Em 1968 quando o Professor Zerbini realizou o primeiro transplante de coração da América Latina, o sexto do mundo, no HC-FMUSP, havia muita controvérsia em relação ao diagnóstico de morte cerebral. Todo o tratamento era muito incipiente, assim como, a estrutura das Unidades de Terapia Intensiva, a preservação do órgão fora do corpo e mais crítico ainda para o sucesso dos transplantes era a imunologia, pois se conhecia muito pouco sobre rejeição e havia poucos medicamentos capazes de combate-la.
Felizmente nestes 50 anos, várias questões já foram resolvidas ou no mínimo aprimoradas. O Brasil é o segundo país em número de transplantes e dispõe do maior programa público do mundo.
Dispomos de uma das mais ativas e reconhecidas entidades voltadas para o desenvolvimento do sistema de transplante, a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), cuja Presidência eu tive a honra de assumir em janeiro de 2018. Nesses 32 anos se caracterizou por inúmeras contribuições dentre as quais se destacam iniciativas voltadas para aumentar a segurança do procedimento.
Nossa legislação é uma das mais equânimes garantindo que todos os candidatos tenham igual oportunidade. Para que a doação aconteça, é necessária a confirmação da morte cerebral independente por 2 médicos não pertencentes às equipes transplantadoras, exige-se um intervalo de tempo mínimo entre as avaliações e exames diagnósticos.
Após a confirmação da morte cerebral e autorização da família tem início a “sequência do processo de doação” que envolve a Central de Transplantes, em âmbito federal, e suas congêneres em cada estado. Estas se constituem na interface para distribuição dos órgãos aos diferentes centros transplantadores.
Os potenciais receptores são inscritos em filas únicas estaduais nas quais os critérios de prioridade, baseiam-se na gravidade do estado geral, no tempo em lista e na compatibilidade com o doador.
Porém, muito ainda há que ser feito para avançarmos, a começar pelo aumento na identificação de potenciais doadores. Temos que incorporar na mentalidade dos profissionais que trabalham nas unidades de tratamento ao paciente crítico a importância do diagnóstico da morte cerebral e a assistência diferenciada que o potencial doador necessita.
Juntamente com a imprensa, devemos divulgar dados sobre a segurança de todo o processo de transplante no Brasil, de maneira a incentivar a doação. Além disso, devido às nossas dimensões continentais, devemos aperfeiçoar a logística de todo o sistema proporcionando a interação de diversos tipos de transporte para que a captação ocorra de forma segura e rápida.
Precisamos de ajustes na remuneração dos hospitais e das equipes transplantadoras. Necessitamos de um olhar solidário da Agencia Nacional de Saúde (ANS) e das empresas de saúde suplementar no sentido de dar ao paciente conveniado o suporte para o transplante caso ele o necessite. A melhora do financiamento é fundamental para garantir a sustentabilidade do sistema.
O incentivo para a continuidade e para o avanço do nosso trabalho é inequívoco. Temos como foco os mais de 30.000 brasileiros em lista de espera – número que certamente é maior, devido a subnotificação de casos, a falta de diagnóstico adequado e dificuldade de acesso aos centros de tratamento de alta complexidade. É para eles que dedicamos os próximos 2 anos de nossa gestão à frente da ABTO.
(Paulo Pêgo Fernandes é Presidente da ABTO e Professor Titular da FMUSP)