Saúde é um conceito social, é uma totalidade de vida, inclui o direito ao trabalho, à moradia, ao lazer, à boa convivência familiar, tenha essa família o desenho que for.
Essa afirmação vale para qualquer pessoa, mas como deve ser lembrada quando se trata de refletir sobre pessoas vivendo em situação de rua!
Essas pessoas trazem e são marcadas por uma série de vulnerabilidades, apontando para um extremo de exclusão social, “gritando” por um necessário resgate de políticas públicas integradas e continuadas, políticas de Estado, não de Governo – olhando a questão de maneira multíplice, intersetorial, com políticas de Saúde menos segregacionistas, com o princípio da equidade, um dos pilares do nosso SUS, sendo levado a sério; particularizando essa população com competência técnica, compromisso permanente e desejo sincero de transformação.
A instituição de políticas públicas na área da Saúde voltadas às populações em situação de rua é recente. No município de São Paulo, pioneiro nesse aspecto, começou com o reconhecimento e transformação em política de Saúde do trabalho feito há décadas pelo Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, com um movimento organizado pelas necessidades de Saúde, a partir de 2002.
Embora seja possível encontrar vários estudos brasileiros que descrevem dados sociodemográficos da população em situação de rua nas diferentes regiões do País, melhores informações sobre o perfil de Saúde e de vida são necessárias para que iniciativas e estratégias de saúde pública possam ser adaptadas às necessidades desse grupo de indivíduos. Está claro que a adoção de políticas públicas em Saúde deve caminhar junto com as de trabalho, moradia, educação e apoio social.
Nesse contexto da rua, os Determinantes Sociais do Processo Saúde/Doença – fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos, de gênero, psicológicos e comportamentais – se mostram mais do que nunca fatores de risco e alto risco para elevados índices de comorbidades clínicas nessa população, estimando-se que indivíduos em situação de rua têm expectativa de vida média entre 42 e 52 anos, muitíssimo inferior aos 76,6 anos para a população brasileira em geral.
Reinserção Social
A atenção primária é o primeiro e principal recurso a ser oferecido a essas pessoas. É a “porta de entrada”, sendo a Estratégia Saúde da Família bastante adequada também para essa população, com adaptações às suas necessidades mais prementes – presença de técnicos em saúde mental (psicólogos e psiquiatras), reabilitação, serviço social, consultórios odontológicos e equipes médicas e de Enfermagem, além dos agentes de saúde.
Nesse aspecto, a experiência do Bom Parto é bem rica: podem e devem ser escolhidos entre pessoas vivendo ou saindo dessa experiência nas ruas. Ninguém consegue entendê-los melhor que aqueles que já vivenciaram a situação. Mas, são necessárias melhores estruturas de trabalho, redes de informação, formas seguras e ágeis de registro dos atendimentos, número adequado de profissionais e equipes para a demanda hoje existente.
Ainda é preciso maior e mais qualificada integração com os demais pontos da rede de assistência: serviços de urgência/emergência, Centros de Atenção Psicossocial, ambulatórios de especialidades, espaços de retaguarda para casos que necessitem de cuidados intensivos e continuados, “casas de cuidados”, equipamentos adequados para o tratamento de dependência química, centros de qualificação profissional e ofertas de moradia, individual ou em “repúblicas”, sempre caminhando para a restituição da autonomia desses indivíduos e sua plena reinserção social, colhendo toda a riqueza de talentos que têm.
Paulo Celso Nogueira Fontão
Conselheiro fiscal da APM e membro da Câmara Técnica de Medicina de Família do CFM
Publicado na edição 733 – agosto de 2022 da Revista da APM