Abertura e Gestão de uma Clínica Médica

Como qualquer empresa, é necessário que as empresas médicas operem com lucro, permitindo a subsistência de seu proprietário e a sua perenidade

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A gestão de uma clínica ou consultório é sempre um grande desafio. É preocupante a divulgação dos resultados de um estudo realizado pelo Sebrae, em 2022, apontando que 60% das clínicas médicas abertas fecham as suas portas em menos de cinco anos, e que desse número, o motivo principal do encerramento (54%) se dá em razão de má gestão.

A grande reflexão que este estudo nos obriga é que a sobrevivência de uma clínica deve estar alicerçada fundamentalmente nos bons princípios de gestão empresarial. Apesar de ser uma atividade voltada à prestação de serviços de Saúde, as obrigações administrativas, contábeis e legais são até mais complexas que aquelas de outras áreas ou serviços.

Por mais que alguns profissionais de Saúde sejam extremamente qualificados em suas áreas de atuação, nem todos têm o mesmo predicado para lidar com questões de gestão administrativa. Verificamos que, quando esse profissional resolve empreender abrindo uma clínica médica, muitas vezes desconsidera os princípios básicos de gestão, confundindo, por exemplo e comumente, as receitas e despesas pessoais com aquelas da sua empresa.

Esta é uma triste realidade, mais comum do que se pode imaginar, e que poderá levar à necessidade fechar as portas. Sabemos que existe um déficit na formação médica, que não aborda questões voltadas à administração e gestão empresarial de um eventual negócio que o médico venha a abrir.

Também é notória a situação na qual o médico destina quase todo o seu tempo para assistir os pacientes, relegando a gestão de seu negócio a um segundo plano. Caso optem por abrir uma empresa, é inegável a necessidade de profissionalização dos médicos como gestores. São diversos os cursos, pós-graduações, MBAs etc. que o mercado oferece como possibilidade de capacitação em Gestão Empresarial. Uma alternativa à necessidade de realizar esta capacitação seria a contratação de profissionais específicos para estas atividades.

Temos que sempre lembrar que, como qualquer empresa, é necessário que as empresas médicas operem com lucro, permitindo a subsistência de seu proprietário e a sua perenidade institucional. Para que isso ocorra, deverão sempre manter o foco em buscar alternativas para melhorar a sua eficiência administrativa e financeira.

Passos iniciais
Para quem vai começar a empreender, é necessário ter a compreensão de que a implantação de uma empresa médica tem três pilares essenciais, que cito a seguir de forma simplificada:

1. Necessidade de análise mercadológica

    Esta é uma ação principal e vital que deve anteceder qualquer abertura da empresa. É preciso avaliar se existe espaço para a inserção das atividades que serão desenvolvidas na região onde se pretende estabelecer. Em caso afirmativo, analisar o potencial de receitas que poderão ser geradas (por exemplo: contatar e ofertar serviços a fontes pagadoras – operadoras de planos saúde), qual o público-alvo a ser atingido e a definição dos diferenciais que poderá ofertar em relação aos possíveis concorrentes, entre outros.

    Uma ferramenta técnica que poderá ser utilizada chama-se análise SWOT. A sigla é referente às palavras em inglês “strengths” (forças), “weaknesses” (fraquezas), “opportunities” (oportunidades) e “threats” (ameaças). Como “forças”, destacamos os pontos fortes da empresa ou serviço que serão prestados, quais as vantagens que poderemos oferecer, o que nos diferenciamos dos demais no ramo e qual o potencial. Como “fraquezas”, os pontos fracos, que poderão inclusive trazer problemas. Como “oportunidades”, os pontos externos positivos que favorecerão o engajamento ao negócio. E, por fim, “ameaças”, nas quais devem ser pensados quem são os concorrentes ou fatores externos que podem interferir no sucesso.

    2. Estudo do local para estabelecimento da empresa

    Não se trata somente de encontrar local que tenha visibilidade comercial ou de conforto das instalações, mas considerar em especial as questões das facilidades de acesso aos futuros pacientes. Neste quesito, devem ser tabulados e precificados os investimentos (adequações e reformas, mobiliários e equipamentos específicos) e se não existirá impeditivos formais (vigilância sanitária, por exemplo) para a instalação de uma unidade de Saúde.

    3. Fazer análise das perspectivas de payback

    O payback é um indicador financeiro que calcula o tempo necessário para recuperar o dinheiro investido em um projeto. Aqui, não se trata somente do valor nominal investido, mas também deve ser considerado que, em um primeiro momento, haverá um investimento de tempo de trabalho profissional (médico e do pessoal de apoio – secretárias, enfermeiras etc.) sem retorno financeiro. Deve ser considerado um montante real, para que não haja eventuais desestímulos dos participantes neste momento inicial.

    Abertura e registro da empresa
    Vencidos os três passos “iniciais”, entrarão em cena as questões normativas técnicas, legais, trabalhistas e tributárias para a constituição da empresa. Aqui, sugere-se contar com uma boa assessoria jurídica e contábil, pois citamos somente alguns dos diversos itens que deverão ser formalizados:

    1. Elaboração de Contrato Social da Empresa
    2. Definição em qual Regime Tributário estará sujeita (lucro presumido, MEI, simples etc.)
    3. Registros da empresa na Junta Comercial, CRM e CNES (Cadastro Nacional de Entidades de Saúde)
    4. Definição de quais códigos CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) poderá atuar
    5. Laudos e Certidões normativos exigidos (Vigilância Sanitária, AVCB – Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros e outros)
    6. Outros documentos formais exigíveis

    Antes do início das atividades formais
    É importante que sejam realizados alguns passos prévios à “abertura das portas” para a operação.

    1. Seleção, Capacitação e Treinamento

      O processo seletivo da equipe deve ser conduzido de forma técnica, evitando que influências externas (indicações por vínculos sociais ou pessoal) possam interferir. Além da análise do currículo de formação, devem ser consideradas a experiência e os projetos anteriores desenvolvidos e serem abordados em especial as capacidades pessoais.

      Toda a equipe selecionada deverá ser capacitada e compreender todos os processos administrativos da empresa, por exemplo: agendamento de consultas, registros de pacientes, faturamento e controle de estoque. Aqui, não se trata somente de capacitação daqueles que atuarão diretamente no atendimento ao cliente, mas de toda a equipe administrativa, de apoio e assistencial.

      Todos deverão ter uma visão e linguagem uníssona com relação à empresa da qual participam. As grandes empresas denominam este processo como “período de integração”, os novos funcionários têm uma visão macro da empresa em que iniciaram suas atividades. Em paralelo, também deverão ser treinados para o exercício das suas funções específicas.

      2. Investimentos e aquisições de mobiliários e equipamentos

      Os investimentos em adequações do espaço físico, a aquisição de mobiliários e equipamentos de informática e softwares de gestão (agendamento, prontuário eletrônico e controles de estoque e financeiros) deverão seguir o que foi definido nos primeiros passos anteriores à própria abertura da empresa.

      Comumente, se verifica que no início das atividades os valores utilizados são extrapolados, levando a necessidades de imensos esforços para readequar os resultados pretendidos. Neste ponto, será necessária a atuação de uma gestão financeira sólida, evitando possíveis desvios.

      3. Estabelecimento de vínculo e contratualização com parceiros

      Anteriormente ao início das atividades, deve-se buscar estabelecimento comercial (contratualização) com parceiros. Para isso, é fundamental a negociação do escopo de quais serão os serviços prestados e das suas tabelas de remuneração.

      Apesar de muitos futuros parceiros comerciais preferirem aguardar o início das atividades da empresa para depois efetivar a contratualização, podem ser formalizados acordos pré-contratuais. Isto propiciará segurança de receitas futuras.

      4. Marketing e divulgação

      Estas atividades também devem ser conduzidas de forma prévia ao início das atividades. Importante o respeito às Normas Éticas bem definidas no Manual de Publicidade Médica do Conselho Federal de Medicina.

      Salvo o empreendedor tenha a expertise em publicidade e marketing, também é aconselhável a contratação de empresas especializadas nestas atividades.

      Mecanismos de gestão administrativa
      Após o início das atividades, torna-se necessária a adoção de diversos mecanismos consagrados de acompanhamento de gestão. Estes, inclusive, permitirão a correção de rumo da empresa diante dos resultados obtidos.

      Alguns pontos que destaco: Como fidelizar o cliente? Como aumentar as receitas? O que é jornada do paciente em uma clínica e como a gestão eficiente pode torná-la mais eficiente?. Estas questões ficarão para futuras exposições.

      Marcos Eurípedes Pimenta (CRM-SP 45.313 | RQE-SP 116.642 – Ginecologia e Obstetrícia), assessor da Diretoria da APM