Presidente da APM dá entrevista à imprensa sobre os 90 anos da entidade

Na última segunda-feira, 30 de novembro, José Luiz Gomes do Amaral esteve nos estúdios do canal ComBrasil para falar dos 90 anos da Associação Paulista de Medicina, comemorados no último dia 29

APM na imprensa

Na última segunda-feira, 30 de novembro, José Luiz Gomes do Amaral esteve nos estúdios do canal ComBrasil para falar dos 90 anos da Associação Paulista de Medicina, comemorados no último dia 29. Ele participou do programa ComBrasil Debate, conduzido pelo jornalista Fernando Trezza. Confira aqui o vídeo na íntegra e os principais trechos da entrevista transcritos abaixo:

ComBrasil: Temos a satisfação de receber no ComBrasil o Dr. José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM. É uma alegria recebê-lo.

José Luiz Gomes do Amaral: Muitíssimo obrigado. É um grande prazer estar aqui com você e me dirigir aos espectadores da ComBrasil.

CB: Sei que estamos vivendo os 90 anos da APM e vamos falar sobre isso, mas queria lhe perguntar como estão enfrentando a questão da pandemia em relação àquilo que vocês têm falado para as autoridades e para o poder público. Vivendo essa pandemia, como foi postura da APM? Imagino que o enfrentamento ao coronavírus é coletivo.
JLGA: Certamente. Quando esse problema eclodiu, nós tínhamos cada um uma percepção pessoal dos fatos. Mas representando os médicos do estado de São Paulo, que reúne um terço dos médicos do País, seria muito importante que nós os ouvíssemos antes de nos manifestarmos em nome deles. Então, iniciamos uma série de pesquisas para entendermos bem qual era a percepção dos médicos do momento que estavam vivendo. Foram pesquisas relativamente extensas e já as repetimos três vezes. Até com a ideia de acompanhar a evolução da percepção. Tem sido muito interessante. Nos dá certa segurança para falar em nome dos médicos sobre o que eles entendem sobre a gravidade do problema. Quais são as medidas que têm se mostrado eficazes no enfrentamento da Covid-19, quais as expectativas com relação ao desenvolvimento de novas opções para o tratamento e prevenção da Covid-19, como a doença afeta o sistema de Saúde e tantas outras questões. Fomos surpreendidos com isso e [pensamos]: “E agora, como fazer?”. E a monitorização da reação da comunidade médica com relação a esse problema tem sido a tônica. Talvez o ponto central da atividade da APM neste momento.

CB: E tivemos 90 anos da APM. Queria que falasse um pouco a respeito dessa história da entidade.
JLGA: A APM surgiu na década de 1930. Se nós hoje estamos enfrentando situação difícil no mundo inteiro, a década de 1930 também foi muito complicada em vários lugares do mundo. Em particular no Brasil e em São Paulo. Vivemos revoluções e guerras civis neste período. São Paulo sofreu demais em função dessa instabilidade política e social da época. Apesar de tantas dificuldades, médicos sentiram a necessidade de se reunirem em prol do melhor exercício da profissão. O que tínhamos na época era a Academia de Medicina de São Paulo – que tenho privilégio também de presidir, coincidentemente, neste momento – uma agremiação de número restrito de cadeiras. Aí Alberto Nupieri resolveu reunir lideranças médicas da época e abrir uma sociedade para todos os médicos que nela tivessem interesse de participar. Chamou-se APM. Sua sede inicial foi no edifício da então Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, que deu origem à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Nos primeiros dois anos na Rua Brigadeiro Tobias é que tivemos a sede da APM. Depois, ela se mudou para o prédio mais famoso de São Paulo: o edifício Martinelli, símbolo da pujança do estado. Ficamos alojados no 13º andar cerca de uma década. Na década de 1940, a APM mudou-se do Martinelli para a Brigadeiro Luís Antônio. Mas não para onde está hoje, no 278. Mudou-se um pouco mais para cima, em um prédio menor, o edifício Julia Baldassarri, pegado ao [que é hoje o] Teatro Renault. A Diretoria da Associação não estava conformada com aquilo, pois entendia que o número de médicos de São Paulo permitia que se tivesse um edifício de proporções maiores. Aí, conseguiu-se um terreno e, com recursos próprios, construiu um edifício, hoje com 14 andares, na Brigadeiro Luís Antônio, 278, mais abaixo. Fico imaginando que naquela época os diretores olhavam pela janela, não devia ter tantos fios e poluição visual, olhavam o terreno ali embaixo, quase na esquina com a Rua Maria Paula, e ficavam imaginando como seria a futura sede. E eles ergueram essa sede na década de 1950. Já estavam organizando o seu terceiro congresso, que reuniu mais de mil médicos. Um congresso que deu origem à Associação Médica Brasileira. Vieram médicos de outros estados.

CB: Como funciona a organização da entidade?
JLGA: Vou dar uma ideia geral sobre a distribuição deles. Aproximadamente metade [dos 30 mil associados da APM] está na capital e outra metade no interior e litoral. Temos 75 Regionais. Destas, devemos ter 45 com sede própria. Existe conjunto e patrimônio imobiliário importante no estado de São Paulo inteiro. Várias Regionais, além da sede social, têm áreas de lazer e sedes de campo. E todas essas Associações têm suas diretorias e estatutos próprios, mas subordinados ao estatuto central da APM Estadual. Buscamos, a partir de um sistema sólido, muito consistente de governança, ter representação em todo o estado. Não poderíamos cogitar deixar algum espaço de São Paulo descoberto. Essas 75 Regionais se agrupam em 14 Distritais. São 14 distritos que fazem parte da Diretoria da APM. E nos reunimos. Antigamente quinzenalmente. Depois da pandemia, pensamos como fazer para manter esse ritmo de reuniões e deliberações. E aí foi grande a satisfação que tivemos ao ver que as reuniões passaram a ser feitas a distância, com grande eficiência, gastando menos tempo e gasolina, com risco praticamente nenhum. A eficiência está sendo muito grande. E a frequência praticamente total com quase todos os diretores. Claro que temos, além dos assuntos da rotina da administração da Associação, que discutir o enfrentamento da Covid-19 e a manutenção do sistema de saúde que está sendo duramente atingido por essa situação

CB: Queria perguntar sobre a interlocução da entidade com o Parlamento e com os Poderes Executivos no sentido de formular políticas públicas.
JLGA: Temos contato muito frequente com o Executivo, com secretários de Saúde, com governadores e prefeitos. Isso faz parte da rotina da APM. Então, esse contato é direto. No caso da APM, [o contato] é com o Governo de São Paulo e com a Prefeitura de São Paulo. Nasvárias cidades do estado, que estão representadas nas nossas Regionais, as Diretorias têm contato contínuo com o Executivo local. Além disso, a APM sempre é procurada para indicar representantes para os conselhos de saúde. Sejam os conselhos municipais, sejam estaduais. E a gente se faz representar sempre lá, pois é nosso dever colaborar nesse sentido. Também é nosso dever buscar interlocução entre o conjunto da classe médica e os gestores de Saúde. E propor-lhes projetos, oferecer críticas, sugestões e assim por diante. Em função do fato de sermos afiliados à AMB, nós também buscamos desenvolver atividades junto ao Governo Federal, ao Ministério da Saúde, aos deputados e aos senadores.

CB: Lembro que, no passado, quando meu pai médico era vivo, ele era clínico geral e depois tinha especialização em Ginecologia e Obstetrícia. Assim como ele, a geração anterior era tida como aquela de médicos generalistas. Cuidava desde a unha encravada até um problema mais grave, como um tumor. Depois vieram sociedades de especialização. Nesse sentido, queria perguntar: como o senhor vê esse fracionamento do cuidado da Saúde por especialidades?
JLGA: Isso faz parte da evolução, do progresso científico. À medida que você acaba conhecendo mais sobre determinado assunto, a tendência é que você se aprofunde nele. Isso é bom, você acaba conhecendo mais de uma área menor. Mas é necessário que haja também alguém que se preocupe em explorar melhor as interfaces. Então, enquanto o especialista busca muito corretamente aprofundar seu conhecimento naquele campo que ele elegeu para desenvolver-se, que haja outro grupo de médicos que busquem entender as interfaces. E nas interfaces também vamos encontrar muito progresso. Tirar experiência de outra área e trazer para a sua é muito importante. Hoje, você não pode imaginar tratar um paciente – voltando ao tema da Covid-19 – [sem reunir] infectologistas, intensivistas, pneumologistas, pois o problema respiratório é grave, os hematologistas, pois os problemas de coagulação são bastante relevantes, e até outros profissionais de Saúde. Então, é necessário trabalhar de maneira mais integral e coordenada. A APM explora muito esse lado de interface. Hoje, no Brasil, temos 55 especialidades médicas reconhecidas. Na APM, temos os departamentos científicos, representações das especialidades em São Paulo, e trabalhamos com a interface delas.

CB: Queria que contasse um pouco a respeito da área cultural da APM. É restrita aos médicos ou aberta à sociedade?
JLGA: A APM vive em uma filosofia de abertura à sociedade. Temos, em primeiro lugar, que colocar sobre a mesa o Código de Ética Médica. O código tem, entre seus princípios fundamentais, que o interesse da população e dos pacientes é o nosso primeiro interesse. E isso tem que se refletir em todas nossas ações. Portanto, a APM tem que ter portas abertas para a sociedade. A sociedade abre a porta aos médicos e nos confia sua saúde. E precisamos retribuir isso. Então, para qualquer tipo de atividade, a APM tem portas abertas à sociedade. Para informar sobre questões de saúde, mas também para compartilhar aquilo que nós eventualmente venhamos a desenvolver. Vou contar algumas histórias que são até pitorescas sobre o assunto. Muito frequentemente, você vai encontrar médicos que gostam de escrever, médicos escritores. E médicos que gostam de música e de compor. Temos o Noel Rosa, alguém que vale a pena sempre lembrar. O Paulo Vanzolini, médico brilhante, pesquisador fantástico e compositor que nos deixou lembrança inesquecível. E, então, na década de 1990, tínhamos na APM um peso muito grande na literatura. Me lembro, quando comecei a trabalhar na gestão da Associação, era muito forte a produção literária entre os médicos. Tínhamos um Suplemento Cultural, que existe ainda hoje, nunca parou de ser editado, que refletia muito bem isso. Mas, na época, tivemos um diretor Cultural, Ademar Tozzi, psiquiatra que gostava muito de pintura. Tinha senso estético grande, mas não era estudioso de artes plásticas. E um dia ele estava passeando pela Associação e viu que nas paredes havia quadros muito interessantes. E pediu para uma amiga que conhecia bem pintura para que analisasse aquilo. Ela alertou: ‘Olha, temos quadros que valem mais do que edifícios. Tem que atentar para não deixar esses quadros soltos pela parede, no saguão’.

CB: Quais?
JLGA: Tarsila do Amaral, Volpi, Di Cavalcanti, Aldemir Martins, Anita Malfatti, Lasar Segall etc.

CB: Eram presentes que a entidade recebia?
JLGA: Não. Quando se construiu o prédio na Brigadeiro, havia diretores que tinham interesse especial na pintura. E Ernesto Mendes era um deles. Ele resolveu contribuir para a APM recolhendo entre os pintores conhecidos dele obras mais representativas. Alguns quadros foram comprados, alguns foram doações de pintores ou outros colegas. Há quadros que foram até pagamento de consultas. Cada quadro tem uma história diferente. Mas são muito significativos. E nós tivemos na exposição da Tarsila do Amaral o nosso “A Procissão”, com lugar de destaque grande no MASP.

CB: Você está falando dos quadros. Nessa questão artística tem também área para cinéfilos?
JLGA: Tem. No cinema temos dois programas. O ‘Chá com Cinema’ é dedicado à 3ª idade, aberto para a sociedade. Temos auditório de quase 200 lugares e fazemos uma projeção. Como ingresso, normalmente são recolhidos alimentos para alguma entidade. Já o ‘Cine Debate’ foi uma ideia do Wimer Bottura, que é um psiquiatra muito ativo na APM. Ele teve a ideia de organizar debates sobre filmes. Você tem lá o ‘Mãos Talentosas’, aí vai lá um neurocirurgião, pois o filme versa sobre um neurocirurgião, e um especialista em cinema, que debatem o filme. Quando veio a pandemia, pensamos: ‘E agora? Como vamos fazer?’. Pois passávamos o filme no nosso auditório. Um dia, acordamos e pensamos por que não fazermos [virtualmente]? Os filmes estão disponíveis na nuvem e então avisamos: vamos debater ‘Casablanca’ em tal dia, a turma assiste na semana e participa do debate.

CB: Isso aumentou a frequência?
JLGA: Muito. Os debates estão muito interessantes. E teve uma vez que estávamos na APM. Na década de 1990, e comecei a procurar um piano na Associação. Brincava que a APM tinha que ter um, pois minha mãe dizia quando eu era criança que uma casa que não tinha um piano não tinha alma. O pensamento que estava por trás era que precisávamos ter uma programação musical regular. Quem nos ajudou muitíssimo nessa empreitada foi uma professora de piano muito dedicada, Mercedes Mattar, irmã do pianista maravilhoso Pedrinho Mattar e mãe do Derico, saxofonista do Jô Soares. A Mercedes nos ajudou a organizar um programa chamado “Música em Pauta”. Objetivo era reunir intérpretes brasileiros de música erudita ali. E, em um desses programas, uma colega se queixou: ‘Estou encantada. Mas e os colegas nos hospitais trabalhando? Como gostariam de estar aqui ouvindo isso’. Daí surgiu a ideia: ‘Por que não levamos para os hospitais, então?’. Eles não vão poder vir aqui, estão trabalhando, mas podemos levar os músicos e a orquestra para os hospitais. Já há 15 anos que temos o programa “Música nos Hospitais”. Uma vez a cada mês, escolhemos um hospital e propomos a eles. Temos lá um concerto, que une muitas coisas. Une vontade de oferecer um pouco de música ao colega que não pode sair. E oferece música ao paciente, aos familiares do paciente e aos demais profissionais de Saúde e colaboradores que estão trabalhando. Maneira de tornar ainda mais humana a atividade médica.

CB: Entre as atividades que a APM oferece para os associados e familiares, também está o Clube de Campo? Eu frequentava a tradicionalíssima Festa Junina. Queria que contasse um pouco sobre o que é essa estrutura de lazer, que inclui equitação, tênis e, na minha época, até uma pista de bicicross.
JLGA: A pista não temos mais. Mas posso lhe dizer que a hípica vai muito bem. [Temos um] conjunto aquático muito bom e agora as piscinas são aquecidas. A Serra da Cantareira em junho era fora de cogitação. Hoje é possível. Nós temos dois campos de futebol profissionais. Para nenhum time botar defeito. Temos quadras de tênis bem conservadas. Temos conjunto de chalés e suítes, que acomoda mais de 20 famílias. Tem restaurante. Um número bastante grande de quiosques com churrasqueiras, para o pessoal reunir a família. O que dá para fazer no momento de pandemia, já que as pessoas ficam isoladas com bastante distanciamento. O Clube tem 60 alqueires.

CB: Gostaria que falasse um pouco para o telespectador nos acompanhando: como se associar?
JLGA: Pode ir à entidade, na Brigadeiro Luís Antônio, 278. Ou pode procurar acesso no www.apm.org.br. Lá tem todas as informações, tem telefone e entraremos em contato. É necessário que seja um médico registrado regularmente no CRM. Pode ser no estado de São Paulo, como quase todos são, mas podem ser de outros estados e serem associados correspondentes da APM. A Associação está trabalhando intensamente em educação continuada, em possibilidades de qualificação e desenvolvimento profissional contínuo dos médicos. Mais do que nunca, a velocidade da evolução do conhecimento faz necessário que nós nos mantenhamos dentro da validade. Hoje, nós temos progresso brutal. Se você quiser ler os artigos que são publicados sobre Covid-19, terá dois mil por dia. Não é possível que você se mantenha atualizado para um problema. Então, é necessário que alguém reúna tudo isso, organize e destile dali o que é essencial e transmita. Então, iniciativas em educação, tanto presenciais quanto a distância, fazem parte do dia a dia da APM.

CB: Quais são os grandes desafios da APM para o futuro? Estamos comemorando 90 anos e daqui 10 anos será o primeiro centenário da entidade. Como você imagina enxergar a APM do alto dos seus 100 anos?
JLGA: Temos que manter a sua jovialidade. Então, ela precisa estar aberta para o progresso, para o desenvolvimento e para aquilo que de melhor tivermos para oferecer para a sociedade. Esse é um grande desafio. Nos mantermos atualizados, isso é fundamental.

CB: Há uma pergunta do telespectador Miro Mota. O senhor acredita que podemos entrar em uma segunda onda [de Covid-19]? Ou ainda é rescaldo da primeira? Recomendação é de cautela, não é?
JLGA: Corretíssimo. Estamos vivendo sim uma recrudescência do contágio. Havíamos sentido uma redução em um primeiro momento, e isso é bem expressivo, no número de casos da pandemia. E de mortes também. Mas, nas últimas semanas, vimos que isso realmente vem se agravando e não apenas no estado de São Paulo, mas no Brasil e no mundo. Se nós queremos um futuro melhor, celebrar mesmo 100 anos e estarmos todos bem lá, precisamos fazer exatamente isso: distanciamento, máscara e nada de aglomeração. Temos que evitar o encontro com o vírus. Mas isso não depende apenas de nós. E que, se o encontrarmos, que nos encontre preparados.