Jefferson Gomes Fernandes – Telemedicina: uma grande oportunidade para a saúde no Brasil

Cenário: Dr. Pedro, neurologista, no consultório, acessando seu sistema de videoconferência para conversar com uma de suas pacientes. Dona Dulce, com 70 anos de idade, está no conforto de sua casa, em frente ao computador, recuperando-se de um acidente vascular cerebral.

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Cenário: Dr. Pedro, neurologista, no consultório, acessando seu sistema de videoconferência para conversar com uma de suas pacientes. Dona Dulce, com 70 anos de idade, está no conforto de sua casa, em frente ao computador, recuperando-se de um acidente vascular cerebral.

(Dr. Pedro) – Dona Dulce, como está a senhora?
(Dona Dulce) – Melhor, já consigo caminhar mais segura e movimentar melhor meu braço esquerdo.
(Dr. Pedro) – Percebo que sua fala está bem mais compreensível. Deixa eu ver: levante os dois braços, na altura dos ombros, com as mãos para cima e fique assim … isto!
– Muito bom! A queda do braço esquerdo já é bem menor! Agora veja o que eu vou fazer … faça igual, movimente as mãos para baixo e para cima … Ótimo! Boa coordenação!
Dr. Pedro avalia sua paciente, utilizando componentes da Escala de AVC do NIH e da Escala modificada de Rankin, e observa que ela está bem melhor do que quando a viu na internação hospitalar.
(Dr. Pedro) – Dona Dulce, estou vendo as imagens da ressonância magnética de controle que a senhora fez ontem …  sua recuperação está indo muito bem!

Após conversar com a paciente e com sua filha, conferindo se a medicação está sendo utilizada da maneira correta, o Dr. Pedro dá as orientações adicionais e marca a próxima visita virtual.

O próximo paciente do Dr. Pedro é o senhor João, 65 anos de idade, hipertenso, de difícil controle, tabagista, cardiopata e com DPOC. O Sr. João teve um AVC isquêmico três meses antes e voltou para sua cidade de origem.

Ele está sendo monitorado por um sistema de dispositivos de fácil uso, que mensura, de forma intermitente, seus sinais vitais: frequência cardíaca, ECG, oximetria e pressão arterial. Os dados são enviados para uma plataforma na “nuvem” e o Dr Pedro pode acessa-los em seu tablet ou smartphone, avaliando o comportamento destes sinais em longos períodos de tempo. Desta forma, ele consegue ter um “filme” do paciente e não apenas “fotos”, o que facilita suas tomadas de decisão.

Os cenários acima são realidade em muitos países (nos cinco continentes) e refletem algumas das inúmeras utilizações e facilidades da Telemedicina.

A Telemedicina tem sido definida como a “oferta de serviços de cuidados à saúde a distância, utilizando as tecnologias de informação e comunicação, para a troca de informações válidas na promoção e prevenção à saúde, diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças e para a educação, pesquisa e gestão em saúde” (OMS, 1999).

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Modalidades da Telemedicina
Teleconsulta: realização de consulta médica a distância por meio de tecnologia de informação e comunicação (TIC), registrada, entre profissional de saúde e paciente

Teleconsultoria: consulta realizada, e registrada, entre médicos, por meio de instrumentos de TIC bidirecional, com o fim de esclarecer dúvidas sobre procedimentos clínicos, ações de saúde e questões relativas ao processo de trabalho, podendo ser de dois tipos: síncrona, realizada em tempo real, geralmente por web, videoconferência; ou assíncrona, realizada por meio de mensagens off-line.

Telediagnóstico: serviço que utiliza as TICs para realizar serviços de apoio ao diagnóstico (laudos registrados) através de distâncias geográficas e/ou temporais, incluindo diversos subtipos como Telerradiologia, TeleECG, TeleEEG, Tele-espirometria, Telepatologia, geralmente de forma assíncrona.

Telemonitoramento: monitoramento a distância de parâmetros de saúde e/ou doença de pacientes por meio de TICs, incluindo a coleta de dados clínicos do paciente, sua transmissão, processamento e manejo por um profissional de saúde por meio de um sistema eletrônico.

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São inúmeras as modalidades e aplicações da Telemedicina (ver quadro acima). A teleconsulta (médico-paciente) tem seus primeiros relatos originados em 1956, na Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, na especialidade de Psiquiatria. Hoje, são inúmeros os países que a utilizam em seus sistemas de saúde, em praticamente todas as especialidades médicas. No Brasil, normas do Conselho Federal de Medicina ainda impedem a sua prática (Resolução 1.643/2002).

Tem sido demonstrado, através de publicações científicas, que a Telemedicina pode trazer resultados importantíssimos, tais como o aumento do acesso aos serviços de saúde, incremento à resolubilidade das necessidades das pessoas e redução dos custos dentro dos sistemas de saúde. Tudo isto podendo ser feito com segurança e qualidade, desde que implementados de forma planejada, responsável e com uma gestão adequada.

Em nosso País, com suas dimensões continentais e limitações do acesso da população não só aos especialistas e a exames diagnósticos, mas também a profissionais de atenção primária à saúde, a Telemedicina pode trazer contribuições inestimáveis aos usuários do Sistema Único de Saúde.

A saúde suplementar também pode se beneficiar, e a evidência para tal vem do que ocorre nos Estados Unidos. A maioria das operadoras de saúde americanas possuem serviços de Telemedicina em seus sistemas, sejam próprios ou terceirizados, oferecendo aos seus usuários as mais diversas soluções. Entre elas, a Kaiser Permanente e o United Health Group já têm uma experiência consolidada, com resultados mensuráveis, e expansão progressiva de suas ofertas em Telemedicina.

Uma demonstração da maturidade do mercado de Telemedicina nos Estados Unidos são os eventos anuais da American Telemedicine Association que, no ano passado, teve próximo de 6.000 participantes e mais de 500 empresas expositoras.

O mercado global da Telemedicina, incluindo hardware, software e serviços, foi avaliado em US$ 17,8 bilhões em 2014, sendo estimado um crescimento anual de 18,4% até 2020. A Mordor Intelligence avalia que o mercado global de Telemedicina superará os US$ 30 bilhões em 2020. Empregadores nos EUA podem economizar até US$ 6 bilhões por ano ao prover serviços de Telemedicina aos seus empregados. Em um estudo do Geisinger Health Plan (EUA), a readmissão de pacientes participantes de um programa de Telemedicina foi reduzida em 44% em 30 dias, quando comparados com os que não participaram deste programa.

O interesse e a adesão das pessoas a serviços de Telemedicina também foram estudados e, em torno de 74% dos pacientes nos EUA usariam serviços de Telessaúde. Avaliando os benefícios da Telemedicina, um estudo mostrou que para 21% dos pacientes, o mais importante foi não ter que viajar para consultar os médicos, enquanto 20% disseram ser a possibilidade de serem cuidados em suas próprias casas.

Um aspecto relevante é como os médicos podem ser remunerados por suas consultas por Telemedicina. Existem vários modelos sendo utilizados nos Estados Unidos, pelas operadoras de saúde, a partir de critérios estabelecidos para a prestação de serviços e sua forma de execução e controle. Entre outras maneiras, estes serviços médicos de Telemedicina podem ser prestados através de hospitais, empresas ou de forma privada.

Fundamentais são os aspectos técnicos e éticos. Para uma Telemedicina responsável, é necessário o estabelecimento de normas éticas que tragam segurança aos cuidados médicos a distância. O profissional médico deverá decidir quando e em que circunstâncias a consulta virtual não poderá ser realizada, recomendando o atendimento presencial.

Existem vários aspectos da Telemedicina que precisam ser considerados e que podem ser encarados como desafios. Ela traz uma ruptura da relação médico-paciente tradicional. Isto, associado à falta de experiência com o seu uso, tende a gerar uma resistência dos médicos em adotar novas tecnologias em sua prática profissional.

Desta forma, é necessário um trabalho de mudança progressiva de cultura para a utilização desta tecnologia, o que nem sempre é fácil ou rápido. Por outro lado, são necessárias evidências de segurança, eficácia e de efetividade para a incorporação das diversas práticas de Telemedicina. Desta forma, torna-se importante a geração de oportunidades de discussão, disseminação de conhecimento e troca de experiências, principalmente com quem trilha ou já trilhou estes caminhos, para o desenvolvimento da Telemedicina em nosso País.

No Brasil, a modalidade de Telerradiologia tem tido uma expansão significativa, pois possui normas específicas emitidas pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM Nº 2.107/2014), que delimitam sua utilização. A teleconsultoria (médico-médico), dentro da prática ética usual de segunda opinião médica, começa a ter um crescimento em nosso País.

Um exemplo disto é o projeto de TeleAVC realizado pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo, dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI-SUS). Neste projeto, realizado entre agosto de 2012 e junho de 2015, foi disponibilizado um suporte por neurologistas aos médicos plantonistas de serviços de emergência de diversos hospitais públicos no Brasil, para o atendimento de pacientes com acidente vascular cerebral agudo.

Através de teleconsultorias, realizadas 24h/dia, 7 dias/semana, a partir de central de Telemedicina no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, os casos de AVC agudo, de qualquer etiologia, receberam orientações especializadas para seu diagnóstico e terapêutica. Foram realizados treinamentos “in loco” em cada hospital, ao início do projeto, o que incluiu a implantação de protocolos clínico-assistenciais para o AVC, além de curso de educação a distância (EaD), disponível continuamente a todos profissionais destes hospitais.

Uma observação interessante é que este foi o primeiro hospital no Brasil a contratar neurologistas, como celetistas, para prestarem, exclusivamente, serviços de Telemedicina, uma potencial janela de mercado para nossos médicos, como já ocorre em outros países. Participaram deste projeto oito hospitais públicos das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste e os resultados foram muito positivos. Comparando os indicadores de antes e depois da intervenção com o TeleAVC, observou-se uma importante queda da mortalidade intra-hospitalar, de mais de 20%, uma redução significativa das complicações clínicas e do tempo de permanência hospitalar, além de um aumento do uso da trombólise endovenosa para os casos pertinentes de AVC isquêmico. Estes resultados mostram o impacto potencial que programas de Telemedicina podem ter para o SUS, oportunidades que não podem ser perdidas em nosso País.

Um programa importantíssimo implantado no Brasil é o Telessaúde Brasil Redes, iniciado de forma piloto pelo Ministério da Saúde em 2007 e consolidado em 2011. Desde seu início, teve como objetivo fortalecer as Equipes de Saúde da Família (ESF), com base na oferta de uma ‘segunda opinião for­mativa’ e outras ações de capacitação.

O Telessaúde Brasil Redes proporciona aos profissionais das Redes de Atenção à Saúde (RAS), no SUS, os serviços de Teleconsultoria (síncrona e assíncrona); Telediagnóstico; Segunda Opinião Formativa (respostas sistematizadas, a partir de critérios de relevância e pertinência, com base nas melhores evidências científicas, a perguntas originadas das teleconsultorias, disponibilizadas na Biblioteca Virtual de Saúde); e Tele-educação (conferências e cursos em EaD).

Este programa é integrado por gestores da Saúde, instituições formadoras de profissionais de Saúde e serviços do SUS, sendo constituído por Núcleos de Telessaúde em instituições de Saúde, responsáveis pela formulação e gestão dos serviços e por pontos de Telessaúde a partir dos quais os profissionais do SUS demandam os serviços oferecidos pelo programa.

O Telessaúde Brasil Redes tem sido um importante instrumento para ampliar e facilitar o acesso às ações de Saúde, aumentar a resolubilidade da atenção primária à saúde, além de favorecer o aprimoramento das estratégias de educação permanente, principalmente em locais onde há escassez de profissionais e grandes distâncias para acesso aos procedimentos oferecidos pelo SUS. Também contribui com a diminuição de filas de espera, favorecendo o uso de protocolos e a função gestora de regulação, desempenhando, ainda, papel significativo para a redução dos custos de serviços.

Os leitores deste artigo devem ter notado que utilizamos um outro termo: Telessaúde. Este, em realidade, pode ser utilizado de forma intercambiável com o de Telemedicina. Algumas definições, entretanto, referem que Telessaúde inclui atividades voltadas para a promoção e prevenção à saúde, ações em nível populacional ou de sistemas de saúde e o envolvimento dos demais profissionais da área.

Telemedicina seria mais para as ações médicas. Desta maneira, torna-se necessário entendimento na descrição e definição das várias formas de serviços e atividades em Telemedicina/Telessaúde, pois uma nomenclatura comum irá beneficiar o avanço e uso destas ferramentas. Isto é importante ressaltar: a Telemedicina é uma ferramenta, um meio para ajudar a atingir os melhores resultados nos cuidados à saúde das pessoas. Este “arsenal” de ferramentas inclui hoje robôs, plataformas e soluções digitais, dispositivos, sensores, vestíveis, inteligência artificial, aprendizado de máquina e muitas outras coisas que passaram a ser chamadas de “Internet of Medical Things” (IoMT)!

Cabe contar aqui uma conversa que uma colega médica teve com outro, há poucos anos, tentando convence-lo a utilizar o sistema de prescrição eletrônica que estava sendo implantado no hospital. Um pouco cansada das argumentações, soltou: “Fulano, você conhece a história da evolução das espécies, não é?! Pois então sabe que as que não se adaptaram, se extinguiram!”

Pois é, colegas, este caminho digital não tem volta!

Para evoluir em seus conhecimentos, programe-se para participar de uma iniciativa excepcional da Associação Paulista de Medicina que, junto com o Transamérica Expo Center, realizará um evento internacional de alto nível, o Global Summit – Telemedicine & Digital Health, entre os dias 4 e 6 de abril de 2019, no Transamerica Expo Center, em São Paulo.

Dr. Jefferson G Fernandes

Jefferson Gomes Fernandes, neurologista e superintendente de Educação, Pesquisa e Inovação do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Artigo publicado na Revista da APM 698 – abril 2018
Foto: Divulgação