No dia 8 de novembro, o Senado Federal aprovou a PEC 45/2019, referente à Reforma Tributária. Todavia, o texto deve voltar à Câmara dos Deputados, tendo em vista que a aprovação das casas engloba diferentes redações que contemplam interesses distintos – e, neste caso, é preciso haver um consenso entre ambas para a outorga do projeto.
Os próximos passos ainda são incertos, levando em consideração que a Câmara não deve aprovar o mesmo texto que o Senado, e indicam que a discussão acerca da Reforma Tributária no Brasil ainda é uma questão que está longe de ser solucionada – e que, provavelmente, não terá uma resposta neste ano.
O presidente nacional do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados e professor de Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Gustavo Brigagão, destaca a seriedade do que está sendo discutido. “Não estamos alterando o estatuto de um condomínio de edifício. Estamos alterando a Constituição Federal, de forma disruptiva, para modificar a tributação do consumo no País. São regras que, se não forem examinadas e ponderadas com o cuidado devido, poderão gerar consequências drásticas na Economia e na vida dos brasileiros. Como sempre digo, temos de ir devagar porque temos pressa”, demonstra.
Agora, é esperada uma rodada de discussões e exames feitos pelas Comissões da Câmara dos Deputados (Comissão de Constituição e Justiça – CCJ e Comissão de Assuntos Econômicos – CAE). Além disso, como uma forma de atender aos anseios de todos os lados, é possível que haja o fatiamento da proposta para, assim, possibilitar a promulgação da lei de forma mais rápida.
Para Brigagão, que descreve o fatiamento como um absurdo, este seria mais um projeto que, no fim, acabaria esquecido. “Foi o mesmo que ocorreu na Reforma da Previdência, anos atrás. Formou-se uma PEC paralela composta pelos dispositivos que não eram consensuais entre ambas as casas, e o resultado foi que o projeto não foi votado até hoje. Essa prática, que vem se tornando um hábito na Câmara dos Deputados, é um desrespeito ao Senado e uma afronta ao Estado Democrático de Direito. A PEC é una e, como tal, deve ser tratada pelo Congresso Nacional.”
O especialista também relembra que muitos parlamentares só foram favoráveis ao projeto porque foram feitas alterações e inserções no texto original, caso contrário, o teriam rejeitado. Ele também reforça que houve alterações em matérias essenciais à estrutura da nova proposta, como mudanças no Conselho Federativo, que foi convertido em Comitê Gestor, de acordo com o Senado, e as alterações no regramento do Imposto Seletivo, realizada pela Câmara e que congrega diferentes equívocos.
Mudanças
Dentre as principais mudanças propostas com a implementação da Reforma Tributária está a simplificação e redução de complexidade e do contencioso entre Fisco e contribuintes. No entanto, Brigagão reforça que não há sentido tal simplificação substituir quatro tributos (PIS e Cofins, pela sua similaridade de regras, devem ser considerados com um só) por cinco (IBS, CBS, IS, contribuição sobre produtos primários e CIDE para proteger a Zona Franca de Manaus).
Além disso, para o professor, a redução do contencioso também é incompreensível, já que delega às leis complementares determinadas conceituações de institutos essenciais à tributação do consumo, como conceituação de não cumulatividade e de destino que, atualmente, vêm sobrecarregando Tribunais com as inúmeras discussões a respeito da forma correta de sua aplicação.
“Há consenso no sentido de que o sistema atual tem de ser reformado urgentemente. São muito sedutoras as afirmações sempre feitas pelos defensores dessa PEC de que o projeto proposto promove simplificação, o fim da guerra fiscal, queda do contencioso, maior racionalidade, tratamento isonômico etc. Sim, esses objetivos são mais do que legítimos, mas não é isso que se constata no exame do texto que está sendo aprovado pelo Congresso Nacional. Ele trará complexidades de outros gêneros, quebra do pacto federativo, aumento do contencioso, tributação que não atende às especificidades de setores com enorme participação no PIB, entre tantas outras críticas”, afirma.
Aumentos
Caso a Reforma seja, de fato, aprovada, haverá aumento de carga tributária generalizada – com exceção de setores imunes e tributados à alíquota zero. Quem mais sofrerá com o pagamento desta conta serão os setores de Serviço e Agrário que, basicamente, bancarão a Indústria e o Mercado Financeiro – a quem a proposta visa beneficiar.
“É absurdo e um equívoco sem precedentes sobrecarregar tributariamente um setor que é responsável por percentuais elevadíssimos do PIB nacional, em prol de outro que, pelo menos por enquanto, não reflete a principal vocação do País. Pior é que mesmo os setores privilegiados por essa reforma que tramita no Congresso Nacional serão igualmente afetados. Todos sairão perdendo, mas o setor de Serviços continuará sendo o que pagará mais. Conseguimos obter no Senado reduções de alíquotas que proporcionarão certo alívio para os profissionais liberais (de 30%), mas ainda é insuficiente”, relembra, reforçando que a redução deveria ter sido de, no mínimo, 60%.
O advogado complementa que a transferência para o destino da tributação do consumo poderia ser vista como um pró, porém, ainda traz muitas problemáticas. “O fato de a conceituação de ‘destino’ não ter sido feita já na Constituição e, sim, delegada à lei complementar, trará grande probabilidade de a conceituação dada trazer enorme contencioso entre os contribuintes e os estados e municípios, como ocorreu com as leis complementares 157 e 175, quando tentaram trazer para o município de consumo a tributação pelo ISS de apenas seis serviços. Todas essas conceituações foram julgadas inconstitucionais pelo STF.”