Cerca de 300 pessoas, entre congressistas e palestrantes, participaram da 17ª edição do Congresso Paulista de Medicina do Sono, realizado pelo Comitê Científico de Sono da Associação Paulista de Medicina nos dias 3 e 4 de maio, no Milenium Centro de Convenções, em São Paulo. “A nossa proposta é que este encontro já tradicional seja um curso que fala com todas as áreas focadas em funções, distúrbios e impactos do sono e especialidades médicas”, ressalta a presidente do evento e coordenadora do Comitê Científico de Sono da APM, Rosa Hasan.
Abordagem do paciente pediátrico, síndrome das pernas inquietas, cronobiologia, interface entre sono e distúrbios respiratórios, atualização em Otorrinolaringologia, métodos diagnósticos (fenótipos da AOS em polissonografia, insônias e transtornos de ritmo circadiano, investigação das parassonias), clock genes, efeitos dos medicamentos no sono, insônia e casos clínicos foram os temas debatidos nos dois dias de Congresso.
“Há dois anos, os pesquisadores que descreveram os genes do sono ganharam o Prêmio Nobel. Não é um estudo da ciência clínica, mas da ciência básica. Além disso, tivemos a conferência sobre o histórico e o futuro clínico das pernas inquietas”, explica Rosa, a respeito das novas discussões trazidas para o evento.
“Escolhemos temas que interessem a clínicos, psiquiatras, neurologistas, otorrinolaringologistas, pneumologistas, geriatras e pediatras, entre outras áreas médicas, que imbricam nos problemas do sono. Então, é um Congresso voltado tanto às pessoas que ainda não possuem conhecimento mais aprofundado quanto aos próprios especialistas que vêm trocar informações”, acrescenta a presidente.
Síndrome das pernas inquietas
A síndrome das pernas inquietas é uma condição caracterizada pelo impulso incontrolável de mover as pernas, que se manifesta predominantemente nos momentos de repouso, geralmente à noite.
“Falamos de fisiopatologia, apesar de que, na verdade, ainda desconhecemos a causa. Há algumas atribuições, como deficiência de ferro, composição genética, entre outros argumentos. Então, há uma excitabilidade do sistema nervoso central, para a qual ainda não temos uma explicação comprobatória, se é autoimune ou informatória”, explica o neurologista Geraldo Rizzo.
A doença acomete principalmente mulheres jovens, com taxas de duas ocorrências para uma em relação ao sexo masculino. “O que tentamos fazer com a apresentação aqui hoje foi mostrar para os profissionais, que não precisam ser necessariamente um neurologista, poderem clinicar o paciente, desde que tenham conhecimento da fisiopatologia.”
Em trabalho recente, o especialista do Centro de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento em Porto Alegre, também sócio-diretor do Instituto de Neurofisiologia Clínica e diretor médico do Laboratório de Sono Sonolab, divulgou aos profissionais da Saúde do interior de São Paulo material informativo de diagnóstico e tratamento da doença. “Temos o papel de educar o médico para essa realidade, e a imprensa nos ajuda divulgando para a sociedade de maneira geral”, acrescenta.
Relógios biológicos
“Inúmeros organismos utilizam-se de variáveis ambientais como fotoperíodo, temperatura, precipitação pluviométrica e disponibilidade de alimento para regular processos fisiológicos, como hibernação, reprodução e termorregulação”, define a pesquisadora Fernanda Pizão Farhat.
“É um grupo de genes que permite que as células marquem 24 horas, um ajuste às condições ambientais do planeta que se expressam em um dia. Dessa forma, alterações metabólicas da célula vão estar acopladas às alterações do ambiente”, elucida o congressista Mario Pedrazzolli. Em outras palavras, de acordo com o professor livre docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, o organismo sempre se adapta ao ambiente. “É a base de ser um organismo, além de antecipar o ajuste temporal aos fenômenos da natureza.”
Hoje, os avanços dos estudos da área são basicamente a capacidade de se detectar mutações gênicas ou polimorfismos genéticos. “Tem como potencial de ser usado na Medicina preventiva. Ou seja, a partir dos genes e das possibilidades de ajuste temporal das pessoas, podemos não resolver, mas antecipar o aparecimento de problemas”, informa o pesquisador.
Peculiaridades brasileiras
Parte do território brasileiro fica próximo à Linha do Equador. Nessa área, o dia e a noite duram sempre 12 horas, gerando uma informação temporal de estabilidade ambiental ao longo do ano. Ao mesmo tempo, outra parte fica distante da linha, o que gera um padrão de claro e escuro que oscila razoavelmente no decorrer do ano.
“Populações vivendo nestes dois lugares apresentam metabolismos diferentes. Isso se expressa no corpo delas, no comportamento que conhecemos de forma anedota dos tipos brasileiros”, pontua Pedrazzolli.
Os habitantes do Nordeste, de forma geral, tendem a dormir e acordar mais cedo. No Sul, a dormir e acordar é mais tarde. “Dormir seis horas em Maceió é menos prejudicial do que em Porto Alegre”, compara.
Em São Paulo, intermediário entre os dois fenômenos, há um elemento quando se fala da grande metrópole, que mascara acentuadamente o ciclo claro e escuro natural. “Há pessoas que saem de manhã para o trabalho, ainda com o ambiente noturno, entram na claridade do metrô, ficam no escritório onde não veem a claridade solar, depois vão para casa e ficam com a luz acesa à noite. O contraste do claro e escuro – importante para a regulação do sistema no tempo – diminui”, alerta.
“As principais consequências médicas disso são obesidade, distúrbios psíquicos e câncer”, conclui Mario Pedrazzolli, que é pesquisador em Genética dos Ritmos Circadianos, Genética e Fisiologia do Sono normal e patológico e Sono e Cultura.
Texto: Keli Rocha
Fotos: BBustos Fotografia