Cuidados Paliativos são a nova fronteira da Medicina

Por Marcos Cabello dos Santos, ginecologista, obstetra e diretor de Comunicações da APM

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Uma vez, ouvi de um grande amigo que a função da Medicina é acrescentar vida aos anos dos pacientes. Eu diria que o que entendemos por vida – a capacidade de se relacionar, interagir e, de alguma forma, transformar a nossa própria história e a das pessoas no nosso entorno – só deve existir, e isso eu aprendi em vários anos de prática médica, se isso realmente puder ser feito com dignidade.

Cuidados paliativos, “paliar” vem daquele termo que significa “abrandar”, “amenizar”, “atenuar”, e eu acrescentaria, inclusive, “acolher”. Com o avanço da Medicina e da Ciência, houve um aumento da expectativa de vida. Hoje, no Brasil, nós estamos com uma expectativa de 75.5 anos, com o acréscimo de quatro anos a mais para mulheres. Em Mônaco, por exemplo, essa expectativa de vida é de 89.5 anos, segundo a OMS, em 2022.

A questão dos cuidados paliativos, para se ter uma ideia, iniciou-se no Reino Unido, na década de 1960, com a médica, enfermeira e assistente social Cicely Saunders, que havia cuidado de David Tasma, paciente que, aos 40 anos, recebeu uma colostomia paliativa por um câncer retal inoperável. Isso criou um momento na Medicina e na forma de cuidar, uma vez que ela deixou de ser curativa e passou a ser acolhedora. É uma assistência médica de cuidar quando não se é mais possível curar.

Em 1967, o Hospital Saint Christopher’s Hospice, de Londres, foi o primeiro serviço no mundo voltado aos cuidados paliativos, com uma equipe multiprofissional de voluntários, médicos e enfermeiros, com um tratamento voltado à assistência do ser humano, não apenas a sua doença. Uma abordagem psicossocial e espiritual, com apoio também à família e aos envolvidos no processo. Em 1974, os cuidados paliativos passaram a ser adotados pela OMS, com o objetivo de proporcionar a melhor qualidade de vida possível para o paciente. No Brasil, os paliativos tiveram início em 1983, quando foi fundado o serviço de Cuidados Paliativos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Em 1986, o mesmo serviço foi fundado na Santa Casa de São Paulo. De lá para cá, houve uma série de avanços, a mais recente delas, em 07 de maio de 2024, por meio da Portaria Nº 3.681, em que o Ministério da Saúde instituiu a atual política nacional de cuidados paliativos no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Isso mostra que esta prática assistencial veio para ficar e deve ser discutida em todos os níveis da Medicina, não só por algumas especialidades. Temos, no País, vários colegas que estão trabalhando nisso, como a doutora Ana Cláudia Quintana, geriatra da USP, que tem desenvolvido um trabalho fantástico de levar essas informações para o público. Diante disso, a Associação Paulista de Medicina não poderia, de maneira nenhuma, deixar de se posicionar neste momento em que está sendo feita esta discussão ampla para a sociedade.

Para se ter uma ideia, estima-se que no Brasil existam em torno de 655 mil pessoas necessitando de cuidados paliativos, 33 mil delas são crianças. Portanto, a expectativa seria a criação de mais ou menos 1.300 equipes matriciais, que proporcionariam treinamento em hospitais públicos e privados, para, assim, dar um atendimento humanizado, amplo e multiprofissional aos pacientes.


Marcos Cabello dos Santos, ginecologista, obstetra e diretor de Comunicações da APM (CRM-SP 57.205 | RQE-SP 70342)