Tertúlia Acadêmica de outubro recebe Gyorgy Miklós Bohn

Na última quarta (13), a Academia de Medicina de São Paulo (AMSP) e a Associação Paulista de Medicina (APM) realizaram mais uma edição da tertúlia acadêmica, desta vez de forma híbrida, com parte do público presencial no espaço Maracá da APM e transmissão ao vivo pela plataforma Zoom para os demais.

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Na última quarta (13), a Academia de Medicina de São Paulo (AMSP) e a Associação Paulista de Medicina (APM) realizaram mais uma edição da tertúlia acadêmica, desta vez de forma híbrida, com parte do público presencial no espaço Maracá da APM e transmissão ao vivo pela plataforma Zoom para os demais.

José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM e da AMSP, apresentou o palestrante convidado, Gyorgy Miklós Bohn – graduado pela faculdade de Medicina do Rio Grande do Sul e especializado em microscopia eletrônica de varredura pela Universidade de Sheffield -, que trouxe suas observações sobre o tema “Como era a voz dos castrados”.

De acordo com ele, castrados eram os cantores que possuíam a mesma extensão vocal das vozes femininas. Mas, para conseguir esse aspecto na voz, eram submetidos à castração antes da mocidade, metodologia para preservar a voz fina, impedindo a chegada dos hormônios sexuais à corrente sanguínea durante a puberdade.

“Venho falar de um assunto que todos conhecem. Não há quem não saiba e tenha ouvido falar sobre os castrados, pois eles pertencem às páginas mais tristes da história europeia. Entretanto, a arte dos castrados poucos conhecem”, explicou o palestrante.

O especialista contou uma história pessoal de quando ouviu pela primeira vez uma música da famosa contralto Alice Raveau, ainda criança. “Quando jovem, imaginei que a voz deste castrado era parecida com a de uma contrato. Com o tempo, fui aprendendo que a música é dividida em diferentes períodos, medieval, barroco e romântico, entre outros.”

História

Segundo registros, a castração era realizada como forma de punição no Império Bizantino entre os anos de 330 a 1.453, mas foi a partir do século XVI que ela passou a ser um recurso musical na Europa.

“Os castrados fizeram parte por excelência do teatro lírico, o qual se encaixa na música barroca. Esta é caracterizada pela arquitetura, que significa ornamentação, é a música mais ornamentada que temos em todo o ocidente. Vemos virtuosidade de instrumentos e vocal, que não existe em outros períodos. Foi de extrema exigência para os músicos”, completou.

Um importante cantor apresentado pelo especialista foi Alessandro Moreschi, o último castrado da História, considerado “Anjo de Roma”, como era conhecido no auge da sua fama. Teve uma vida solitária nos seus últimos anos, sendo esquecido até mesmo pela família.

Bohn ainda falou sobre Carlo Maria Michelangelo Nicola Broschi, conhecido pelo pseudônimo de Farinelli. Seu canto progrediu rapidamente e, com apenas 15 anos, fez sua estreia cantando a serenata Angelica e Medoro, se tornando o mais popular e bem pago cantor de ópera da Europa do século XVII.

Sua vida e talento foram homenageados em um filme de drama biográfico ítalo-franco-belga de 1994, que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro na edição de 1995. “Ninguém até agora conseguiu essa virtuosidade. Farinelli é o maior expoente e lendário dos castrados, resultado de uma monstruosidade realizada na época, a castração.”, disse o especialista.

Demonstrando um dos exemplos da magnitude e dificuldade dos músicos do período barroco, apresentou uma ópera da soprano Gabrielle Ritter-Ciampi, que se tornou famosa em papéis operísticos de Mozart. “Quando tinha entre meus 16 e 17 anos, percebi que pensar que os castrados lembravam as contraltos era bobagem. Percebi que eles precisavam ter uma técnica vocal extraordinária, e mesmo no início dos anos 40, isso era praticamente impossível.”

“Na época, ter a voz fina era considerado um distúrbio sexual. Voz de falsete não era aceita, a não ser em situações cômicas ou em algumas músicas folclóricas, pois esse timbre não tinha espaço nos salões de músicas eruditas. Quem trouxe isso para dentro de nosso universo musical foi o inglês Alfred Deller, que deu dignidade aos contratenores”, complementou.

O palestrante ainda ressaltou que o timbre dos falsetistas e castrados não tem relação nenhuma. “Falsetista tem laringe masculina, nunca feminina, na verdade, qualquer um pode fazer um falsete. A voz do falsetista, sendo tenor ou soprano, a maioria é sempre masculina.”

Chegada ao Brasil

A chegada da técnica ao Brasil ocorreu por volta da década de 60. “Com o tempo, o falsetismo chega ao Brasil nos recitais de sopranistas e contratenores, em meados de 1960. Ao longo dos anos, começa a criar mais popularidade. Em São Paulo, não passa um mês em que não conseguimos ouvir esse timbre, no pop e rock, o falsetista predomina, mais do que timbres comuns.”

Hoje, o paulista radicado em Berlim Bruno de Sá – formado como educador musical na Universidade Federal de São Carlos e bacharel em canto lírico pela USP – está ganhando espetáculos da Europa, e parece destinado ao estrelato na cena lírica global.

Questionado por um dos confrades sobre as diferenças da conformação dos contraltos com os castrados, o palestrante responde que a diferença está na voz e na laringe. “A laringe no contratenor é masculina, mas sua emissão lembra a voz feminina, eles não usam completamente a corda vocal, com isso, a voz se torna realmente diferente, menos presente. Acredito que a maioria tenha uma extensão vocal mais curta que os sopranos, por isso considero que tenha uma grande diferença entre falsetista e soprano”, respondeu Bohn.

“Não tenho como lhe agradecer por nos ter compartilhado um pouco de sua paixão pela música lírica, seu interesse pelos diferentes tipos de timbres, e nos ter apresentado uma parte deste mundo fantástico”, finalizou o presidente da APM e da AMSP.

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