4ª edição de Neuro Talks aborda vacinas contra Covid-19

Em continuidade ao Neuro Talks, série de lives sobre doenças e terapias neurológicas, no dia 25 de fevereiro, a Academia Paulista de Neurologia (Apan), em parceria com a Associação Paulista de Medicina (APM), realizou uma abordagem sobre as imunizações que estão sendo aplicadas no mundo, em especial no Brasil, contra o novo coronavírus

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Em continuidade ao Neuro Talks, série de lives sobre doenças e terapias neurológicas, no dia 25 de fevereiro, a Academia Paulista de Neurologia (Apan), em parceria com a Associação Paulista de Medicina (APM), realizou uma abordagem sobre as imunizações que estão sendo aplicadas no mundo, em especial no Brasil, contra o novo coronavírus. O evento, transmitido on-line, foi mediado pelo neurologista da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor Científico da Apan, Acary Bulle.

Na ocasião, o infectologista Stefan Cunha Ujvari, autor de livros sobre a história da infectologia, traçou uma breve comparação entre o novo coronavírus, tendo como epicentro a cidade chinesa de Wuhan, que rapidamente se alastra pelo mundo, com outras doenças marcadamente significativas em memórias da humanidade.

A primeira globalização de transmissões ocorreu através do Império Romano. Roma conseguiu   unir o norte da Europa, norte da África e a região da Ásia. “Com isso, viveu sete grandes epidemias trazidas do continente africano e do continente asiático, dentre elas, o sarampo e a varíola. Ambas as doenças são originárias do continente asiático, através de vírus mutante de animais”, explicou.

A peste negra, uma das pandemias mais devastadoras registradas, ocorrida em 1348, século XIV, eclodiu na grande potência econômica comercial de Gênova e se expandiu por toda a Europa. Em dois anos, a doença matou um terço da população europeia – a estimativa é que cerca de 25 milhões vieram a óbito.

“No final do século, Veneza [outro importante entreposto comercial] não queria que a peste chegasse na sua cidade, porque isso era um caos para o comércio. Ela estabeleceu que todas as embarcações que chegassem em seu porto deveriam ficar em um número de dias afastadas, para se certificar se alguém ficaria doente neste intervalo. Como era uma república extremamente cristã, definiu 40 dias, porque em várias passagens bíblicas envolve 40 dias, 40 anos, por isso a palavra quarentena”, acrescentou o pesquisador.

Em outro período histórico, a varíola, o sarampo e a gripe, levados da Europa para o continente americano, dizimaram mais de 80% da população local de forma gradual, conforme ocorria o processo de colonização nos espaços territoriais.

E a febre amarela vinda para a região das Américas, uma infecção viral transmitida por uma espécie de mosquito comum, nasce no continente africano, se dissemina, primeiro em Barbados, no século XVII, com o tráfico negreiro, se instala na região do Caribe e somente no século XIX, se concentra no Brasil.

A intolerância ao diferente
Tanto em épocas passadas como na atualidade, as pessoas querem encontrar um culpado para as epidemias. “Da mesma maneira que hoje falamos que a cultura chinesa é responsável pela Covid-19 por se alimentar de animais exóticos, na peste negra, os culpados eram os judeus; a comunidade cristã acredita que eles envenenavam os poços e poderiam ser os responsáveis pela epidemia.”

“Na região da França e da Alemanha, houve uma perseguição maciça dos judeus, eles foram enforcados, queimados e afogados, ou era castigo de Deus por ter aceitado a comunidade judaica ou cientistas e profissionais da saúde acreditavam que eram os miasmas, os gases venenosos emanando da terra”, informou Ujvari.

O médico historiador reiterou que o termo influenza nasceu das teorias dos miasmas. Os italianos viam que, em todo o inverno, as pessoas eram acometidas por uma doença causada provavelmente pela influência dos ventos que vinha do Noroeste no inverno, começaram a chamar então de doença da influenza.

Dentro dessa globalização de doenças, da América e do Caribe para a Europa, também teve o surto de sífilis, a partir de 1494 pelos litorais europeus. “Novamente queriam encontrar os culpados, ninguém queria ter o nome da doença relacionada às relações sexuais em prostíbulos. Então, os espanhóis chamavam a doença de um mal francês, franceses chamavam de um mal napolitano e o napolitano chamava de um mal espanhol.”

Outro período triste historicamente é o movimento eugenista, quando se acreditava em uma “raça superior” e “raça inferior”, valorado no século XIX. “Foi uma ciência absolutamente precisa que se disseminou no hemisfério Norte. Teve até lei para esterilizar as pessoas ditas de ‘raça inferior’. Estima-se que 60 mil pessoas foram esterilizadas porque as autoridades não queriam que essa população se multiplicasse, vista como sinônimo de criminalidade, de preguiça, de atraso ao desenvolvimento de uma nação, de alcoolismo e das doenças”, relatou Ujvari.

Na história viral da Aids, nos anos 1980, a intolerância desta vez teve como foco os homossexuais.

Reprise histórico
“Falamos muito do risco da Covid-19 se alastrar pelas favelas onde há aglomerados da população empobrecida. Isso é uma reprise do século XIX, um período efervescente da industrialização da Europa do Norte, onde crianças trabalhavam mais de 12 horas por dia. Depauperadas, mal alimentadas e morando em situações deploráveis, foi a receita ideal para a disseminação das doenças respiratórias, marcadas pela difteria, coqueluche, tuberculose, sarampo, varíola e escarlatina, que as dizimavam. Muitas não chegavam aos cinco anos”, informou o infectologista.

A gripe espanhola de 1918 começa no interior dos Estados Unidos, em acampamento militar. Em seguida, torna-se obrigatório o uso de máscara ao longo das cidades e espaços públicos são fechados.

“No Brasil, fez-se pouco caso com a chegada da gripe, achava-se que era mais uma doença de ‘limpa velhos’, em razão da mortalidade ser maior entre os idosos, até que começou a crescer o número de mortes. Veio o pânico, a produção maciça de caixões, o aumento do número de cemitérios e a ajuda de grupos aos desempregados e menos favorecidos.”

Surgimento da vacina
Registros históricos apontam que a vacina surgiu no ano 1000, na China. Quando a varíola evoluía para crosta (casca) cutâneas, vírus não vivo, “pegavam a crosta, maceravam em pó e assopravam por uma vara de bambu na narina da criança, um tratamento extremamente eficaz. Porém, essa técnica chega de forma deturpada na Europa, nos anos 1700. Mergulhavam a agulha na lesão bolhosa da varíola, portanto, tinha vírus vivo, e riscava os braços das crianças, causando lesões e a própria doença”, relatou o pesquisador.

O método Cowpox teve como técnica pegar a doença do gado – vírus geneticamente parecido com o da varíola – permitindo a produção da imunidade cruzada, transformando-se em vacina.

Aqui no Brasil, destacou Ujvari, desde a chegada de D. João VI até a República, faziam-se vistas grossas para a imunização. “No momento em que foi obrigatória, virou revolta.”

Vacina Oxford/AstraZeneca
A médica Lily Yin Weckx, coordenadora do Crie-Unifesp e Professora da Disciplina de Infectologia Pediátrica do Departamento da Unifesp, responsável por coordenar o estudo clínico da vacina no Brasil, contou a experiências das imunizações desenvolvidas no País e aplicadas na população.

Primeiro, houve o surto da síndrome respiratória grave (Sars-CoV 1) em 2003, na Ásia, depois a síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers-CoV) e agora o novo Sars-CoV 2, muito semelhante ao primeiro, que causa a doença Covid-19. “Trata-se de um vírus que já se conhecia anteriormente, com algum conhecimento no desenvolvimento de vacinas para o Mers-CoV, por exemplo. Por isso, não começamos do zero, pelo contrário, somamos experiências anteriormente adquiridas”, reforçou a pesquisadora.

As plataformas principais no desenvolvimento das vacinas candidatas de Covid-19 são baseadas em nucleotídeos, subunidade, inativos, atenuados e vetores virais. “Todas as vacinas têm como alvo a espícula Spike (proteína S), onde o coronavírus faz a adesão na célula. O objetivo é usá-la para formar anticorpos que possam neutralizar e impedir a entrada do vírus nas células”, explicou Weckx.

A ChAdOx1 nCoV-19, conhecida popularmente como vacina de Oxford/AstraZeneca, do Reino Unido, é composta por adenovírus modificado não replicante e proteínas da espícula do novo coronavírus. Ao entrar no organismo, produz anticorpos para não entrada da infecção no ACE2.

A pesquisadora relatou que os estudos pré-clínicos já mostraram a imunogenicidade com uma ou duas doses em camundongos, primatas não humanos, furões e porcos. Outra análise importante: o adenovírus só é encontrado no local injetado, não se encontra em outros órgãos.

Assim, os estudos fase 1 em humanos, começaram em 23 de abril de 2020, com cerca de mil participantes, dividido em dois grupos: um que recebeu o ChAdOx1 e o outro a MenACWY, de 18 a 55 anos. Depois da aprovação da Anvisa, em 2 de junho de 2020, a fase 3 começou no Brasil.

“O País foi escolhido porque estava em uma curva ascendente desde março pela infecção. Essa situação epidemiológica favorece o estudo de fase 3, porque você precisa de uma circulação do vírus, de pessoas que se exponha a ele para saber se a vacina protege ou não”, esclareceu Weckx.

Ao todo, já participaram mais de 10.300 mil voluntários, com início na Unifesp de São Paulo, depois contou com participantes do Rio de Janeiro, de Salvador, Natal, Porto Alegre e Santa Maria. No plano global, cerca de 50 mil pessoas se voluntariaram.

Em linhas gerais, informou a coordenadora, “é um estudo que usou para recrutamento profissionais da saúde e adultos em atividades que envolvam alta exposição ao Sars-CoV 2, acima de 18 anos 55. À medida que os resultados fase 2 foram evoluindo, os testes ampliaram até os 70 anos, ao redor de setembro, outubro e novembro do ano passado”.

Dados já publicados mostram que a imunização é segura, com reatogenicidade aceitável, indução de imunidade humoral e celular e boosting que aumenta a resposta de anticorpos. E as reações locais e sistêmicas diminuem à medida que a idade avança. Não há hospitalização, casos graves ou eventos adversos neurológicos.

Vacina Coronavac
Os países que se destacam no desenvolvimento mundo afora na produção de vacina contra o novo coronavírus são Brasil, Inglaterra e Estados Unidos. São responsáveis por estudos clínicos em larga escala em fase 3 no mundo, esse lugar de destaque não está limitado só à vacina de Sinovac, de Oxford e Pfizer”, fez a abertura da exposição o diretor médico de pesquisa clínica do Instituto Butantan, Ricardo Palacios.

A produção da vacina Coronavac é uma associação entre o Instituto Butantan e a fabricante chinesa de medicamente Sinovac Biotech. As pesquisas fase 1 da vacina Sars inativada da Sinovac iniciaram em 2004. “Ela usa uma plataforma tecnológica muito bem conhecida, com várias décadas de uso em diferentes doenças infecciosas. Por isso, é muito tranquilo o processo de produção já consolidado, permitindo que a companhia avançasse de forma muito rápida no desenvolvimento da vacina, porque retomou estudos da epidemia de Sars”, disse Palacios.

A parceria com o Brasil iniciou em maio de 2020. Para tanto, as condições estabelecidas na negociação levaram em consideração o acordo clínico mútuo entre pares e a acessibilidade à imunização a toda população brasileira.

O acordo em conjunto foi assinado no dia 11 de junho. A partir daí, houve a primeira reunião regulatória com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), envio da documentação e aprovação no dia 6 de julho. O ensaio clínico iniciou no dia 21 de julho.

“Quero chamar atenção aqui tanto da Anvisa quanto da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgãos extremamente rigorosos na avaliação de todas essas informações, mas extremamente dirigentes em criar mecanismos e grupos de trabalhos especializados que conseguiram dar uma resposta rápida para toda essa documentação que apresentamos e fazer uma avaliação muito criteriosa. Posso garantir a vocês que a avaliação feita pela Anvisa faz é muito estrita, no mais alto nível”, elogiou o diretor médico.

A pesquisa envolveu aproximadamente 12.700 participantes e 700 pessoas de 16 centros de pesquisas de oito unidades federativas. “Lembrando que essas equipes estão trabalhando em situação de pandemia e se expondo ao vírus, colocando em risco as próprias seguranças porque sabem da importância que tem esse tipo de desenvolvimento. Por esse altruísmo, chegamos ao grande resultado que hoje temos”, acrescentou Palacios.

De acordo com os resultados em relação à segurança, o pesquisador informou que a diferença entre o grupo vacinado e o que recebeu o placebo são reações adversas e locais. Na segunda dose, as reações são restritas a dor local, maiores de 60 anos costumam ter pouca reação. Quanto às sistêmicas, não há diferenças significativas entre grupos de placebo e de vacinado.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) criou uma tabela para comparar os parâmetros de grupos que vão desde os não infectados aos casos de óbito, com pontuação de zero (não gravidade) a dez (gravidade máxima).

“A partir do quatro, são casos que temos mais interesse, porque são os de internação hospitalar, com a ocupação de quase 100% dos leitos de UTIs. Significa que uma pessoa com outra doença pode ter um leito negado. O impacto da doença, neste sentido, não está ligado unicamente a própria doença, mas o sistema de saúde como um todo”, alertou.

Do dia 21 de julho de 2020, quando iniciou o ensaio clínico, até o 17 de janeiro de 2021, data da primeira vacinação pública, se passaram 180 dias.

“A ciência brasileira permitiu ainda que autoridades regulatórias de 20 países, que representam mais de um quarto da população mundial, tivessem acesso a essa vacina. Foi possível com o impacto científico, o esforço dos participantes brasileiros, as nossas agências regulatórias e os estudos publicados em português. Quando a gente se une em torno de um propósito, conseguimos ir muito além das fronteiras”, celebrou o diretor médico do Instituto Butantan.