O futebol profissional tornou-se grande negócio, no qual tudo importa, menos quem joga. O protagonismo fica com emissoras de televisão, patrocinadores de toda natureza, empresas de material esportivo, “cartolas” dos grandes clubes, etc.
Dos gramados dos estádios ao campo da Saúde, o cenário é semelhante. Aqui jogariam pacientes e médicos, mas lhes têm sido dado, quando muito, o papel de figurantes.
A bola da vez é a incorporação de novas tecnologias. Seriam, entre outros fatores, segurança, eficácia e custo da tecnologia seus determinantes principais. Dos citados, resta forte impressão que o foco da atenção é o terceiro. Justifica-se isso com observações desgastadas como “os recursos são limitados…”, “a saúde não tem preço, mas tem custo…” e variantes. Não há como contestá-las.
Sim, mas quem decide o que há de se incorporar? Onde investir os parcos recursos disponíveis? Nessa discussão, não se ouve a voz dos pacientes – que pagam os impostos e as duras mensalidades dos planos, que financiam a atenção à sua saúde – nem a de seus médicos, que têm a obrigação ética de defendê-los.
No sistema público de saúde, integrante do Ministério da Saúde, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec) tem a responsabilidade (conferida pela Lei nº 12.401/2011) de incorporar ou excluir tecnologias, além de definir protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.
No sistema suplementar, tal papel cabe à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de acordo com a Lei nº 9,961/1999. É ela que determina inclusão ou exclusão de procedimentos e suas diretrizes de utilização, assim referendando as intervenções passíveis de cobertura.
Não se tem aqui qualquer intenção de questionas a legitimidade da regulação neste campo ou qualificá-lo como “intromissão indevida” do Estado. Ela é legítima e fundamental. Não se pode deixar simplesmente ao livre mercado a incorporação de tecnologias em Saúde. Exige-se aqui consistente regulação, desde que voltada aos interesses legítimos dos envolvidos, os pacientes, e alicerçada na qualificação técnica de seus médicos.
Já que mencionado o obscuro ator deste drama, o médico, ainda que fossem incorporadas tecnologias a partir das melhores evidências, valeria e muito considerar que a escolha errada de alternativas diagnósticas ou terapêuticas implicaria comprometer os resultados: diagnóstico errado ou tardio e eventos adversos.
Faz-se mister, por coerência, ter com a formação médica o mesmo cuidado dedicado à novas tecnologias. Afinal, quem estabelece o diagnóstico decide qual recurso usar, quando e como fazê-lo, é o médico.
Entretanto, inexiste, hoje no Brasil, qualquer cuidado em qualificar a formação médica. Das 340 faculdades de Medicina autorizadas, pairam sérias dúvidas sobre a qualificação de bem mais de duas centenas.
Deixa-se a educação médica aos sabores do mercado do ensino. Sem mesmo considerar os 65 mil alunos que hoje gravitam nas tantas “vendas de diplomas” de países fronteiriços, que vêm de ter facilitada revalidação no Brasil.
Aliás, as recentes e lamentáveis manobras do Congresso Nacional, acrescentando emendas espúrias ao programa ‘Médicos pelo Brasil’, são evidência irrefutável da prevalência do populismo e da corrupção nessa área…
No País do futebol, a Saúde do cidadão segue perdendo de goleada.
Matéria publicada na edição 716 da Revista da APM – Dezembro 2019