Nas últimas décadas, presenciamos mudanças importantes na América Latina e na forma como cada país redirecionou sua política externa também em função das alterações de suas sociedades. Ademais das mudanças de liderança nos governos nacionais e, portanto, de reorientação política, a instabilidade econômica influenciou diretamente a agenda de política externa dos países latino-americanos e a percepção do público sobre a prioridade que cada país deveria atribuir à integração e à atuação do Brasil na região.
A repercussão, não apenas do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas das turbulências do seu segundo mandato, refletiu-se em novos posicionamentos e alinhamentos entre os países, sobretudo da América do Sul, onde o projeto de integração regional ganha contornos políticos diferenciados a cada mudança de governo.
A nova realidade, após a conclusão do impeachment, levou a um ajuste nas prioridades da agenda de política externa, buscando retomar a inserção em importantes arenas de negociação, e a aproximação com grandes países. Algumas nações vizinhas manifestaram descontentamento em relação à orientação do novo governo e a como o processo de impedimento foi conduzido. Mas as manifestações não devem resultar em ruptura com o Brasil, dada a importância das relações comerciais mantidas entre os países.
Mas, toda mudança ganha mais legitimidade quando apoiada pela população. E a percepção sobre as ações internacionais do Brasil tem se consolidado neste sentido. Resultados de uma pesquisa recente com as elites e a opinião pública mostram que ainda se espera do Brasil o exercício de um papel de liderança na região. Neste sentido, quase 80% da opinião pública acredita que o Brasil tem um papel de destaque na estabilidade da região, assim como na manutenção da democracia. Além disso, nosso País é elencado por mais de 70% como o que possui mais confiança para ser líder da América Latina.
É interessante notar que essa visão positiva sobre a liderança do Brasil se mantém enquanto ocorre uma fragilização da integração na América do Sul. Desde a sua criação no início dos anos 1990, o Mercosul sofreu altos e baixos, influenciado pelas mudanças da conjuntura internacional, pela alternância de governos e suas respectivas prioridades externas, e também pela dificuldade de visualização de resultados concretos, sobretudo no que se refere à redução de assimetrias dos países envolvidos.
O Mercosul foi perdendo apoio da população nos últimos anos, e todas as respostas atuais indicam uma flexibilização da integração e a discordância sobre a criação de uma moeda comum e a proposta de um Parlamento do Mercosul. A percepção sobre os benefícios da integração se restringe, mas não sobre a liderança regional do Brasil.
As mudanças recentes no cenário político brasileiro indicam um redirecionamento da agenda de política externa, refletindo o rearranjo político doméstico. Resta saber se o Brasil vai conseguir fortalecer a posição de liderança na América Latina. Embora haja apoio da opinião pública, permanecem dúvidas em relação à aderência deste projeto.
JANINA ONUKI é professora associada da USP e pesquisadora do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni)
Por: Janaina Onuki