3ª edição do Neuro Talks foca no canabidiol

Dando prosseguimento aos Neuro Talks, série de lives sobre doenças e terapias neurológicas, as Associações Paulista de Neurologia (Apan) e Medicina (APM) transmitiram, em 8 de novembro, discussão focada no canabidiol

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Dando prosseguimento aos Neuro Talks, série de lives sobre doenças e terapias neurológicas, as Associações Paulista de Neurologia (Apan) e Medicina (APM) transmitiram, em 8 de novembro, discussão focada no canabidiol. Acary Bulle de Oliveira, diretor Científico da Apan, foi o moderador do encontro.

“Quando entrei na Escola Paulista de Medicina, tive a oportunidade de ter aula com o espetacular professor Elisaldo Luiz de Araujo Carlini. Ele sempre trazia novidades, entre elas os medicamentos de plantas, e criou na EPM a Psicofarmacologia, assumindo posição de destaque nessa área”, relembrou.

Acary afirmou que, já nos anos 1960, Carlini afirmava que a maconha tinha certos produtos que poderiam ser especiais no tratamento de doenças – declaração que posteriormente não teve mais dúvidas.

“Após certo tempo, ele dizia que não existia razão, a não ser ideológica, para rejeitar que a maconha tinha efeitos terapêuticas comprovados. Carlini faleceu aos 91 anos, em setembro deste ano, mas nos deixou um grande legado”, disse o diretor da Apan, prestando homenagem a um de seus mestres.

Canabinoides
O primeiro palestrante da noite foi Vitor Tumas, professor de Neurologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, que lembrou que há milênios a cannabis é utilizada pelos homens, sobretudo em regiões como a China e a Índia, seja como substância medicinal, seja como ritual religioso.

“A cannabis mais utilizada é a sativa, mas há variedades que possuem diferenças nas substâncias. Algumas têm muita fibra, sendo utilizadas para produzir cânhamo. Mas estamos mais interessados na sativa. Podemos extrair na forma de ervas das folhas e flores ou em concentrações de resina, que é o haxixe – este com alta concentração de canabinoides”, explicou.

Segundo Tumas, que também coordena o Setor de Distúrbios do Movimento e Comportamental do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da USP, a cannabis foi muito usada no século XIX como tratamento de problemas neurológicos, bem como em casos de náuseas, dor, sono etc. “Mas ela foi abandonada no começo do século XX, pois surgiram substâncias mais eficazes.”

Ainda refazendo o histórico da substância, o especialista apontou que nos anos 1960 foram identificadas as principais substâncias: o canabidiol (CBD) e o tetra-hidrocanabinol (THC). Já nos anos 1990, pesquisas identificaram no sistema central receptores para essas substâncias, além de endocabinoides, já presentes nos sistemas.

“Essas duas substâncias – CBD e THC – têm funções muito diferentes. E quando vamos analisar os efeitos que elas produzem, é difícil isolar ou localizar ou mecanismo exato. Conhecemos muito pouco sobre a maioria das coisas que são efeito da utilização delas”, ponderou Tumas.

O especialista também falou sobre o uso dos canibinoides na epilepsia. Segundo estudos apresentados, nas síndromes Lennox-Gastaut e de Dravet, muito graves na infância, o uso de CBD reduz muito as crises epilépticas que não são controladas com os antiepilépticos comuns – com poucos efeitos colaterais e interação medicamentosa.

“Em casos de esclerose múltipla, um estudo clássico mostrou que o extrato de THC traz melhora leve a moderada na espasticidade. Além de melhorar a dor, os espamos e a disfunção urinária. Em relação aos distúrbios de movimento, há poucos estudos e pouca evidência”, completou Tumas.

Controle esportivo
O outro convidado do evento foi Fernando Solera, coordenador da Comissão Médica e de Combate à Dopagem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). De maneira sintética, o palestrante apontou que, atualmente, em termos esportivos, o CBD, substância não psicoativa, é permitido no esporte, ao passo que o THC, psicoativo, é proibido.

Ele também fez um resumo histórico da evolução do controle destas substâncias. “Tudo começou em 1967, quando o Comitê Olímpico Internacional (COI) criou uma comissão médica, que publicou um índice de substâncias proibidas. A maconha, especificamente, entrou em 1988, valendo para as Olímpiadas de Sidney, em 2000. Os canabinoides entraram na lista da Agência Mundial Anti-Doping [Wada, na sigla em inglês] em 2003.”

Na sequência, Solera apresentou dados sobre os principais resultados analíticos adversos (RAAs) de 2018, últimos publicados pela Wada. O esporte com mais casos (21,5%) com a presença de THC foi o skate. Por outro lado, os canabinoides representaram apenas 3% das ocorrências, ocupando a sétima posição na lista de doping. Para o especialista, isso mostra que os atletas estão muito educados sobre o tema.

“Também fizemos, nos últimos dias, compilado de dados de 30 anos do controle de doping do futebol brasileiro. Até dezembro de 2019, tivemos 23 casos de uso de canabinoides no período. Em contrapartida, foram 70 casos de uso de cocaína nos últimos 30 anos.”

Por fim, Solera ressaltou que é cada vez mais importante mostrar para os atletas que eles têm responsabilidade sobre seus corpos. “A Wada definiu no Código Mundial Anti-Doping, que passa a valer em 2021, que é dever pessoal dos atletas garantir que nenhuma substância proibida entre em seus corpos. Ele não poderá mais dizer que entrou em um carro com gente fumando ou que o médico passou um medicamento que tinha THC.”