A saúde da população está realmente relegada ao segundo plano no Brasil. Um exemplo disso é a descabida ideia de criar planos supostamente populares, com cobertura limitada, em rota de colisão com as garantias obtidas pelos pacientes na Lei 9656/98.
A sugestão foi apresentada há alguns meses por representações de operadoras de saúde em reunião no Ministério da Saúde, com o aparente pretexto de discutir a elaboração de planos mais acessíveis, com redução de até 25% dos preços. Por trás dela, esconde-se a lógica cruel do lucro fácil, sem contrapartida social.
Na verdade, a concepção de tais produtos é uma espécie de Cavalo de Tróia. Em seu bojo, esconde-se a possibilidade das operadoras lançarem planos somente para o atendimento ambulatorial, excluindo urgência e emergência, hospital-dia, e uma gama de terapias e exames.
O cidadão mais desavisado, em consequência das dificuldades de acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), certamente tenderá a adquirir tais produtos, crente de que sempre receberá assistência de qualidade e para tudo. Ledo engano. Na primeira oportunidade em que necessitar de um atendimento mais complexo, bem no momento em que estiver mais debilitado, descobrirá que caiu em um conto do vigário. Tudo isso sobre o patrocínio de maus empresários e de autoridades, no mínimo, equivocadas.
Trata-se da chamada mercantilização da saúde, pautada no desdém com o bem estar das pessoas e na exploração do trabalho de médicos e outros profissionais da equipe multidisciplinar.
Planos de saúde já deixam a desejar há muito, fenômeno evidenciado pelo acúmulo de queixas registradas no Procon-SP: 1.447 só em 2015. Em quatro anos, somam-se 8.104 reclamações referentes a coberturas negadas.
A vítima principal em toda essa história é o brasileiro honesto e trabalhador que sustenta o País à base de um dos mais elevados tributos do mundo. Ilude-se aquele que acredita que, por meio do lançamento desta alternativa dos planos populares, os pacientes serão escoados do Sistema Único de Saúde hoje responsável pelo atendimento de cerca de 150 milhões de brasileiros. Na realidade serão lançados em aventura com potencial de gerar riscos importantes aos cidadãos, acumulando os procedimentos mais caros (os de alta complexidade) na conta do SUS.
Em um momento de crise econômica e índices crescentes de desemprego, os olhos de todos deveriam estar voltados ao aprimoramento da rede pública primária. Assistência digna a todos está prevista na Constituição Federal. Negar este dever é sinal claro de irresponsabilidade, bem como de fragilidade frente às pressões do mercado de operadoras.
Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica