DE ACORDO COM O PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FAAP, A COREIA DO NORTE É UM PAÍS PECULIAR. ERMITÃO DESDE 1948 – SOB O REGIME DITATORIAL DA DINASTIA KIM, PELOS QUAIS SE NUTRE UM VERDADEIRO CULTO À PERSONALIDADE – ESSE PEQUENO PAÍS ASIÁTICO, DE CERCA DE 26 MILHÕES DE HABITANTES E UMA RENDA PER CAPITA ANUAL ESTIMADA EM US$ 1.800, JAMAIS DEVERIA OCUPAR TANTO ESPAÇO NO NOTICIÁRIO INTERNACIONAL
Último resultado da Guerra Fria, a Coreia do Norte logrou uma existência distante e isolada, um Estado pária na sociedade internacional. Por muito tempo se acreditou, após a reunificação da Alemanha que, eventualmente, se chegaria a uma unificação na península coreana, com a prevalência cultural e econômica da Coreia do Sul, país com quase 52 milhões de habitantes e uma renda per capita anual de US$ 29.114. Essa expectativa, no entanto, por mais resiliente que seja, ainda se afirma distante.
Kim Jong-un é um estrategista hábil. Apoiado pela China, conseguiu fazer aquilo que o Irã tem tentado há muito tempo, porém sem êxito: construir um arsenal militar nuclear para assegurar a sua própria sustentabilidade no governo.
A vida dos ditadores não anda fácil nos últimos tempos, afinal, lhes restam somente três opções: morrer no cargo, serem depostos e mortos ou buscar exílio. Fidel Castro (Cuba) e Hugo Chavez (Venezuela) morreram no cargo. Muamar Gaddafi (Líbia) e Saddam Hussein (Iraque) foram depostos e mortos. Alfredo Stroessner (Paraguai) se exilou no Brasil. Se for entendido que Kim Jong Un cometeu crimes contra a humanidade, sua situação fica ainda mais instável. Além disso, não é seguro confiar nas promessas do mundo ocidental. Quem confiou – como fez Gaddafi com Nicolas Sarkozy e Tony Blair – não se deu bem
Por isso, com habilidade, Kim buscou uma rota diferente e logrou perpetuar-se no poder em razão de seu arsenal. Assim, impede que os estadunidenses busquem uma troca de regime, isto é, a sua queda, além de conseguir manipular até mesmo a própria China, que, basicamente, tem quatro interesses estratégicos: i) impedir a unificação das Coreias, colocando em sua fronteira um parceiro dos Estados Unidos; ii) impedir a remilitarização do Japão, seu inimigo histórico, que lhe impôs a maior humilhação em seus 5 mil anos de existência; (iii) impedir uma desaceleração econômica na Ásia, o que poderia ocorrer caso houvesse algum tipo de confronto militar; e (iv) impedir que haja qualquer tipo de surto migratório na região.
Kim encontrou, em Washington, ao longo dos últimos anos, dois parceiros ideias: Barack Obama, que liderou um desengajamento mundial dos Estados Unidos, ao buscar “liderar por trás”, abandonando a preeminência daquele país na ordem global; e, a partir de 2017, Donald Trump que, por se considerar um hábil negociador, tem o hábito de blefar e engrossar a voz no início do jogo. Ao elevar o teor das ameaças, no entanto, Trump encontrou em Kim um jogador arrojado, que também sabe usar as cartas que tem, embora em muito menor escala que o arsenal bélico de seu oponente.
Tudo isso cria um cenário de enorme preocupação global porque, se uma guerra viesse a ocorrer, seu efeito seria devastador, especialmente para a Coreia do Sul e o Japão. E seria, de fato, a primeira vez em que se faria guerra a um país nuclearmente armado, algo inédito e de resultados desconhecidos. Seria, de fato, um cenário de armagedão [grande guerra final ou confrontação decisiva] naquela parte do mundo, com enorme impacto global.
A guerra não interessa à própria Coreia do Norte e a seu ditador. O custo seria elevadíssimo e, de fato, haveria muito pouco que ele poderia ganhar. O que interessa a Kim é perpetuar-se no poder. Para fazê-lo, precisa de recursos. Por isso, seguirá utilizando a ameaça nuclear para continuar extorquindo a comunidade internacional. O custo dessa extorsão é marginal, na realidade. Já o enfrentamento seria devastador.
Assim, Kim seguirá com suas atividades enquanto os norte-coreanos não conseguirem se livrar do Homem Foguete que surpreendeu o mundo. Mais do que aos chineses e estadunidenses, cabe aos norte-coreanos se livrarem do problema.
Assim, Kim seguirá com suas atividades enquanto os norte-coreanos não conseguirem se livrar do Homem Foguete que surpreendeu o mundo. Mais do que aos chineses e estadunidenses, cabe aos norte-coreanos se livrarem do problema.
MARCUS VINÍCIUS DE FREITAS é professor de Direito e Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) em São Paulo
Artigo Publicado na Revista da APM – edição 693 – outubro 2017