Protagonismo vacinal

Instituto Butantan avança na produção da imunização contra a dengue, que em breve deve estar disponível à população

Entrevistas

Atualmente, o Brasil enfrenta uma das maiores epidemias de dengue já ocorridas no País. Os cuidados de prevenção para evitar a proliferação do mosquito já são conhecidos pela população. E agora, além das duas opções já disponíveis, uma nova vacina – produzida totalmente em território nacional – será mais uma alternativa para combater a arbovirose. A vacina da dengue do Instituto Butantan tem se mostrado eficiente e os resultados dos testes realizados até o momento demonstram uma resposta favorável, conforme apresentado pela edição de fevereiro do periódico científico New England.

Para falar mais sobre a produção do imunizante, a Revista da APM ouviu o presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan, Carmino Antonio de Souza, que está envolvido na produção desta nova forma de proteção. Confira a seguir.

Quando o Instituto Butantan começou a produzir a vacina da dengue e como foi este processo?

Houve uma cooperação internacional com uma entidade dos Estados Unidos e um trabalho preliminar de estudo de fase 2, publicado há muitos anos, mostrando a factibilidade e a eficiência da vacina em um grupo pequeno de pessoas fora do Brasil. A partir daí, houve um acordo de cooperação, sendo desenhado um estudo de fase 3 para confirmar todos os dados obtidos na fase 1, que foi de segurança, e depois da fase 2, do binômio resposta e não resposta, e aí começou esse estudo. Isso faz sete anos, foi em 2017, e é um estudo com milhares de pessoas, tem um braço com mais de 15 mil voluntários e outro menor, com cerca de 6 mil pessoas, comparando essa resposta imunológica e os dados de proteção em grupos de pessoas que iam de crianças até os 60 anos. Os resultados foram excepcionais e estão publicados no New England de fevereiro deste ano.

Quais características a respeito da vacina produzida pelo Instituto Butantan devem ser destacadas?

A qualidade da vacina e os resultados de proteção são inquestionáveis, e algumas coisas são muito importantes, como ela ser tetravalente, portanto, proteger dos quatro subtipos. Devo lembrar que no período do estudo, o tipo 3 não circulou no Brasil e não foi avaliado, mas os outros tipos são absolutamente cobertos pela vacina. Além disso, a vacina é de uma aplicação só e, na avaliação, protege até dois anos sem nenhuma queda de proteção. Agora, o tempo está passando e vai ter uma nova avaliação por cinco anos, e assim por diante. A expectativa é que essa vacina possa ser única na vida, mas talvez tenha que ter algum reforço em um tempo que só a observação de longo prazo vai definir.

De que forma os resultados obtidos até o momento têm se mostrado satisfatórios? 

O estudo do New England mostra os resultados satisfatórios em termos de proteção em três faixas etárias, crianças, adultos jovens e adultos na idade produtiva, de até 60 anos, e uma proteção de longo prazo. Em resumo, é uma vacina extremamente segura, em que os efeitos adversos são muito poucos, e bastante eficaz no sentido da proteção, e aparentemente na proteção de longo prazo. Eu sempre digo que uma coisa importante da vacina da dengue é ela ser segura porque é uma doença que, felizmente, mata muito pouco. Na minha experiência, de ter enfrentado duas epidemias muito grandes na cidade de Campinas, em 2014 e 2015, a mortalidade é inferior a 0,01%. Então, a vacina, seja ela qual for, tem que ser extremamente segura porque não pode ter morbimortalidade ou efeitos adversos graves maiores do que a própria doença.

Como a vacina da dengue age no corpo e como possibilita a imunização?

A vacina da dengue é de um vírus vivo atenuado que promove uma resposta imunológica com memória biológica. A grande maioria das vacinas que se apresentam ao sistema imunológico são apreendidas por ele, criam memória e a partir daí protegem. Como ela é uma vacina tetravalente, cria memória para os quatro subtipos, em princípio. Então, é uma vacina tradicional, de vírus vivo atenuado, que tem uma resposta extraordinária no sistema imune com uma proteção de longo prazo.

Qual a importância de se ter uma vacina contra a dengue produzida totalmente em território nacional?

O Butantan, neste momento, está na primeira prateleira do mundo em relação à questão da dengue. Vamos lembrar que a dengue é uma doença que hoje atinge grande parte dos países do mundo, mesmo os mais frios, que anteriormente não tinham a arbovirose e passaram a ter. Com o aquecimento global, também mudou o clima nesses lugares e a dengue passou a ser um enorme problema de saúde pública em nível mundial. Para o Brasil, significa que nós temos um domínio tecnológico da vacina e que, hoje, estamos no primeiro lugar nos produtores de vacina para a dengue. A publicação do New England dá ao trabalho uma notoriedade extremamente importante, com uma metodologia adequada e um número de voluntários enorme. Isso mantém o Butantan, e consequentemente o Brasil, nos países de ponta para a produção de vacinas. O Instituto tem uma outra vacina que está muito pronta, possivelmente para uso nos próximos meses e anos, contra a Chikungunya, transmitida também pelo Aedes aegypti e que é uma doença mais agressiva.

Quais são as expectativas para a cobertura da vacina do Instituto Butantan?

Ela é de cobertura muito alta, do ponto de vista de resposta imunológica, para os vários grupos etários. E a ideia, obviamente, é que a vacina seja disponibilizada para o Brasil e, talvez, no futuro, para outros países do mundo que tenham interesse. A cobertura vacinal será ampla para os vários subtipos e estamos trabalhando para produzir a fim de ter uma cobertura nacional.

Quando o imunizante estará disponível para a população?

Estamos acelerando este processo no Butantan, eu tenho acompanhado, como membro do Conselho Curador e presidente, o esforço para que tenhamos isso o quanto antes. Sabemos que a fase industrial é outro desafio, mas eu diria que a ideia é este ano submeter à Anvisa, acho que isso está muito bem encaminhado, até porque as evidências científicas são muito boas. Depois, vamos começar a produzir em uma escala intermediária, até chegar a uma escala populacional. Acho que seja plausível pensar na distribuição em 2026, mas vamos ver se conseguimos para atender um nível populacional. Não é fácil o desafio de vacinar milhões de pessoas, precisa ter uma fábrica exclusiva para isso e produzir em quantidades suficientes para atender todo mundo. Isso já acontece com a Influenza, felizmente todos os anos temos uma boa vacina, com boa cobertura e metodologia disponível produzindo para toda a população.

É possível esperar uma campanha de vacinação massiva contra a dengue nos próximos anos?

Sim, claro. Eu acho que o desafio agora já não é mais o científico de demonstração da eficiência e da segurança da vacina, mas sim, a produção da vacina e a quantidade a ser produzida. Então, o Butantan vai trabalhar para que nos próximos anos isso esteja disponibilizado. Não só a vacina para a dengue, como também a vacina para a Chikungunya.

Como continuar conscientizando efetivamente a população a respeito dos riscos da dengue e sobre os cuidados que devem ser tomados para evitar a proliferação do mosquito? 

O melhor método para não ter dengue é não deixar o mosquito nascer, isso vai ser sempre assim. A vacina é mais uma ação preventiva e eficiente, mas não podemos abandonar os métodos convencionais. Neste momento que estamos vivendo, a prevenção, claro, tem que continuar sendo feita, o ano inteiro. Sabemos que o melhor momento para se prevenir dengue é durante o período interepidêmico, que vai do final de uma epidemia ao possível começo de uma próxima. Isso acontece nos meses frios, e com isso evitamos a proliferação do Aedes, que é um mosquito urbano, extremamente adaptado. Curiosamente, o aquecimento global criou um grande favorecimento à proliferação e ao metabolismo mais acelerado do mosquito, provocando maior transmissão de todas as arboviroses, com exceção da febre amarela, que passou a ser uma doença exclusivamente silvestre.

Carmino Antônio de Souza
Formação: Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Especialidade: Hematologia e Hemoterapia
Atuação: Professor Titular na Unicamp e presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan

Texto: Julia Rohrer | Foto: Divulgação Unicamp

Publicado na edição 743 da Revista da APM