Na última quinta-feira, 2 de setembro, o presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), José Luiz Gomes do Amaral, participou de audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados que debateu a qualidade do ensino nos cursos de Medicina no Brasil.
A discussão foi convocada pelo deputado federal e médico Zacharias Calil. Em seu entendimento, é notório que a qualidade está sendo insuficiente, sobretudo por conta das condições de ensino, com alunos sem acesso a ambiente de treinamento e a docentes qualificados. “É uma situação muito preocupante. Essa audiência também foi convocada pelos alunos para debatermos de maneira profissional, buscando uma diretriz. Ainda bem que os parlamentares anteriores a nós conseguiram interromper a abertura de mais faculdades de Medicina no Brasil”, lembrou Calil.
Outro deputado federal presente na audiência foi o também médico Luiz Antônio de Souza Teixeira Júnior. O primeiro ponto que destacou foi a necessidade de médicos ensinarem médicos. O que tem se observado, segundo os relatos do evento, é que em muitos casos os alunos de Medicina estão tendo aulas com outros profissionais de Saúde em temas que necessitam de raciocínio clínico.
Dr. Luizinho defende, ainda, que sejam discutidas formas de garantir às famílias, na hora de matricularem seus filhos em Medicina pagando mensalidades de R$ 10 mil, que saibam que a faculdade é séria. “A cada dia que passa, vemos a qualidade do médico cair. Por isso, vemos necessidade de mais médicos no plantão. Em um lugar que precisa de dois pediatras, temos quatro, pois muitos têm insegurança. Por isso, precisamos de educação e residência médica de qualidade. Precisamos que a população entre em uma Unidade Básica de Saúde e encontre um bom médico para atender sua família”, afirmou o deputado.
Visão dos médicos
Imaginemos um cenário de quase 40 mil egressos de Medicina ao ano, no Brasil, submetidos a um exame como o que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) fez, em que mais da metade não conseguia responder 50% de questões simples que lhe eram formuladas – o que significa que não seriam capazes de fazer diagnósticos ou tratamentos corretamente em metade dos casos.
Aplicando essa hipótese na prática, teríamos 20 mil egressos com qualidade deficiente, errando metade de seus diagnósticos. Se somente uma dessas pessoas trabalhar 40 anos – tempo médio de atuação de um médico –, por 48 semanas anuais, em cinco dias, com 10 consultas ao dia, ele irá produzir 48 mil erros médicos. Se multiplicar isso por 20 mil, teremos 960 milhões de erros médicos ao longo deste tempo.
“Quantas vidas perdemos a cada dia que procrastinamos a solução para essa escandalosa situação?”, questionou o presidente da APM, após apresentar o raciocínio acima. Uma das raízes de todo esse problema, em seu entendimento, é pensarmos no modelo de um médico, mas não na finalidade que ele terá na sociedade.
Se houvesse um planejamento em termos de considerar prioridades de tratamentos de doenças para o País, seria possível calcular – a partir do prazo de execução e da dotação orçamentária – quantos médicos, generalistas, especialistas e superespecialistas o Brasil necessitaria formar, anualmente, para lidar com as políticas públicas de Saúde. O que, por sua vez, refletiria em um planejamento mais adequado para a abertura de vagas nas faculdades, como argumentou José Luiz Gomes do Amaral.
O presidente da Associação também afirmou que é impossível formar estudantes em locais em que não há médicos, cenário de prática ou supervisão. “Interiorizar médicos a partir da criação de faculdades em locais sem profissionais de Medicina é uma falácia. Devemos formar onde há melhor cenário de prática, supervisão e os melhores resultados”, disse.
A partir de então, defendeu, é possível pensar em função de um programa de atenção à saúde para todo o território nacional, alocando os egressos para as necessidades específicas. É como ocorre, como exemplificou, no Canadá, onde os profissionais revezam por tempos determinados para atender a população nativa em regiões remotas do país.
Por fim, Amaral ressaltou que tem defendido já, há pelo menos 20 anos, uma ideia simples e efetiva: um cadastro de estudantes de Medicina – algo que já apresentou, ao longo das últimas décadas, a diversos ministros da Educação. “Assim, poderemos acompanhar com transparência a evolução. Há faculdades de países limítrofes em que o aluno começa e depois é garantida a transferência para uma faculdade no Brasil. Um cadastro evitaria, ao menos, essa irregularidade.”
Na sequência, César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), se valeu de um silogismo médico para abordar a situação. “O cenário é de caos, precariedade e preocupação. Parece que não há dúvida quanto ao diagnóstico. Se é consenso o péssimo prognóstico, temos que tratar o problema, não adianta apenas nos lamentarmos.”
Nesse sentido, Fernandes lembrou que cabe à AMB e outras entidades alertar e apontar o problema, ajudando na identificação. A solução, entretanto, cabe ao Parlamento – em seu entendimento. “Todos os Governos até agora – não falo por viés político – não têm sido eficazes e zelosos nesse tema. O Parlamento e o Executivo não podem continuar na inércia, mas apresentar medidas.”
O presidente da entidade nacional também vislumbrou um cenário em que uma instituição oficial – montada pelas autoridades, mas com independência – avalie os alunos ao longo dos cursos de Medicina. Também aplicando um exame final que seja submetido ao egresso e aos médicos formados em instituições de ensino superior estrangeiras que tenham o desejo de atuar no Brasil.
Regras são desrespeitadas
Levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) demonstrou que apenas 20% das faculdades de Medicina do Brasil cumprem os três parâmetros considerados essenciais para abrir e manter esse tipo de instituição de ensino. São eles: manter um hospital de ensino; ter proporção de no máximo três alunos por equipe de atenção básica local; e ter proporção de no mínimo cinco leitos públicos por aluno no município.
O cenário é ainda pior quando são consideradas apenas as escolas médicas abertas desde 2011, no contexto da Lei do Mais Médicos. Apenas 8% delas atendem os três parâmetros. “Hoje, são 166 hospitais de ensino no Brasil e 57% das escolas estão localizadas em municípios em que não há hospital de ensino”, mostrou Júlio César Vieira Braga, conselheiro do CFM.
Além do problema da abertura desenfreada de escolas, Márcio Yuri de Souza Ferreira, presidente da Associação dos Estudantes de Medicina do Brasil (AEMED/BR), listou algumas das denúncias mais comuns recebidas pela instituição. “Dez alunos examinando um paciente; aulas práticas de Ginecologia e Obstetrícia em que até 15 alunos observam uma paciente, em uma situação de desconforto; faculdades com 50 vagas autorizadas abrem turmas com até 80 calouros; colegas chegam às faculdades transferidos de outros países, cursam poucos meses e recebem o mesmo diploma; e profissionais não-médicos ensinam condutas terapêuticas dependentes de raciocínio médico.”
Como resposta, Ferreira sugere algumas medidas, a começar pelo impedimento de novas escolas e novas vagas, como forma de organizar o cenário problemático em que nos encontramos. Além disso, pensa ser favorável à criação de um cadastro nacional de estudantes, como sugerido pelo presidente da APM; que alunos estrangeiros sejam admitidos apenas em vagas excedentes; e entre outras sugestões, cursem ao menos o internato no Brasil.