O Webinar APM desta semana, realizado na última quarta-feira, 11 de agosto, focou nos avanços, tendências e perspectivas em torno da insuficiência cardíaca (IC), uma condição que desequilibra o coração. A reunião foi apresentada por José Luiz Gomes do Amaral e mediada por Álvaro Atallah, respectivamente, presidente e diretor de Economia Médica e Saúde Baseada em Evidências da Associação Paulista de Medicina.
“A insuficiência cardíaca tem um alto nível de incidência e de mortalidade. Quando falamos de Covid-19, temos uma doença que já matou mais de 650 mil pessoas no Brasil. E a IC, por ano, causa a morte de 250 mil a 300 mil brasileiros. No mundo, quase 15 milhões. É, então, um assunto extremamente relevante, sendo uma das principais causas de internação. Hoje, temos uma equipe de primeiro nível para tratar do assunto”, contextualizou Atallah, no início do webinar.
O primeiro palestrante da noite foi José Eduardo Krieger, doutor em Fisiologia pelo Medical College of Wisconsin (Estados Unidos). O especialista começou qualificando a insuficiência cardíaca como um dos problemas mais relevantes em termos de saúde pública. “Primeiro ponto a ser lembrado é o fato de que a insuficiência cardíaca é uma síndrome e, consequentemente, influenciada por vários fatores. Em termos médicos, entretanto, ela é um denominador comum para doenças isquêmicas, valvulares, infecciosas e acometimentos de cardiopatias congênitas e hereditárias. Isso precisa ficar na mente de todos, pois é uma limitação importante ao abordarmos o tema”, destacou.
Quando se trata de discutir atualizações para a clínica da insuficiência cardíaca, dois aspectos são os mais relevantes, conforme Krieger. Um deles é o da genética da IC. “Particularmente importante, considerando que o sequenciamento do primeiro genoma, em 2003, foi um esforço de quase dez anos, ao custo de U$ 3,5 bilhões. Hoje, é possível fazer o genoma de uma pessoa por R$ 3,5 mil. Mostra como evoluímos, ainda que a tarefa de interpretação de dados tenha se tornado um desafio um pouco maior do que o antecipado.”
O segundo destaque, segundo o especialista, que é pós-doutor em biologia molecular pela Harvard Medical School (Estados Unidos), tem relação com as possibilidades de novas terapias a serem adotadas. “Temos as terapias celulares, com indução de proliferação de cardiomiócitos – sabemos que, um dia ou uma semana pós-nascimento, eles não se dividem mais, então teríamos que fazê-los entrar novamente em um modelo de divisão celular. Outra área em que muita coisa ocorre é nas intervenções acelulares. Ou seja, na identificação de biomiméticos a partir desse conhecimento acumulado há 20 anos com terapias celulares, para eventualmente substituir as células e utilizar os biomiméticos”, detalhou.
Tratamento e intervenções
A seguir, Silvia Ayub, coordenadora do Programa de Transplante Cardíaco e Assistência Circulatória Mecânica do Hospital Sírio-Libanês, fez uma abordagem dos modos terapêuticos de enfrentar as insuficiências cardíacas.
Segundo a palestrante, a evolução deste conhecimento tende a aumentar, uma vez que as projeções apontam que o crescimento da doença será muito maior do que o da população no futuro, uma vez que muitos pacientes têm se recuperado de condições como o infarto e acabam evoluindo para um quadro de insuficiência cardíaca.
Silvia também demonstrou a fisiopatologia da IC. “Normalmente, temos um evento inicial no coração – uma lesão ou estresse miocárdico – que leva à ativação do sistema nervoso adrenérgico. Isso traz consequências (vasoconstrição, vasopressina etc.) e ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona, com ativação inflamatória. Tudo isso leva a um ciclo vicioso de sintomas e progride para uma insuficiência cardíaca”, explicou a médica, que também atua no Instituto do Coração (InCor).
Atualmente, nesse campo, há um dilema entre buscar a dose máxima das medicações iniciais ou optar por um tratamento amplo com diversas medicações. “Não há estudo randomizado pensando nessas duas estratégias, mas há uma perspectiva pela sobrevida a partir dos grandes estudos que testam medicações. Um deles mostra que a associação inicial de ARNI, com betabloqueador, mais aldosterona e inibidor da SGLT2 tem perspectiva de sobrevida superior à dos tratamentos convencionais”, relatou.
Mas, e quando as intervenções medicamentosas já não são mais suficientes para lidar com o quadro de pacientes com insuficiência cardíaca, o que fazer? Paulo Manuel Pêgo Fernandes, diretor Científico da APM e palestrante convidado, falou sobre esse aspecto.
Antes de entrar nos detalhes, o especialista mostrou que a IC é uma doença muito grave e prevalente, responsável por aproximadamente 2,4 milhões de internações anuais no Brasil – o que corresponde a 2,25% de todas as internações. A condição também tem uma mortalidade de 9,5% e a média de permanência na internação é de 6,9 dias. Para Pêgo, esses dados deixam claras a gravidade e a incidência desta doença, tão cara de ser tratada tanto do ponto de vista econômico, quanto de morbimortalidade.
Entrando em seu tema, o diretor da APM indicou que uma das primeiras ações ao paciente com terapêutica otimizada para a IC que não apresenta melhoras é conversar se ele é um candidato a transplante de coração. E, se for o caso, listá-lo.
“Caso contrário, podem ser considerados métodos de assistência circulatória mecânica – como ventríloquos artificiais ou balões intra-aórticos – ou terapias de destino. Ou seja, em vez de transplante, pensarmos em colocar um ventríloquo artificial de longa duração, como um coração artificial. Isso, até pouco tempo atrás, era coisa de ficção, mas hoje é realidade e inclusive já passou o número de transplantes em alguns países”, argumentou.
Debate
Ao fim das aulas dos convidados, houve discussão do tema entre os especialistas, com interação entre eles, o apresentador, o moderador e o público. Uma das perguntas mais relevantes foi feita por Álvaro Atallah. “Krieger, em sua palestra, falou sobre estimulantes de regeneração do endotélio. Sabemos que a Covid-19 é uma doença endotelial, sobretudo no longo prazo. Ocorreu-lhe algo sobre recuperar os doentes pelo coronavírus com estimulação endotelial?”, questionou.
Segundo o convidado, algumas pessoas tiveram sim essa ideia. “Até mesmo pensaram em utilizar a célula mesenquimal, não somente pelo fato de estimular angiogênese, mas também pelas propriedades imunomoduladoras. As citocinas secretadas por essas células têm esse feito”, disse.
Krieger relatou também que tem acompanhado o trabalho de uma biotech que está trabalhando com essa linha de raciocínio. “O estudo ainda não foi materializado, mas está sendo financiado. O que indica que essa pergunta que você fez passou também pela cabeça de outras pessoas.”
Ao fim do encontro, José Luiz Gomes do Amaral refletiu sobre o momento de privilégio – em termos científicos – que vivemos, após definir as três palestras da noite como aulas brilhantes e emocionantes.
Segundo o presidente da APM, estamos acompanhando abertura de fronteiras inimagináveis, com pessoas comuns se aventurando em viagens interplanetárias. “Imagina que há 500 anos as pessoas começaram a organizar lentes e a descobrir o mundo microscópico e outros planetas. Hoje, sabemos tanto disso que, em um ano, passamos a entender a intimidade dos genes dos vírus que combatemos e daqueles que iremos combater no futuro. E entendemos que não somos um organismo, mas povoados de bilhões de micro-organismos.”
Finalizando, ele lembrou que a Associação tem realizado webinars com muito sucesso desde que a pandemia atingiu o Brasil, em março de 2020. “Se tivéssemos que selecionar alguns deles, teríamos dificuldades imensas. Tivemos reuniões tão brilhantes e a de hoje é uma delas, fazendo parte de uma sucessão de apresentações fantásticas”, concluiu Amaral.
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