No dia 11 de outubro, a Associação Paulista de Medicina realizou um webinar com o tema “Impacto do uso e dependência do álcool na Saúde das pessoas”. O encontro foi apresentado pelo presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, e moderado pelo epidemiologista psiquiátrico Jair de Jesus Mari.
Neste primeiro módulo do evento – o segundo acontece nesta quarta-feira, 18 de outubro, também pelo YouTube –, os palestrantes Clarice Madruga, doutora em Psiquiatria e Psicologia médica, e o psiquiatra Vitor Tardelli apresentaram estudos e debateram sobre o cenário global, o uso de álcool na adolescência, consequências clínicas e neuropsiquiátricas.
“Temos aqui pessoas bem-preparadas, que atuam na área, que têm conhecimento aprofundado sobre o assunto”, salientou o moderador ao apresentar os convidados.
Cenário
De acordo com informações apresentadas por Clarice Madruga, o uso de bebidas alcoólicas é a causa de mais de 200 doenças e agravos à saúde, responsável por 5,1% da carga geral de patologias, causando, em média, 3 milhões de mortes no mundo – o que corresponde a 5,3% de todas as mortes. Além disso, é o 4º principal fator de risco comportamental para a carga de doenças no mundo.
Conforme a palestrante, pesquisas realizadas pelo DataSus em 2017 apontam que o número de internações causadas por transtornos por uso de álcool correspondia a 16,4%, mas o consumo da droga está ligado também a outros fatores que levam à internação, como, por exemplo, os acidentes de trânsito (16,5%).
“No Brasil, são atribuíveis ao álcool cerca de 6.633 óbitos ao ano. Sendo que a maioria desses óbitos é na população masculina, adultos de 40 a 59 anos, pretos ou pardos e de baixa escolaridade; este é um exemplo de que o número está relacionado sim a populações vulneráveis”, observou Clarice.
O Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, desenvolvido pela Fiocruz, sobre a dependência química, mostra que o Brasil tem uma grande proporção de pessoas que não bebem, o que a especialista considera algo surpreendente. “O levantamento da Fiocruz teve um índice muito abaixo de tudo que já tínhamos no País, 3,5%. Em 2012, tínhamos 11% da população com indicação de transtornos alcoólicos.”
Ela ainda destaca que o Brasil tem uma proporção de pessoas com transtornos pelo uso de álcool muito semelhante a de outros países, o que o diferencia é a questão do padrão de uso excessivo. Segundo ela, em 2020 (ano da pandemia de Covid-19), houve um pico no consumo de bebidas alcoólicas, mas logo em seguida, estabilizou; o que significa que a população brasileira, em maioria, não é considerada dependente.
Uso de álcool na adolescência
Clarice Madruga utilizou dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar para refutar os argumentos de que os jovens não são consumidores de álcool consolidados, pois, como ela menciona, há uma ideia errônea, sobretudo dos educadores, de que todos os adolescentes estão consumindo bebidas.
A profissional afirma que “essa crença é um risco”, visto que essa população precisa entender que a maioria não está bebendo e assim evitar a generalização.
“Essa crença de que estão todos bebendo causa movimentos para promover redução de danos na escola, mas esse não é o caso, a gente tem que fazer a prevenção primária no contexto da escola, justamente porque teremos ali, mais ou menos, dois terços de pessoas que ainda não estão bebendo. Diretrizes internacionais de prevenção orientam que façamos a prevenção primária, ou seja, temos que falar para não beber”, orienta a palestrante.
Consequências
Conforme apresentou Vitor Tardelli, entre os muitos problemas que o consumo excessivo de bebidas alcoólicas pode causar, destacam-se os transtornos gastrointestinais, transtornos cardiovasculares e as comorbidades psiquiátricas.
“Entre os transtornos gastrointestinais, o principal é a doença hepática gordurosa alcoólica, que costuma evoluir para uma inflamação, provocando a fibrose e, consequentemente, a fibrose hepática, que vai culminar no carcinoma hepatocelular. Sendo que a cirrose alcoólica, que tem um prognóstico pior do que o da cirrose não alcoólica, corresponde à metade do panorama mundial de cirroses”, especifica Tardelli.
Em relação aos problemas cardiovasculares, o palestrante afirma que qualquer uso dessa droga leva ao aumento da pressão arterial entre indivíduos do sexo masculino, afetando menos o sexo feminino; porém, a diminuição do consumo de álcool já é o bastante para reduzir o problema discretamente.
“Quando nós falamos da relação entre o álcool e o AVC (acidente vascular cerebral), ela é dose-dependente, quanto mais consumir, maior o risco. Esse risco vai aumentando cada vez mais quando ele passa do moderado para o pesado. Esse último dado apresentado sobre o AVC mostra que o beber leve pode reduzir o risco de AVC isquêmico, mas beber pesado aumenta o risco para o AVC em geral”, alertou o profissional.
No âmbito dos transtornos mentais, o psiquiatra aponta que até 22% das pessoas que abusam ou apresentam dependência do álcool têm depressão, e 40% apresentam ansiedade. O que explica esses números é a estratégia de coping (ou automedicação), ou seja, o indivíduo busca alguma coisa para mitigar os sintomas.
“Outra coisa que é importante falarmos é sobre a Síndrome de Abstinência Alcoólica, que é a mais grave entre todas as dependências por substâncias. Pelo menos 50% dos usuários dependentes de álcool desenvolvem sintomas de abstinência. O pico da abstinência ocorre já no segundo dia após a cessação da droga, causando sintomas adrenérgicos, como taquicardia, hipertensão, sudorese profusa, tremor de extremidades e insônia”, finaliza o especialista.
Imagens: Reprodução Webinar APM