de Saúde prioriza cinco ações básicas de saúde, com eficácia comprovada para a redução da morbimortalidade infantil: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil; promoção do aleitamento materno e orientação alimentar para o desmame; prevenção e controle das doenças diarreicas; prevenção e controle das infecções respiratórias agudas; e imunização.
Na saúde suplementar, a puericultura está prevista no anexo III – Diretrizes Clínicas da RN 387, como atendimento ambulatorial em Puericultura, estando definidos critérios de cobertura como a periodicidade das consultas a serem realizadas e quais ações estão incorporadas ao procedimento. Entretanto, esta diretriz não tem o entendimento de diferenciação entre atendimento ambulatorial em puericultura com consulta eletiva pediátrica.
Isto faz com que a maioria das operadoras de planos de saúde considere como fato único e excludente a consulta pediátrica e o atendimento ambulatorial em puericultura, descaracterizando o seu conceito primário. Esta situação torna o pediatra refém de uma sistemática assistencial, na qual, ao atender a criança em um atendimento não programado por intercorrências agudas, passa a não ser remunerado pelo atendimento programado de puericultura.
Pronto-socorro
O PS pediátrico presta grandes serviços, mas nos últimos anos está havendo uma (perigosa) distorção de seu uso. O que era (e é) apenas para atender emergências está sendo utilizado como recurso para consultas pediátricas comuns. Mas qual a explicação para essa “cultura do PS”? Em primeiro lugar, provavelmente um certo comodismo da sociedade atual, que prefere ir a um lugar que atende 24 horas por dia. Mas essa comodidade, não raro, custa caro, com espera prolongada na sala de espera. Outros dizem que fica mais fácil para fazer exames de laboratório. Ma exatamente por essa facilidade, e aliado ao fato do plantonista não conhecer o doente e não ter possibilidade de pedir retornos e contatos telefônicos, ocorrem exageros no pedido de exames, nem sempre necessários. E aí, mais tempo dispendido. Além disso, muitas vezes o atendimento à criança em PS é feito por pediatras com muito pouca experiência, o que passa a ser extrema e perigosamente danoso à criança e custoso às operadoras.
Marun David Cury, diretor de Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
Paulo Tadeu Falanghe, diretor de Defesa Profissional da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP)
Artigo publicado na Revista da APM – edição 690 – julho 2017