Garantir que o atendimento de Saúde à população seja humanizado e qualificado é um dos principais compromissos ao se assumir um cargo político. No entanto, o abuso de poder por parte de parlamentares do interior do estado tem deixado a população e os profissionais da Saúde consternados. Exemplo disso é o recente caso ocorrido em Campinas, em que o vereador Vini Oliveira (Cidadania) invadiu um hospital da cidade em busca dos médicos plantonistas.
O vídeo, publicado nas redes sociais do vereador, mostra discussão entre ele e os médicos presentes que, segundo ele, não estavam prestando atendimento aos pacientes que aguardavam. Na mesma gravação, Oliveira diz repetidas vezes que está fazendo uma fiscalização, reforçando que é vereador e que irá voltar ao hospital para continuar inspecionando o trabalho dos profissionais.
Há alguns meses, Vini Oliveira já havia perseguido outro médico. No vídeo, ele alegava que o especialista tinha batido o ponto na unidade, mas tinha ido embora, então perseguiu o profissional até o estacionamento de um supermercado, em que questionou a atitude, no intuito de ocasionar um embate entre eles. Ao ser ignorado, voltou ao hospital e decidiu mostrar o vídeo para os pacientes que aguardavam. O médico processou o vereador e, atualmente, o caso segue em tramitação na Justiça, ainda sem resolução.
Caso semelhante
Em 2022, outro vereador de Campinas protagonizou uma cena semelhante. Edison Ribeiro (União Brasil), invadiu consultórios médicos do Centro de Saúde Jardim Satélite Íris, constrangendo os plantonistas e desacatando guardas civis que foram chamados durante a intervenção.
O Boletim de Ocorrência, registrado no 11º Distrito Policial, indica que Ribeiro praticou desacato, ameaça e constrangimento ilegal, além de apontar para abuso de autoridade. O filho do vereador, André Ribeiro, que atua como seu assessor político, também estava presente, reforçando as atitudes do pai no momento do ocorrido. Na época, eles negaram que tiveram a postura – apesar de vídeos, gravados pela própria equipe do vereador, demonstrarem o contrário.
Funcionários do local alegam que durante a confusão, Edison abriu com violência a porta dos consultórios médicos, gritou com os funcionários e promoveu um grande desconforto, dizendo que poderia dar “voz de prisão” a uma das médicas. Além disso, testemunhas alegam que o vereador e seu assessor também invadiram uma sala de atendimento ginecológico em que havia uma paciente presente.
Posicionamento
Em nota publicada no dia 7 de janeiro, o Conselho Federal de Medicina reforçou o posicionamento contrário às visitas de fiscalização em unidades de Saúde como ferramentas de autopromoção e sensacionalismo. De acordo com a autarquia, ações como as praticadas por tais parlamentares buscam somente gerar evidência para si mesmos, fazendo com que os desafios genuínos da Saúde pública não sejam o principal foco. O CFM também reforça que “fiscalização na Saúde não é espetáculo.”
No texto, o Conselho enfatiza que a fiscalização do trabalho dos médicos em todo o território nacional é responsabilidade dos Conselhos Regionais de Medicina, destacando que deve ser uma monitorização realizada com seriedade, de forma técnica e respeitosa, sem gerar constrangimento aos profissionais e aos pacientes.
De acordo com o CFM, a entidade reconhece a importância do papel dos parlamentares ao examinar se o funcionamento dos serviços públicos está gerando resultados frutíferos, contudo, demonstra que tais visitas devem visar a solução real de problemas sérios, em vez de gerar desordem e confusão.
“A fiscalização das condições de trabalho dos médicos é um dos pilares da atuação dos conselhos de Medicina, realizada diariamente pelos Conselhos Regionais de Medicina. Esse trabalho é feito de maneira séria e técnica, sem pirotecnias, e gera resultados concretos, como a melhoria das condições estruturais e do atendimento à população. Ressalta-se que não cabe ao parlamentar invadir locais de descanso dos médicos, que é um direito garantido pela legislação trabalhista. Caso se constate que um médico não está cumprindo suas obrigações no plantão, a denúncia pode ser feita à administração e também ao Conselho Regional de Medicina, que será responsável pelo julgamento ético”, evidencia o CFM.
A Associação Paulista de Medicina corrobora o posicionamento e entende que as denúncias contra a falta de atendimentos devem ser feitas de forma ética e eficiente, e não uma ferramenta para conflitos entre parlamentares, que deveriam ser os responsáveis por defender os melhores interesses da população.
A APM se mantém aberta para auxiliar os médicos que se sintam lesados e precisem de respaldo contra condutas que violentem sua integridade e causem constrangimento ao seu exercício profissional.