Impelidas pelas transformações da mudança climática, muitas espécies de mamíferos terão suas áreas de habitat modificadas, provocando encontros entre animais que não vivem juntos na natureza.
Essa convivência forçada, estima um novo estudo, abrirá cerca de 15 mil oportunidades para que vírus sejam transmitidos entre uma espécie e outra nos próximos 50 anos, elevando o risco de um deles saltar para humanos.
Em estudo publicado ontem na revista Nature, um grupo internacional de cientistas apresentou os resultados do trabalho, feito a partir de uma simulação liderada pela Universidade de Georgetown, em Washington (EUA). O cenário traçado, que levou em consideração um aquecimento mundial de 2°C em relação à era pré-industrial, identificou a África tropical e o Sudeste Asiático como as regiões de maior risco.
O tipo de evento mapeado no estudo é o que os epidemiologistas chamam de “spillover” (transbordamento), a transmissão de um patógeno de uma espécie de animal para outra. Esse contágio aumenta as chances de que animais mais próximos de humanos passem a carregar novos vírus e desencadeie em novas pandemias.
“Prevemos que as espécies de mamíferos vão se agrupar em novas combinações em áreas mais elevadas, em hotspots de biodiversidade e em áreas com grande densidade populacional na Ásia e na África, causando aproximadamente 4.000 novas transmissões de vírus entre espécies”, escreveram no estudo os pesquisadores, liderados pelo biólogo Colin Carlson.
Eventos de “spillover” envolvendo animais silvestres ou domesticados estão por trás de muitas epidemias importantes na história da medicina, incluindo a da Gripe Espanhola, de 1918, provavelmente originária de aves aquáticas. Nem sempre esses vírus tomam via direta até infectar humanos, por isso a convivência desses outros animais com mamíferos é problemática, pois animais evolutivamente mais próximos são em geral mais propensos a contrair os mesmos patógenos.
Nem todos os animais apresentam o mesmo risco, explicam os cientistas. “Por causa de sua capacidade extraordinária de dispersão, morcegos serão responsáveis pela maior parte do compartilhamento de vírus, e provavelmente vão compartilhar vírus ao longo de cadeias evolutivas que facilitarão sua emergência futura em humanos.” Não é à toa que parece ter sido exatamente isso que aconteceu com o Sars-CoV-2, o vírus da Covid-19, que de alguma forma saiu de morcegos para infectar humanos, possivelmente tendo outro mamífero como intermediário.
RISCO AMAZÔNIA
Apesar de a Amazônia abrigar uma quantidade grande de macacos e outros grupos de mamíferos, ela não foi apontada na simulação de Carlson como um lugar particularmente vulnerável a eventos de “spillover” mais preocupantes. Esse não é, necessariamente. porém, um indício que a América do Sul não esteja incubando doenças emergentes.
—A pesquisa constatou que sabemos muito menos sobre vírus das Américas do que na África e na Ásia. Estamos inclinados a imaginar que o risco de uma pandemia começar aqui é menor, mas talvez existam vírus com potencial pandêmico na Amazônia que ainda não conhecemos porque ainda não o estudamos.
Como um aquecimento de 2°C é um cenário muito provável, e a atual trajetória de emissões de gases de efeito estufa leva a um cenário até pior de aquecimento, acima de 3°C, os pesquisadores dizem que o planeta precisa se preparar para enfrentar esse risco maior de novas viroses emergirem nas próximas décadas.
“Nossa conclusão reforça a necessidade urgente de com- binar vigilância viral e esforços de busca com levantamentos de biodiversidade rastreando a área de cobertura das espécies, especialmente em regiões tropicais”, afirmam os cientistas no estudo.
Isso precisa ser feito também na Amazônia. Para outro coautor do estudo, Gregory Albery, a floresta até deve ser menos vulnerável a “spillovers”, mas por um motivo triste. Segundo ele, as espécies pouco conhecidas cobrem áreas muito pequenas.
—No nosso modelo, então, essas espécies morrem antes de encontrar outro animal e trocar vírus com ele. A Amazônia aparece menos suscep- tívelporque o que aconteceria ali é essencialmente uma extinção em massa.
Em relação aos mosquitos, ele disse que já é bastante certo que a mudança climática vai espalhar doenças como febre amarela, dengue e zika além de intensificar a transmissão.
Fonte: O Globo