Na última sexta-feira, 27 de agosto, a Associação Paulista de Medicina realizou mais uma edição virtual do Cine Debate de 2021, coordenado pelo psiquiatra e psicoterapeuta Wimer Bottura Júnior. O filme escolhido para debate foi “Professor Polvo”, vencedor do Oscar 2021 de melhor documentário de longa-metragem.
O longa gira em torno de Craig Foster, um cineasta que, após oito anos mergulhando em meio a uma floresta subaquática gelada na África, reuniu as filmagens de suas incursões submarinas, especialmente as de um jovem polvo, com quem desenvolveu certa familiaridade e descobriu mais sobre os ministérios do mundo.
Diferença entre as espécies
José Roberto Whitaker Penteado Filho, doutor em Saúde Mental e mestre em psicologia escolar e aprendizagem foi o primeiro palestrante convidado da noite. Em suas observações, destacou que apesar de serem personagens distintos, a interação entre homem e animais não é uma novidade.
“Falamos muito do que é politicamente correto e incorreto, sempre se trata da convivência e das diferenças dos seres humanos, que se digladiam por convicções políticas, religiosas e diversidade de gêneros. O filme é uma experiência real de convivência entre as diferentes espécies de vida do planeta Terra”, explicou.
Sendo especialista em comunicação, Whitaker afirmou que a relação entre diferentes espécies é realmente um grande desafio e que para preparar seu discurso teve que viajar por livros e enciclopédias para poder definir o que as diferenças entre o polvo e o mergulhador representam.
“O filme trata de um assunto muito vasto, a existência de todos os seres vivos do planeta. Pesquisando, descobri que existem cerca de 10 milhões de espécies de seres vivos e que eles se dividem entre vegetais e animais, a diferença é que os animais necessitam de alimento para a sua ingestão e as plantas se alimentam através da fotossíntese”, afirmou.
“Nesse sentido, acredito que a narrativa é uma discussão pública sobre um assunto fundamental e de interesse mútuo, para aprendermos que não estamos sós, aliás, muitos entre nós já estabeleceram algum tipo de comunicação e relação com seus animais domésticos e plantas”, complementou.
Outro ponto observado pelo especialista foi a facilidade na construção de vínculos entre Craig e o polvo. “Há uma questão muito importante com o protagonista da história, Craig. Não é à toa que ele faz este documentário, porque descobrimos ao longo da trama que ele nasce à beira do mar, na África do Sul, e está acostumado com esse ambiente aquático.”
Vínculos das relações
A outra convidada do evento foi Maria Helena Melhado Stroili, mestre em psicologia escolar e doutora em Ciências Médicas. Trouxe em sua apresentação aspectos dos movimentos humanos expostos no filme, capazes de levar a determinadas reflexões. “Algo que me chamou atenção foi a referência que o protagonista fez no início do filme sobre uma experiência com índios rastreadores de uma tribo no sul da África, que serviu como escola para ele.”
Os nativos apresentados no filme são os bosquímanos, indígenas que utilizam veneno de escaravelho nas flechas para caçar e rastreiam plantas venenosas e raízes que combatam a malária. “São elementos encontrados nas condições em que a tribo vive. No deserto, eles precisam lutar pela sua sobrevivência e essa motivação os fez conhecer a natureza em torno deles com tal profundidade que são capazes de se apoiar em cada sinal”, afirmou.
Entre as lições destacadas por Stroili, uma é o fato de que com grande motivação e necessidades básicas, desenvolvemos conhecimentos muito complexos, mesmo que não tenhamos estudado. Outro ponto de destaque, no filme, é a paciência – o protagonista espera o polvo se sentir confortável para depois tentar estabelecer alguma comunicação com o animal.
“Algo que me emocionou foi a questão da confiança, outra dimensão psicológica e psicossocial das relações. O filme explica com muita clareza que para a confiança existir, precisa ser recíproca. Percebo que o polvo só saiu do esconderijo quando Craig estendeu a mão e de alguma maneira sinalizou estar ali pelo bem”, ressaltou.
“Muitas vezes, em nossos dias, atropelamos as relações e não temos paciência do outro ter seu próprio momento e se sentir confortável em seus relacionamentos familiares e parentais. A expectativa atrapalha a possibilidade do contato e interação porque nos rouba a paciência. Do ponto de vista das aprendizagens, nos faz pensar que essas lições de fato promovam transformações internas, no modo de pensar, estabelecendo relações entre fatos e ideias e até mesmo um novo jeito de sentir”, completou.
A especialista reforçou, ainda, a ideia de que o filme não é uma obra de ficção, pois está diretamente ligado a conceitos da vida humana, podendo servir de lição para vários aspectos. “Penso que é um filme para se ver muito mais do que uma vez, traz uma reflexão e nos reporta a uma experiência real, não é uma ficção, se trata de um ser humano como cada um de nós, que viveu um estresse como cada um de nós já passou e, na simplicidade do contato com a natureza, conseguiu uma reconstrução do seu eixo e de sua organização interna e psíquica.”
Debate
Logo após as apresentações iniciais dos palestrantes, houve o debate entre os especialistas, espectadores participantes e o coordenador do Cine Debate. Respondendo sobre a ideia do longa ser uma metáfora onde o ser humano estaria destruindo a natureza, Stroili refletiu sobre a imensidão do universo e como devemos preservá-lo.
“Quando recebemos imagens do universo, temos uma consciência visual da pequenez do planeta Terra em meio a toda essa imensidão. Penso em quando o ser humano terá a consciência de que aquele mundo em que vive está em risco de extinção. Caberia em nossa consciência humana a possibilidade de pensar que isto também pode comprometer a nossa própria existência?”, refletiu a palestrante, antes de completar: “De fato, precisamos trabalhar na perspectiva da consciência através da educação, comprometer a natureza e a vida do planeta é comprometer a nossa própria vida e a de quem nós amamos”.
Bottura também comentou sobre como cinema e literatura conseguem permitir o aprendizado direto, trazendo emoções, medo, dor e alegria dos personagens sem deixar o espectador exposto aos riscos. “O filme nos traz a reflexão que não precisamos mergulhar no cabo das tormentas para descobrir que posso amar e me aproximar do meu filho, não preciso intervir na natureza mesmo que eu não goste dos tubarões”, destacou.
Questionada sobre os impactos que podem ocorrer nas relações humanas de afetividade e de confiança tendo em vista os longos períodos de afastamento social e isolamento causados pela pandemia, Stroili respondeu que será um grande desafio, a partir de nossa saída e recolhimento, diante da ameaça das nossas próprias vidas e das pessoas a nossa volta.
“Acredito que temos muitas coisas para aprender e refletir a partir da Covid-19. As relações de fato sofreram transformações, muitas vezes estamos internamente recuperando afetos com pessoas, as quais não temos contato há muito tempo. Apesar de toda tecnologia e o acesso à internet, não podemos ficar o dia inteiro ligados a ela. O impacto que isso terá em nossas relações e nos vínculos com essas pessoas, ainda vamos descobrir”, finalizou.
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