No segundo dia do Global Summit Telemedicine & Digital Health 2021, um dos destaques da programação foi o painel nacional “Telepropedêutica nas especialidades médicas”, moderado por Paulo Cezar Mariani, secretário geral da Associação Paulista de Medicina (APM).
O primeiro palestrante do dia foi o neurologista e doutor pela Universidade de São Paulo (USP) Renan Domingues. Ele destacou que a sua aula foi baseada nos estudos de diversos grupos mundo afora, que têm tentado estabelecer normas para o exercício da Teleneurologia.
Mais especificamente, citou as publicações mais recentes da revista da Academia Americana de Neurologia (EUA) e da Comissão Aberta de Telemedicina da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), da qual faz parte.
De forma geral, independentemente se se trata de urgências, teleconsultas, monitorização, reabilitação ou pesquisa, o especialista entende que os processos devem ser norteados como na prática de rotina dos profissionais. “De acordo com os princípios básicos da Medicina, sempre fundamentada em segurança, evidências científicas, satisfação e decisão dos pacientes.”
Abordando a prática dos especialistas, Domingues afirmou que a urgência mais importante quando se fala em Teleneurologia é o acidente vascular cerebral (AVC) agudo. Sobretudo por conta de seus tratamentos tempo-sensíveis, como a trombólise química e a trombectomia, que devem ser aplicadas, respectivamente, em até 4h30 e 6h após a instalação dos sintomas.
“Em centros onde não temos toda a estrutura de Neurologia, a Telemedicina tem ajudado bastante. Principalmente no spoke-hub, em que o especialista a distância dá suporte ao não-especialista na ponta. Também aplicamos o exame neurológico a distância, utilizando a escala NIHS para avaliar o AVC. Em relação à imagem, não há muito segredo. Já sabemos o quanto a Telerradiologia pode ajudar”, explicou.
O neurologista também apontou que houve um aumento muito grande das teleconsultas em Neurologia, sobretudo por conta da pandemia de Covid-19. Por isso, a ABN, inclusive, analisou uma série de relatos e estudos internacionais para publicar recomendações do Teleneuroexame no ano passado.
O material indica que há três conjuntos de procedimentos nesse contexto: os facilmente realizáveis por Telemedicina sem auxiliar (nível de consciência, averiguação de linguagem e fala, avaliação de força e coordenação e dos nervos cranianos); os que necessitam um auxiliar na outra ponta (testagem de reflexos e de sensibilidade); e os que não são realizáveis virtualmente (exame de fundo de olho ou nistagmo/manobras e tônus).
Telepropedêutica em Dermatologia
Manuela Martins Costa, teleconsultora do Núcleo de Telessaúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ficou responsável por trazer alguns aspectos da relação entre a Dermatologia e a Telemedicina.
Um dos estudos apresentados foi realizado em São Paulo, em 2019, com 12 dermatologistas que, por um ano, avaliaram a Teledermatologia em 30.916 pacientes – em um cenário ainda pré-pandemia. Na ocasião, ao fim do período, 100% dos profissionais indicaram que a ferramenta era útil para a triagem; 92% para a triagem e diagnóstico; e 25% para a triagem, diagnóstico e tratamento.
Em relação às boas práticas na Teledermatologia, a especialista resume em uma frase: desburocratizar sem informalizar. Ela ressalta, por exemplo, as orientações prévias à consulta. Desde a confirmação do horário combinado para o recebimento de fotos até as explicações sobre iluminação, ângulo e foco dos registros.
“Digo sempre que a anamnese e o exame físico, na Telemedicina, devem ser ‘igual ao presencial’. Ou seja, com ética médica, não-negligência, prudência e perícia. As peculiaridades e diferenças são resolvidas com treino e prática, como qualquer apropriação de técnicas e tecnologias”, disse a dermatologista.
E se, mesmo com todas as orientações em relação a fotos e vídeos, ainda resta dúvidas? Para Manuela, é preciso que o médico avalie o risco de sua dúvida. Há tempo para outra consulta? É uma urgência? O que o paciente precisa agora? São questões a serem consideradas. “Precisamos balancear a equação de dúvida e risco. Se pensamos em um caso de acne versus rosácea, o risco é baixo. Diferente de uma dúvida entre Stevens Johnson versus varicela, doenças com etiologia e tratamento bem diferentes.”
Endocrinologia e Tecnologia
Encerrando a mesa, o endocrinologista Marcio Krakauer, coordenador do Departamento de Tecnologia, Saúde Digital e Telemedicina da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), trouxe algumas contribuições do ponto de vista prático da rotina dos especialistas.
Abordando também a questão sob o viés de sua área de atuação, o especialista chamou atenção para o fato de o Brasil ter quase 17 milhões de diabéticos, enquanto os endocrinologistas são apenas cinco mil – e nem todos atuarem com o cuidado da doença.
Na visão de Krakauer, talvez a Telendocrinologia possa unir essa relativa pouca quantidade de médicos a mais pessoas diabéticas. “Esse tipo de consulta, estudado há tantos anos, ganhou uma velocidade voraz de crescimento com a pandemia.”
Em relação à propedêutica, em um exame de diabetes, o especialista entende que os dados antropométricos podem ser colhidos a distância por alguém preparado. Um enfermeiro
treinado, por exemplo, poderá aferir pressão, peso, altura, índice de massa corporal, circunferência abdominal, pulso, temperatura e oximetria dos pacientes.
Além disso, o endocrinologista mostrou ser possível, por meio de vídeos e fotos, que os médicos analisem as lesões de pele e pé ou as varizes, entre outros elementos desses pacientes. Assim como ocorre para avaliar os olhos ou a tireoide.
Em relação ao controle e monitoramento dos pacientes, o membro da SBD lembrou que hoje já existem softwares específicos em que o paciente compartilha com a conta de seu médico os dados de glicemia. Também há diversos programas que monitoram outros dados importantes e até bombas de insulina. No futuro, acredita Krakauer, haverá canetas inteligentes para aplicar insulina, inclusive com acumulação dos dados.
“Telemedicina é uma ferramenta para o médico e só vai crescer. Precisamos de melhor regulação e inseri-la nos currículos de Medicina. Entendo que existem muitas possibilidades de conexão e que o exame físico, até certo ponto, pode e deve ser feito desta forma. Temos que ter o critério para selecionar aqueles que precisam do atendimento presencial. Acredito que a Endocrinologia é muito afeita à Telemedicina”, finalizou.