Como se pode ver na epígrafe do artigo, a liderança compartilhada é um conceito antigo, mas pode-se dizer que retorna com força nos dias atuais e por uma razão muito simples: a liderança compartilhada faz sentido no mundo atual.
As organizações do século XXI são muito maiores, complexas e sofisticadas quando comparadas com suas congêneres dos séculos anteriores e, portanto, aquilo que fazia sentido na administração de antigamente já não se aplica inteiramente às organizações que queiram sobreviver agora. É preciso novas formas para enfrentar os desafios gerenciais.
Nas organizações de hoje, há muita informação disponível e de acesso fácil para todos, muita especialização e automação. Nelas, não há mais detentores únicos do saber, não há centros de poder. Pela primeira vez na história da humanidade, as organizações convivem com a possibilidade de ter quatro gerações trabalhando lado a lado.
Portanto, estruturas convencionais de liderança não são mais adequadas às demandas de novos padrões de direção, coordenação e controle das organizações atuais, porque as características delas são muito diferentes do que foram no passado.
Por outro lado, também se pode dizer que as pessoas nunca foram tão fiscalizadas e controladas nas organizações (e fora delas) como hoje: câmeras por toda parte e registros de todas as atividades existentes nas memórias dos computadores, entre outras formas digitais de fiscalização.
Portanto, não é possível dizer que a fiscalização e o controle são funções administrativas ultrapassadas e restritas aos rigores da administração científica, pois elas são praticadas de maneira diferente, condizente com as solicitações atuais. Nesse sentido, velhas e novas tendências convergem para resolver problemas gerenciais atuais.
Também os padrões de comportamento são afetados por novas tendências educacionais e culturais, seja nas famílias ou nas escolas, de maneira que as expectativas das pessoas também são outras hoje, comparadas com o que foram no passado.
Não se deve, portanto, insistir em ações do passado para equacionar situações do presente. Neste sentido, se propõe uma revisão dos conceitos ligados com a liderança.
Ela sempre foi vista como resultante da ação de indivíduos carismáticos, messiânicos ou heroicos. Na visão prevalente até aqui, a liderança é considerada sempre como um fenômeno individual, no qual se destaca a figura de uma pessoa que, sozinha, dá direção e provê inspiração a um grupo de seguidores.
A ideia tradicional de um líder que dirige, orienta, seduz, manipula, inspira, motiva, coage ou determina autocraticamente é muito reducionista para as organizações do século XXI com as múltiplas e complexas demandas dos seus grupos de interesse.
Essas ações são muito complexas e volumosas para serem confiadas a uma única pessoa, que não conseguirá dar conta da tarefa sozinha. Não conseguirá física, emocional e cognitivamente responder satisfatoriamente a todas as demandas às quais estará exposta, colocando em risco a própria organização se insistir em fazê-lo. Por mais sedutora que seja a tentação de idolatrar o líder herói, isto só faz sentido para afagar egos vaidosos e famintos de poder pessoal.
A liderança compartilhada é uma manifestação visível na cultura organizacional que tenha se apropriado deste conceito, faz parte do dia a dia da organização. O conceito da liderança compartilhada está centrado em desconsiderar a visão do líder individual, heroico, salvador da pátria, que tudo sabe e a quem os demais estão dispostos a seguir.
A necessidade da liderança compartilhada emerge, como foi dito, a partir da crescente complexidade inserida na necessidade de respostas rápidas para fazer frente às mudanças complexas nas organizações do século XXI.
São equipes de líderes que compartilham decisões no mesmo nível hierárquico. Nessas organizações, deve fazer parte da cultura organizacional compartilhar decisões e assumir papeis de liderança dependendo da situação que se apresente ao líder. Nelas, todos podem ser lideres.
É importante lembrar que não se trata de assembleísmo, em que todos opinam sobre tudo o tempo todo e onde cada um faz o que quer, como se houvesse uma liberação geral para que todos mandassem e fizessem o que bem entendessem.
Liderança coletiva tem de ser entendida como um processo dinâmico em que grupos utilizam suas experiências e habilidades em rede para dar respostas ao conjunto de demandas da governança de uma organização complexa. A noção de redes é fundamental para o entendimento do conceito de liderança compartilhada.
Como já se viu, trata-se de uma abordagem contrária à visão do líder individual heroico. São equipes de líderes que compartilham suas experiências e habilidades. Ela tem sido designada por uma série de denominações: compartilhada, dispersiva, delegada, democrática, distribuída, colaborativa, coletiva, cooperativa, concorrente, coordenada e relacional, entre outras.
A simples menção das várias denominações pelas quais esse fenômeno é designado já leva à conclusão de que é um conceito em reformulação, sujeito a novos delineamentos e entendimentos, embora não seja tão novo nem tão pouco praticado.
As noções de cultura organizacional e governança corporativa estão embutidas dentro do conceito de liderança compartilhada. Com atenção apurada, se perceberá que grandes corporações públicas e privadas, cada vez mais, adotam práticas de governança englobáveis neste conceito, embora nem sequer suspeitem que o estejam fazendo. O fazem para simplesmente responder às necessidades sentidas no seu dia a dia.
É importante dizer que a liderança coletiva não prescinde do líder. Tanto é assim que considera que todos podem ou devem ser líderes em determinadas circunstâncias. O conceito prioriza o grupo de lideres, que pode englobar toda a organização, e reconhece a rede de poderes existentes nela, inclusive a informal.
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Haino Burmester é médico, administrador hospitalar e um dos fundadores do Programa Compromisso com a Qualidade Hospitalar (CQH), da Associação Paulista de Medicina