Começamos março, o aclamado mês das mulheres, cujo Dia Internacional das Mulheres – que é comemorado em 8 de março – foi oficializado em 1975, quando reconhecido pela Organização das Nações Unidas – ONU, e se tornou uma ocasião para celebrar os avanços das mulheres na sociedade, na política, no direito e na economia, precedido de lutas pelo direito ao voto (e de serem votadas, em 1946), melhores condições de vida e de trabalho.
O Dia Internacional das Mulheres, além de homenagear as mulheres, é um momento de reflexão a respeito de como a sociedade as trata, tanto no convívio social como no mercado de trabalho, além de lembrar da luta e das conquistas femininas nos campos sociais, políticos, econômicos e em especial aos seus direitos garantidos na legislação brasileira, objetivando combater a violência e a discriminação contra a mulher, como veremos aqui.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso I, um dos artigos mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro, pois institui os principais direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros (e dos estrangeiros residentes no Brasil), assegura que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. A Lei fundamental de 1988 representou grandes progressos na igualdade de direitos e abriu caminho para legislações garantidoras dos direitos das mulheres e voltadas à violação destes.
Sob esse aspecto de igualdade, são imensuráveis os benefícios que a Constituição Federal trouxe às mulheres, fruto de intenso trabalho, em especial de movimentos feministas. Não diferente, também pontuamos pelas conquistas na legislação infraconstitucional no que concerne à criação de inúmeros direitos das mulheres.
Historicamente, as leis brasileiras refletiam uma visão patriarcal, considerando a mulher como propriedade do marido. No Código Civil anterior (de 1916), a mulher era considerada incapaz e ao homem era atribuído o papel de chefe de família. A Constituição Federal de 1934 trouxe uma mudança significativa ao introduzir o voto feminino. O Código Penal de 1940, que vige ainda hoje, ainda persiste um retrocesso ao distinguir “mulheres honestas e não honestas”.
A Constituição Federal de 1988 foi um marco importante ao consagrar a igualdade de direitos entre homens e mulheres. A partir de então, várias leis de proteção à mulher começaram a ser sancionadas.
Neste sentido, destacam-se algumas leis brasileiras que protegem as mulheres e autorizam a concessão de medidas protetivas de urgência em casos de assédio e/ou de violência, lembrando que a violência doméstica não se limita à violência física, podendo ser sexual, psicológica e verbal.
Lei 10.778/2003 – Lei da Notificação Compulsória dos casos de violência contra as mulheres que forem atendidos em serviço de saúde pública ou privada.
Esta lei obriga os estabelecimentos de saúde a comunicarem, obrigatoriamente, às autoridades de saúde e policiais, no prazo de 24 horas, os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher, sendo que entende-se por violência contra a mulher – seja ela física, sexual e psicológica – qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade étnica, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público quanto no privado.
A inobservância das obrigações desta Lei constitui infração da legislação referente à saúde pública, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha – tem o objetivo de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher de forma a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, através de medidas protetivas.
Esta lei não tem apenas caráter punitivo, ainda que sejam previstas punições, além disso, visa coibir a violência doméstica, de forma restaurativa:
Art. 2º – Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Em consulta ao site do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, há informação no “Painel de Monitoramento das Medidas Protetivas de Urgência da Lei Maria da Penha”, atualizado até 24/02/2024, que foram concedidas pelos Tribunais de Justiça dos Estados Brasileiros 2.098.776 decisões de medida protetiva no País.
Muitas mulheres em situação de violência doméstica podem conhecer a Lei Maria da Penha, mas não sabem como buscar ajuda. Assim, cita-se alguns órgãos que funcionam como rede de apoio: Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher; Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher – DDM; e outros serviços públicos para mulher que variam em cada estado. Especificamente, no estado de São Paulo, basta acessar o site do Governo do Estado para obter informações sobre os serviços públicos para mulher: https://www.sosmulher.sp.gov.br/.
Sobre medidas protetivas, a Lei nº 14.550/2023 acrescentou um artigo à Lei Maria da Penha. A nova norma determina que as medidas protetivas de urgência sejam concedidas a partir de depoimento a autoridade policial, independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento da ação penal ou cível, da existência de inquérito ou registro de boletim de ocorrência. Ou seja, a vítima poderá procurar a autoridade policial ou judicial, sem precisar ingressar com processo! É um progresso efetivo na proteção às vítimas. A Lei também diz que não há prazo para a vigência da medida que afasta o agressor da vítima.
Assim como a Constituição Federal impõe a igualdade de direitos entre homens e mulheres, a Lei Maria da Penha é, sem dúvida, um dos grandes marcos no que diz respeito às leis de proteção às mulheres, pois reforça a necessidade da proteção da mulher e do combate à violência sofrida no âmbito familiar e doméstico, ao passo que a recente Lei (nº 14.550/23) desburocratiza o acesso à Justiça!
Lei nº 12.737/2012 – popularmente conhecida como Lei Carolina Dieckmann – tornou crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares.
A norma ganhou vida a partir da repercussão do que aconteceu com a atriz Carolina Dieckmann, que teve seu computador pessoal invadido e 36 fotos intimas divulgadas em rede sociais, após ela não ceder à extorsão dos criminosos.
A Lei dispõe sobre o ato de violar um dispositivo particular com intuito de adulterar, obter ou destruir informações e dados sem autorização do titular deste, considerando crime a divulgação do conteúdo obtido de forma ilegal sem autorização do titular daquele dado, a fim de obter benefício financeiro próprio ou para outrem.
Lei nº 13.718/2018 – conhecida como Lei Rose Leonel – criminaliza a divulgação/compartilhamento de imagens íntimas sem autorização, com agravamento da pena caso o autor mantenha ou mantivera relação íntima de afeto com a vítima ou se o ato for por vingança ou humilhação. É o que acontece na chamada “pornografia de vingança”.
Nesta seara do mundo virtual, é comum nos depararmos com notícias de divulgação de imagens íntimas sem consentimento da pessoa, e a maioria das vítimas são mulheres, apesar de que os homens também podem ser vítimas. Em muitos desses casos, a mulher autoriza o conteúdo, a gravação, a foto do seu corpo a uma única pessoa, mas ela não autoriza esse compartilhamento. E o crime se configura justamente nesta situação, quando a pessoa decide compartilhar e divulgar as mensagens, fotos ou vídeos recebidos de modo privado.
Tal exposição gera dores reais às vítimas e afeta a autoestima da mulher, assim como a coloca em situação de maior vulnerabilidade, resultando em situações de isolamento, depressão, crises de pânico e ansiedade. Neste sentido, a orientação jurídica para as vítimas é buscar as medidas cabíveis, com aconselhamento jurídico e também psicológico.
Estes casos raramente chegam à Justiça, por conta do constrangimento e do risco que a denúncia traz para a mulher. Mas é preciso denunciar e mudar esta realidade.
A ONU, por exemplo, estima que 95% de todos os comportamentos agressivos e difamantes na internet tenham mulheres como alvos. Além disso, 1 em cada 5 mulheres que se utilizam da internet vivem em países em que abusos relacionados ao gênero não costumam ser punidos, e 65% das vítimas preferem não denunciar a ciberviolência por medo de represálias sociais. Ainda, 74% dos países não adotam medidas apropriadas por meio de tribunais e forças policiais (https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/violencia-de-genero-nainternet/).
Lei nº 12.845/2013 – popularmente conhecida como Lei do Minuto Seguinte – dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Logo, oferece algumas garantias a vítimas de violência sexual, como atendimento imediato pelo Sistema Único de Saúde – SUS, amparo médico, psicológico e social, exames preventivos e o fornecimento de informações sobre os direitos legais das vítimas.
Lei nº 12.650/20155 – popularmente conhecida como Lei Joana Maranhão – alterou os prazos quanto à prescrição (prazo) contra abusos sexuais cometidos contra crianças e adolescentes, de forma que a prescrição só passou a valer após a vítima completar 18 anos, e o prazo para denúncia aumentou para 20 anos.
Lei nº 13.104/2015 – Lei do Feminicídio – que alterou o Código Penal para incluir a modalidade de feminicídio dentro da categoria de homicídios qualificados (artigo 121, §2º, CP), a saber: “VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.” E, também para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos (artigo 1º da lei de crimes hediondos).
Igualmente, a lei incluiu um novo parágrafo ao artigo 121:
“§ 2º – A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
- Violência doméstica e familiar;
- menosprezo ou discriminação à condição de mulher.”
Ainda, há previsão de aumento de pena no parágrafo 7º:
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
- – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
- – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
- – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.”
Quando uma mulher é morta em decorrência de violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher, fica caracterizado o feminicídio, sendo considerado um crime hediondo em que a pena é de reclusão, de 12 a 30 anos.
Vale ressalvar que a jurisprudência dos nossos tribunais vem entendendo pelo reconhecimento das qualificadoras (aumento da pena) do motivo torpe e do feminicídio, com fundamento que a primeira tem natureza subjetiva e a segunda objetiva (Informativo 625 do Superior Tribunal de Justiça – STJ).
Neste contexto, importante frisar que até recentemente (pasmem!!), mais precisamente agosto de 2023, era corriqueira a utilização (machista, arcaica e misógina) de tese da “legítima defesa da honra” por acusados de feminicídios ou agressões contra mulher para justificar o comportamento do acusado. O argumento era de que o assassinato ou a agressão eram aceitáveis quando a conduta da vítima supostamente ferisse a honra do agressor.
Por unanimidade dos votos, o Supremo Tribunal Federal – STF declarou inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres. O julgamento do mérito da matéria foi objeto de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 779, de modo que foi excluído do instituto da legítima defesa (que exclui a ilicitude do ato) a legítima defesa da honra que, por consequência, a defesa, a acusação, a autoridade policial e o juízo não podem utilizar, direta ou indiretamente, qualquer argumento que induza à tese pré-processual ou processual penal nem durante o julgamento do Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.
ADPF MC nº 779: legítima defesa da honra e igualdade de gênero. Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de medida cautelar, na qual se objetivou o afastamento da tese jurídica da legítima defesa da honra, com base em interpretação conforme à Constituição dos artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e do artigo 65 do Código de Processo Penal. Na decisão, avaliou-se que a “legitima defesa da honra” não consiste tecnicamente em uma legítima defesa, porém é frequentemente utilizada para justificar ataques desproporcionais, covardes e criminosos a mulheres. Nessa toada, entendeu-se que a tese viola a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e à igualdade entre homens e mulheres e contribui para a naturalização e perpetuação da violência contra a mulher. Diante disso, concedeu-se parcialmente a medida cautelar.
Lei nº 14.192/2021 – atualiza o Código Eleitoral brasileiro para tipificar como crime eleitoral a violência política contra as mulheres.
Com a mudança, passou a ser crime “Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.” Pena de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa, sendo majorada a pena em 1/3 se for cometido contra gestantes, mulheres com deficiência ou idosas.
Também consta que os partidos políticos incluam em suas regras mecanismos de combate à violência política contra a mulher.
Lei nº 14.737/2023 – alterou a Lei Orgânica da Saúde para ampliar o direito da mulher de ter acompanhante nos atendimentos realizados em serviços de saúde públicos e privados.
Referida Lei se fez necessária considerando as inaceitáveis notícias de abusos e violências às mulheres durante procedimentos de saúde em geral. Assim, toda mulher tem direito a ter acompanhante em qualquer procedimento, exames ou consultas médicas, independentemente de notificação prévia, sendo que no caso de atendimento que envolva qualquer tipo de sedação ou rebaixamento do nível de consciência, caso a paciente não indique acompanhante, a unidade de saúde responsável pelo atendimento indicará pessoa para acompanhá-la, preferencialmente profissional de saúde do sexo feminino, sem custo adicional para o paciente.
Apenas em caso de procedimento cirúrgico em que o corpo clínico indique que pode haver risco à saúde ou à segurança dos pacientes, pode ser exigido que o acompanhante seja um profissional de saúde.
As Unidades de Saúde são obrigadas a manter, em local visível de suas dependências, aviso que informe sobre este direito.
Lei nº 17.621/2023 e Lei nº 17.635/2023 – O estado de São Paulo adotou Lei que obriga bares, restaurantes, casas noturnas e de eventos a adotar medidas de auxílio às mulheres que se sintam em situação de risco, assim como torna obrigatória a capacitação dos funcionários de bares, restaurantes, boates, clubes noturnos e casas de espetáculos e congêneres, de modo a habilitá-los a identificar e combater o assédio sexual e a cultura do estupro praticado contra as mulheres.
Portanto, a meu ver, há a necessidade de ações duradouras de conscientização, com canais de denúncia, campanhas, divulgação dos direitos e combate à violência contra a mulher.
E finalizo o presente artigo, que retrata um amplo e vasto cenário dos direitos das mulheres na legislação brasileira, com o questionamento de Simone de Beauvoir, o que é ser mulher? Essa pergunta continua sendo uma pergunta atual, que deve ser feita por todos nós, afinal, ser mulher não é tão simples como pode parecer e a experiência feminina é profunda, dinâmica e individual!
Francine Curtolo
Assessoria Jurídica da APM
OAB/SP nº 185.480