A responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam

Fechamento de fronteiras. Confinamento. Colapso. Tudo isso provocado por uma doença de contágio rápido que levou a sociedade a testar todos os seus limites. O cenário citado é do romance Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. No livro, a cegueira física era uma metáfora para uma cegueira, digamos, mais profunda.

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Fechamento de fronteiras. Confinamento. Colapso. Tudo isso provocado por uma doença de contágio rápido que levou a sociedade a testar todos os seus limites. O cenário citado é do romance Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. No livro, a cegueira física era uma metáfora para uma cegueira, digamos, mais profunda.

2020. O mundo vive uma das piores crises do século. Com a Covid-19, a adaptação é constante e a incerteza uma companhia nada agradável. O setor de Saúde, naturalmente, foi um dos mais afetados pela pandemia. Não só pela sobrecarga do sistema, mas também pela falta de gestão e de preparo em lidar com esse “novo normal”.

Em março, respiradores e luvas foram confiscados da iniciativa privada. Em uma briga entre Governo Federal, estados e municípios, a indústria ficou em uma verdadeira sinuca de bico. Hospitais privados reclamaram de ordens desencontradas para recolhimento de produtos, inviabilizando atendimento a pacientes e expondo equipes de Saúde à contaminação por falta de EPIs.

Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, do fim de março, divulgou que os governos de pelo menos sete estados, além de diversas prefeituras, editaram atos administrativos para requisitar insumos e produtos como respiradores. Amapá e Recife entraram em embate judicial contra a União para evitar o confisco. A empresa nacional Magnamed chegou a anunciar aos clientes, por meio de ofício, que não teria como entregar respiradores já encomendados, pois o Ministério havia requisitado em “caráter compulsório e imediato” a retenção desses produtos. 

No final de 2020, a bola da vez foram as agulhas e seringas. Por meio de requisição administrativa, o Governo Federal adquiriu 30 milhões de seringas e agulhas das três empresas existentes no País.

A verdade é que o Governo está sendo precavido. É compreensível, ainda mais depois do episódio dos respiradores e recentemente do caos de Manaus. Contudo, as fábricas estão preparadas para suprir o aumento da demanda, mesmo porque o calendário de vacinação segue até 2022 e nossa capacidade produtiva é de 1,2 a 1,5 bilhão de seringas por ano.

Citando Saramago, “o medo cega… são palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos”. É necessário planejamento – e sangue frio, é verdade. Contudo, com diálogo, cronograma e claro, uma boa dose de comprometimento por parte da indústria, conseguiremos atender à demanda e fazer nossa parte para superarmos esse desafio mundial.

Paulo Henrique Fraccaro, superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (ABIMO)