União faz a força

Em meio à crise, operadoras de planos de saúde buscam alternativas para preservar a sustentabilidade do sistema

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A crise na saúde suplementar é uma questão que tem afetado muitos países, incluindo o Brasil. Envolve desafios e preocupações, que podem variar de acordo com o contexto específico de cada local. Um dos problemas centrais é o aumento dos custos, provocado por alguns fatores: avanços tecnológicos na Medicina, valores crescentes de medicamentos e procedimentos e o envelhecimento da população – que tende a demandar mais cuidados de Saúde.

Com as mensalidades elevadas, que sobem mais do que a inflação, não é fácil para muitas pessoas manter o plano de saúde. Em alguns casos, o usuário opta pelo downgrade do plano, migrando para uma opção de menor custo, podendo interferir no relacionamento médico-paciente em função da mudança da linha de conduta assistencial. Já quando os contratos com as operadoras são cancelados, o Sistema Único de Saúde (SUS) fica sobrecarregado, aumentando as filas de espera e os atrasos nos atendimentos.

Dados do setor, disponibilizados na Sala de Situação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mostram que o mercado possui 675 operadoras de planos de saúde com beneficiários ativos, em junho de 2023. Com um total de 50.551.694 beneficiários, 82% deles estão ligados a planos empresariais e 18% a planos pessoa física.

Para o assessor médico da Diretoria da Associação Paulista de Medicina, Marcos Pimenta, é um momento delicado para as operadoras de planos de saúde, que vêm apresentando sucessivos resultados negativos. “É um setor no qual estão envolvidos diversos atores, como os prestadores de serviços, os usuários, as operadoras, a ANS e o Judiciário, entre outros. É necessário, portanto, um verdadeiro “pacto intersetorial” que vise à sobrevivência. A classe médica vem sendo uma das mais atingidas com reduções – ou não reajustes dos honorários. Já os hospitais e laboratórios vêm, progressivamente, aumentando a sua participação na distribuição dos recursos”, explica.

Segundo o especialista, a ANS tem perdido cada vez mais o seu papel normatizador, principalmente quando houve a decisão de tornar “exemplificativo” o Rol de Procedimentos de cobertura obrigatória. “O Judiciário tem atuado de forma obtusa, enxergando somente o lado dos usuários, impondo, muitas vezes, liminares que obrigam as operadoras a ofertarem coberturas extra rol. Muitas delas, empresas de capital aberto na bolsa, se veem pressionadas pelos seus acionistas e precisam enxugar os custos e aumentar as receitas. Desta forma, entendemos que somente um pacto entre todos estes atores permitirá um repensar salutar no funcionamento da saúde suplementar”, complementa.

A ANS foi criada pela Lei 9.961, em 2000, para atuar de maneira regulatória sobre as operadoras de planos de saúde, tanto proativamente, por meio de fiscalização, como por meio de denúncias. Seu objetivo é garantir o acesso da população aos planos de saúde e à assistência hospitalar.

De acordo com o diretor adjunto de Economia Médica e Saúde Baseada em Evidências da APM e presidente da Unimed Jaú, Paulo De Conti, no modelo atual, a ANS prioriza o tratamento de doenças já instaladas, com pouca ênfase na Atenção Primária à Saúde e na Medicina Preventiva. “A regulação, até o momento, tem sido exclusivamente sobre as operadoras de planos de saúde, não atingindo a rede de prestadores, especialmente hospitais, o que leva a uma assimetria”, destaca.

A má judicialização, principalmente envolvendo coberturas de materiais, medicamentos e terapias, tem interferido na relação contratual, levando à insegurança jurídica. “O Congresso Nacional também tem interferido na autonomia da ANS, contribuindo negativamente para a estabilidade do setor. É importante dizer que, para a saúde suplementar ter sustentabilidade, é preciso haver equilíbrio nos direitos e deveres dos consumidores, operadoras e prestadores de serviço”, acrescenta De Conti.

Futuro dos planos privados

Melhorar o sistema de saúde suplementar no Brasil é uma tarefa complexa, que requer ação coordenada de várias partes interessadas, incluindo operadoras de planos de saúde, entidades médicas, profissionais de Saúde e beneficiários. Por conta do momento não muito favorável, é preciso definir estratégias de otimização de desempenho para elevar a eficiência, ter bons resultados e garantir assistência de qualidade.

“Como em qualquer negócio, as operadoras de planos de saúde necessitam de um equilíbrio entre as suas receitas e despesas. No entanto, as entidades médicas vêm lutando para que esta redução de custos não ocorra em detrimento da qualidade assistencial ou por meio de interferências diretas na autonomia médica”, pontua Marcos Pimenta.

Ele relembra que os desperdícios com exames e procedimentos desnecessários devem ser combatidos, mas que isso ocorra quando houver uma fundamentação técnica e ética. “Talvez, o papel importante das entidades médicas e sociedades de especialidades seja revisitar, reavaliar e elaborar novas diretrizes, que permitirão apresentar aos médicos as melhores evidências na indicação de procedimentos propedêuticos e terapêuticos. Outro ponto a destacar é a necessidade do combate constante às fraudes que ocorrem na saúde suplementar, que elevam os custos sem quaisquer ganhos assistenciais.”

Da mesma maneira, o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, argumenta: “Face à incerteza subjacente à crise da saúde suplementar, podemos listar como apostas certas a promoção de Saúde, bem como a prevenção de doenças, em parceria com instituições de saúde pública; o gerenciamento de linhas de cuidados; a seleção de prestadores em função da qualidade; eficiência no controle aos desperdícios; rapidez de processos; e adesão a protocolos baseados em evidências. Por outro lado, são apostas erradas a limitação da assistência, como glosas e recusa de tratamentos fundamentados em evidências, e a contratação de prestadores baratos e não qualificados para os serviços”.

A inovação e a tecnologia têm sido muito utilizadas para melhorar a eficiência operacional na saúde suplementar, e os mecanismos de controle de utilização – com parametrização de procedimentos – trazem, inegavelmente, maior eficiência e resultados financeiros. “Importante dizer que estes mecanismos devem ser amplamente discutidos e pactuados, e a implementação não pode ser balizada somente sob a ótica financeira da redução de custos e, sim, para permitir adequada alocação de recursos em procedimentos mais resolutivos”, esclarece o assessor da Diretoria da APM.

Segundo Pimenta, muitas operadoras implementam unilateralmente mecanismos de redução de custos, em detrimento da qualidade assistencial de seus usuários. “Advogamos a necessidade do pacto intersetorial, participando a classe médica de maneira efetiva e eficaz da elaboração de protocolos ou diretrizes, utilizando as melhores evidências científicas e com economicidade. Os mecanismos de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) e de Medicina Baseada em Evidências (MBE) podem ser ferramentas extremamente eficazes”, acrescenta.

Fusões, aquisições e Unimeds

Nos últimos anos, o setor de saúde suplementar reuniu grandes operações de fusões e aquisições, ocasionando intensa movimentação no mercado. “Podemos considerar como fator negativo para a maioria dos prestadores hospitalares e clínicas o crescente nível de concentração e a progressiva verticalização do setor.

Isso porque as negociações entre as operadoras de planos de saúde e seus prestadores têm sido mais difíceis, com desvantagens para estas últimas”, informa Paulo De Conti.

Complementando, Marcos Pimenta explica que estas fusões, incorporações ou aquisições têm o poder financeiro de grupos econômicos que vislumbram oportunidades de resultados ou lucros. “Por isso, a importância de as entidades médicas terem um perfeito, próximo e necessário monitoramento dos mecanismos de atuação destes conglomerados, impedindo a perda da qualidade assistencial ou a interferência na conduta médica. Outro ponto a ser acompanhado, vigilantemente, é a questão da remuneração dos prestadores, que não podem ser aviltados em favor da lucratividade do setor.”

No Brasil, o Sistema Unimed possui 341 operadoras, composto pela Unimed Nacional, Federações Estaduais, Intrafederativas e Singulares, atendendo a 18,6 milhões de beneficiários, com 118 mil médicos cooperados. O diretor adjunto de Economia Médica da APM conta que o sistema é responsável pelo atendimento de 18% de todos os beneficiários de planos de saúde no Brasil. São 143 hospitais na rede própria, dos quais 52 estão localizados no estado de São Paulo.

E diante das dificuldades do setor, o Sistema Unimed tem se organizado para garantir o padrão de atendimento. “Tanto a Unimed do Brasil como a Federação Estadual das Unimeds do Estado de São Paulo (FESP) têm feito um acompanhamento contínuo dos indicadores assistenciais e financeiros de todas as suas Singulares, com o objetivo de prevenir e minimizar riscos, bem como preservar a boa qualidade do serviço prestado. Após a pandemia de Covid-19, praticamente todo o setor ficou prejudicado. Casos de forte desequilíbrio econômico-financeiro e administrativo são pontuais, e a Unimed do Brasil e as respectivas federações estão atuando de maneira objetiva para corrigi-los”, informa De Conti.

Segundo ele, as dificuldades encontradas são as mesmas para todas as operadoras. Lamentavelmente, ocorreram situações totalmente indesejáveis, como com a Unimed de São Paulo, Unimed Paulistana e, agora, a Unimed Rio. Sobre esta última, que hoje possui mais de 600 mil clientes, Paulo De Conti destaca que é um assunto de conhecimento público, e que a unidade está sob direção fiscal e técnica da ANS desde 2015.

“Mesmo com algumas questões pontuais, nenhum concorrente possui a capilaridade do Sistema Unimed, que presta um serviço de qualidade aos seus beneficiários e atua, principalmente, nas cidades do interior e em algumas capitais. O Sistema Unimed não está perdendo clientes para a concorrência e o seu número de beneficiários está aumentando”, finaliza

Publicada na edição 740 – Outubro/Novembro de 2023 da Revista da APM