Planos de saúde de cobertura limitada são retrocesso à Lei 9.656/98/98

Entidades médicas e de defesa do consumidor são contrárias à proposta do Ministério da Saúde

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Não bastassem declarações no mínimo polêmicas, a gestão do atual ministro da Saúde, Ricardo Barros, agora é marcada pela tentativa de ressuscitar a proposta de planos de saúde “populares”, o que tem gerado críticas de entidades médicas e órgãos de defesa do consumidor. Com custo menor e cobertura limitada, segundo o Ministério da Saúde, a iniciativa seria opção para inserir parte da população na saúde suplementar, com vistas a reduzir o número de usuários e os custos do Sistema Único de Saúde (SUS).

A Associação Paulista de Medicina é uma das instituições contrárias à proposta. Segundo o presidente da APM, Florisval Meinão, antes da Lei 9.656/98 não havia critérios para as coberturas, com o prevalecimento do poder de mercado sobre os usuários. “É preocupante o andamento dessa discussão, já tivemos modelos semelhantes no passado e foram extremamente prejudiciais aos pacientes.”

Ainda de acordo com Meinão, neste formato, os tratamentos de alta complexidade, mais onerosos, ficariam por conta do SUS, uma vez que o plano popular se restringirá apenas ao atendimento básico. “Isso seria muito lucrativo para os convênios, mas um enorme retrocesso para a Saúde.”

“A Lei 9.656/98 conseguiu impor uma regularidade institucional e legal para o relacionamento entre usuários, planos de saúde e prestadores de serviços”, esclarece Marcos Pimenta, assessor da diretoria da APM. Antes deste marco legal, não existiam parâmetros de controle. “Havia para cada plano um tipo de cobertura. Alguns davam direito a apenas dois tipos de consulta e três dias de internação por ano, sem direito a exame.”

Conforme explica Pimenta, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) define de maneira específica qual a cobertura mínima de todos os planos de saúde, seja grande ou pequeno, de autogestão, cooperativa, filantrópico ou seguradora, exatamente o mesmo rol de procedimentos básicos. Isso faz com que as operadoras calculem o preço da mensalidade baseadas no que precisam oferecer de cobertura. E claro, se o serviço oferecido for menor, o valor também será.

Após a Lei 9.656/98, a flexibilização da cobertura sempre foi algo defendido pelas operadoras de planos de saúde, com o argumento de um produto comercial diferenciado, mais adequado a necessidades pontuais. “Este posicionamento se oficializou com o discurso do novo Governo”, alerta o assessor.

Defesa do consumidor
Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), também se diz preocupada com o andamento da proposta. “Não é admissível que o consumidor perca a cobertura mínima obrigatória conquistada com a Lei 9.656. Vai na contramão do que a ANS tem feito”, reitera. Na mesma linha de argumento da APM, ela ressalta que “o consumidor terá de enfrentar filas demoradas do SUS para casos mais complexos”.

“De acordo com dados do próprio Ministério da Saúde, o gasto com ações e atenção básica, como consultas em posto de saúde, representou, no ano passado, 13,7% do orçamento do SUS, enquanto as despesas com procedimentos de média e alta complexidade, como internações e cirurgias, consumiram 42,1%. Ou seja, o que propõe o ministro não vai aliviar a falta de recursos do SUS e só vai piorar a situação para quem utilizar tais planos acessíveis”, informa Maria Inês, garantindo que, caso o Governo dê andamento à iniciativa, haverá mobilização do órgão.

Sobre os honorários médicos, a coordenadora da Proteste teme que se reduza ainda mais o valor pago para os médicos. “Os convênios pagam em média R$ 50 por consulta, o que tem afastado muitos profissionais de prestar serviços a eles, imagina como seria com os planos populares.”

Elici Checchin Bueno, coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), assegura que a própria formação do grupo de trabalho para discutir os planos populares, sem a participação de profissionais da Saúde [veja mais a seguir], já representa interesse de um segmento, em detrimento de outros. “Está nítida a intenção de responder a demandas do setor, e não do consumidor. Certamente, a classe médica será tão prejudicada quanto o paciente”, ressalta.

O Idec já publicou nota conjunta com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), contra a proposta do Governo, embora acredite que a medida não será concretizada. “Lançaremos mão de todas as ferramentas jurídicas para impedir. É de bom tom lembrar que a judicialização de conflitos nesta área tem forte tendência a crescer com esta iniciativa, portanto, o poder econômico deve avaliar muito bem o cenário que irá se estabelecer no Brasil.”

Ausência de médicos no debate
A criação do Grupo de Trabalho para discutir a proposta do Governo Federal de “Plano de Saúde Acessível” foi publicada no Diário Oficial da União através da Portaria 1.482, no dia 5 de agosto. Apenas três entidades foram convocadas a participar do debate: Ministério da Saúde, ANS e Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais (CNSeg).

“É uma surpresa desagradável ver a formação de um grupo desses sem a participação das entidades médicas. Nós e outros profissionais da Saúde somos diretamente responsáveis pela assistência aos pacientes, lidamos com eles diariamente, no sistema público e no privado”, critica Marun David Cury, diretor adjunto de Defesa Profissional da APM.

Na mesma perspectiva, Marcos Pimenta ressalta que seria importante ampliar esse grupo, envolvendo representantes dos profissionais de Saúde e hospitais. “O Governo alega que é um estudo preliminar, mas deste debate pode sair algo concreto.”

“O já difícil relacionamento entre operadoras de planos de saúde e profissionais da área poderá piorar ainda mais, pois estuda-se outro formato de atendimento, sem abordar quanto e como as empresas vão pagar os prestadores”, reforça o assessor da diretoria da APM.

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) também lançou uma nota pública questionando o Ministério da Saúde sobre essa mudança na legislação brasileira, além de defender a revogação da portaria que instituiu o grupo de trabalho. O Cremesp afirma que a iniciativa é “ilegal, não tem qualquer fundamento técnico e poderá trazer prejuízos a pacientes e médicos”.

*Matéria publicada na Edição 681 – Setembro de 2016 da Revista da APM