“Dicas para dormir melhor ajustando o relógio circadiano” foi o tema do décimo e último encontro da série Sleep Talks, promovida pela Associação Paulista de Medicina e transmitido em seu perfil no Instagram. Desta vez, a reunião virtual, mediada pela presidente do XVIII Congresso Paulista de Medicina do Sono, Andrea Toscanini, contou com a participação do 1° secretário do Comitê Científico de Sono da APM, Maurício Bagnato.
O relógio circadiano é o mecanismo que dita o funcionamento de 24 horas do nosso organismo. “Temos um núcleo central no supraquiasmático, principal ditador desse ritmo para outros núcleos periféricos em órgãos que temos, além de uma modulação circadiana.
De forma didática, costumo dizer que temos três relógios: um endógeno, para o funcionamento intrínseco metabólico, de secreção hormonal, frequência cardíaca e temperatura; um ambiental, com exposição à luz natural e ao ritmo e à temperatura planetária; e o relógio social, hábito que impomos em função das atividades sociais, trabalho, família, esporte, lazer, etc”, introduziu a médica do sono.
Segundo ela, é fundamental entender o funcionamento desses três relógios e a necessidade de estarem alinhados para uma boa qualidade do sono. No entanto, com a pandemia, estudos apontam que o ser humano tem se submetido cada vez mais à luz artificial, durante a noite, dormido e acordado tarde, com menos exposição à claridade natural.
“Isso influencia de forma negativa no sono, com aumento significativo de muitos casos de ansiedade e depressão. Em específico, adolescentes, que já possuem naturalmente um atraso na fase do relógio circadiano, tiveram a qualidade do descanso ainda mais afetada, trocando a luz natural pela luz artificial com uso maior de aparelhos eletrônicos”, informa Bagnato.
Estudos apontam também atraso de fase nos adultos. Com o relógio um pouco atrasado, há um aumento de ingestão calórica de alimentos ultraprocessados, com tendência a ganho de peso. Ou seja, isso faz com que eles se alimentem de uma forma muito pior e menos seletiva. Quando entra no espectro da apneia que atinge, sobretudo, essa faixa etária, está instaurada uma bomba relógio no organismo, porque mexe na nossa imunidade metabólica, insulínica e de sobrepeso”, acrescenta o especialista.
Outros dados
Sobre os idosos, de acordo com o pesquisador, além do distanciamento social, houve também aumento de peso, agravamento das doenças crônicas, de sintomas de dor e doenças psicológicas.
“Sabemos que o Brasil é um país pobre, com disparidade social alarmante. Para as pessoas mais suscetíveis à vulnerabilidade, a qualidade do sono foi muito impactada com a ambientação ruim, muitas pessoas vivendo em espaço pequeno, ruídos e barulhos”, acrescenta.
O professor Charles Morin, da Universidade Laval (Canadá) – referência em estudos sobre o índice de gravidade de insônia no mundo -, em monitoramento de 1500 pessoas durante a pandemia, mostrou um aumento estatístico da insônia de 20% a 35% e de depressão de 25% a 50% no período.
“São dados ainda não publicados, mas que revelam o crescimento dos quadros de ansiedade e de depressão. Mesmo as pessoas dormindo mais tarde e com tempo maior de cama, a eficiência e a qualidade do sono diminuíram. Há ainda um desequilíbrio imunológico em toda parte cognitiva, mexendo com o nosso metabolismo. Em médio e longo prazos, teremos pessoas com doenças neurodegenerativas”, alerta Bagnato.
Os cochilos durante o dia e o aumento no consumo de álcool também foram observados nos estudos, impactando no descanso noturno. “A crise sanitária piorou a saúde pública de maneira geral, com o agravamento de doenças crônicas, dor, falta de ambientação saudável e crescimento de casos depressivos e de ansiedade”, resume o 1° secretário do Comitê Científico de Sono da APM.
Higienização do sono
“Se eu preciso acordar às 6 horas, mas vou para a cama às 2 horas da manhã, com ritmo de acordar às 10 horas, desalinho a minha qualidade de sono. E se quero, durante o período da noite, ir ao supermercado e à academia, com maior exposição à luz artificial, estou desalinhando o relógio ambiental com o meu endógeno. É importante conhecer o papel da rotina a que estamos expostos, mesmo havendo flexibilizações. Em outras palavras, a nossa rotina social dita um ritmo que pode ser benéfico ou maléfico”, exemplifica a presidente do Congresso da APM.
A médica do sono reitera ainda a importância de implementar dicas para dormir melhor e higienização do sono, como, por exemplo, abaixar a claridade noturna artificial com o uso de luz incandescente de abajur e vela.
“O sol é o principal sincronizador de ritmos que temos, com o comprimento de 25% de onda azul. As lâmpadas florescentes têm 15% de comprimento de onda azul; as leds têm 20%. Estamos estimulando aos extremos a inibição da melatonina e atrasando essa secreção. As incandescentes têm 5%, mas consomem muita energia. Vela não tem luz azul e não atrapalha o nosso relógio sincronizador”, complementa.
“Entre os trópicos, há muita luz. Então, vamos aproveitar a nossa luz natural em detrimento da artificial”, conclui Bagnato.