Mesmo abordando diferentes pontos de vista, foi unanimidade entre os participantes do evento “Saúde e Reforma Tributária no Brasil: Impactos e Próximos passos” – promovido pela Associação Paulista de Medicina, Associação Médica Brasileira e Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo na última sexta-feira (18), na sede da APM – afirmar que, neste momento, o tema consiste no principal assunto a ser debatido entre os mais variados âmbitos da sociedade brasileira. O encontro contou com a presença de lideranças médicas, deputados e senadores.
Na abertura dos debates, os diretores de Defesa Profissional da APM e da AMB, Marun David Cury e José Fernando Macedo, respectivamente, pontuaram a necessidade de promover discussões e trazer explicações aos mais de 560 mil médicos brasileiros sobre o que consiste a Reforma. “A APM e a AMB são entidades que lutam por uma Saúde de qualidade no País, para que o usuário – seja da saúde pública ou privada – tenha uma assistência de altíssimo nível. Acho que com as apresentações, vamos ter esclarecimentos para podermos seguir adiante, procurando colaborar, fazer uma Medicina justa e, assim, ajudar a nossa população”, disse Marun.
A primeira parte das palestras abordou o “Contexto atual da Reforma Tributária no nosso País – Breve Histórico”, trazendo o presidente da AMB, César Eduardo Fernandes, como moderador e contando com apresentações de Marcel Solimeo, assessor político e econômico da Presidência da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), e Alexis Fonteyne, empresário e ex-deputado federal.
Destacando o seu posicionamento contrário ao dos deputados presentes na conferência, Solimeo pontuou suas preocupações em relação à velocidade com que a PEC 45/2019, referente à Reforma Tributária, foi aprovada. “É inadmissível aprovar uma PEC desta profundidade em uma noite. Acho que se nós podemos mudar a Constituição nessa facilidade, então o cidadão não pode ficar muito tranquilo de que ela é a sua garantia. Estamos constitucionalizando muitas coisas sem saber como isso vai ser regulamentado na lei complementar.”
Para o especialista, outro ponto que levanta preocupações é o fato de o texto da Reforma ter sido aprovado sem que os deputados tivessem conhecimento aprofundado sobre o tema. Conforme Solimeo, esta aprovação não leva em consideração o setor de Serviços e os custos trabalhistas trazidos por esta questão, de modo que, ao se falar em economia, deveria, primeiramente, ser discutida a questão da desoneração da folha, para só depois dimensionar quais exatamente serão as medidas tributárias para os setores.
“Temos uma complexidade que não existe em outros países do mundo que usam IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Outro ponto, temos um período de transição, a Reforma é urgente, mas vai entrar em vigor só daqui a alguns anos. Neste período, vamos continuar vivendo com todos os problemas, e se mantiver o que foi aprovado, vamos ter mais impostos e burocracias que já existem hoje. Eu acho que existem outras soluções e precisamos ficar atentos aos detalhes. Eu não sou pessimista, sou detalhista, e são os detalhes que me assustam”, complementou.
Na sequência, Alexis Fonteyne pontuou a necessidade de se pensar em uma distribuição justa de carga tributária a todos os setores, relembrando que, de acordo com o Banco Mundial, dos 190 países do planeta, o Brasil está em 184º lugar em relação ao modelo tributário – o que demonstra que o País tem um dos piores sistemas do mundo e está acima apenas de outras seis nações que não são economicamente relevantes.
“O sistema tributário brasileiro tem peculiaridades muito próprias. O ambiente é péssimo, o custo e capital de giro que as empresas precisam ter é enorme, o que, consequentemente, leva ao desequilíbrio. Gera um acúmulo de impostos naquilo que consumimos, mas não conseguimos enxergar. Nós pagamos impostos de forma absolutamente alienada porque não temos ideia do que há de carga tributária. É a total falta de transparência do nosso sistema tributário”, explicou.
Além disso, para o ex-deputado, o sistema atual é responsável por desestimular o desenvolvimento e trazer insegurança jurídica, já que não segue um padrão mundial e faz com que se montem indústrias em outros países, trazendo os produtos já prontos para o Brasil, ocasionando barreiras comerciais e fazendo com que empresas nacionais percam a competitividade.
“Quando um setor paga menos, outro vai ter que pagar em dobro. Por isso, eu não vou olhar para setor, eu vou olhar para o Brasil e eu não tenho dúvida nenhuma de que transparência, neutralidade, equidade e simplificação são fundamentais para a Economia brasileira, de modo que se gere emprego e traga investimentos”, detalhou.
Câmara dos Deputados
No segundo bloco do evento, o presidente do SindHosp, Francisco Balestrin, foi o moderador da mesa que ouviu o posicionamento de parlamentares a respeito de “A Reforma Tributária no âmbito da Câmara Federal”. O deputado federal Vítor Lippi (PSDB) deu destaque à necessidade de investimentos na Indústria brasileira, relembrando que, atualmente, é 22% mais caro produzir no País do que fora, de modo que o Brasil possuía a nona indústria mais importante do mundo, mas caiu para o 15º lugar – e continuará assim, caso não seja feita a reforma.
“A Indústria é o setor que mais emprega, paga salários melhores, tem cadeias produtivas fortíssimas e possui 70% de tecnologia e inovação. Estamos perdendo a Indústria e empobrecendo o País, reduzindo o número de empregos formais, a capacidade competitiva e gerando um dos piores crescimentos do mundo. O Brasil possui muitas vantagens comparativas, no entanto, estamos crescendo bem abaixo da média dos países. É como se tivéssemos o melhor time do mundo, sempre na terceira divisão”, complementou.
De acordo com o médico e deputado, as consequências já são observadas, como o empobrecimento e endividamento da população, gerando, consequentemente, desigualdades sociais. Além disso, Lippi também fomentou que há grande dificuldade em se ter uma empresa no Brasil. No caso de redes japonesas, por exemplo, elas continuam a trazer suas companhias para o País pelo fato de entenderem a importância de atuar junto a uma das maiores economias do mundo, acreditando que haverá crescimento, todavia, há uma série de dificuldades para se manter no território brasileiro.
Para o especialista, a utilização do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) – presente em 179 países do mundo – contribuirá para padronizar as práticas do Brasil. “O sistema tributário atual prejudica o País. Dos 150 bilhões de consumo material, importamos 100 e só produzimos 50. Acreditamos que colocando os Serviços de Saúde e Indústria da Saúde na alíquota especial, vamos conseguir inverter isso e ampliar as empresas no Brasil, com a capacidade de exportar. Temos qualidade aqui, o que faltava era ter uma isonomia de custo”, concluiu.
O deputado Jonas Donizette (PSB) deu continuidade às apresentações, relembrando que a política é um canal para se encontrar um caminho comum e que em todos os momentos de maior dificuldade enfrentados pela humanidade, foi ela que identificou uma solução efetiva, encontrando fins para diferentes conflitos. De acordo com o parlamentar, o texto da Reforma Tributária foi muito difícil de ser votado na Câmara, pois se convenceram de que havia a necessidade de aprovar conceitos, como a não cumulatividade de impostos, mas também a questão da origem e destino, bem como a simplificação e transparência, que trazem um enorme contencioso jurídico.
“Ninguém gosta de pagar imposto, mas foi a maneira que a sociedade civilizada encontrou de equilibrar as coisas. Nós colocamos que não vamos aumentar os tributos e nos perguntam por que não diminuir? Porque é inexequível. O Brasil vai crescer, porque estamos livrando algumas de suas amarras produtivas, e quando houver este crescimento, teremos mais pessoas empregadas, que por si só já trazem alguns direitos sociais que contribuem para desafogar a parte social pública e, consequentemente, permite uma diminuição de carga tributária”, manifestou.
Conforme salientou o deputado, atualmente, muitos prefeitos são contra a reforma por não quererem perder o ICMS, que é o principal imposto. Contudo, é necessário identificar uma forma de fazer com que os tributos sejam fundidos, uma vez que ao incorporá-los em uma única cobrança, encerram-se as discussões jurídicas. “A nossa luta agora é que não dá para ampliar muito, quando você faz muita exceção, a alíquota base sobe. Temos que saber dosar essa parte para não desequilibrar o setor de Serviços e a classe média, que é a sua grande consumidora.”
Para Donizette, uma forma de garantir efetividade nas aprovações é manter uma organização entre as discussões com os diferentes setores. “Saio com a consciência de que o Brasil conseguiu um grande passo. O Congresso Nacional é uma amplitude da representatividade que existe na sociedade, e colocamos um dispositivo de que enquanto não forem aprovadas as leis complementares, a Reforma Tributária vai sendo prorrogada, porque isso nos obriga a se debruçar sobre as leis complementares.”
Finalizando as apresentações do bloco, o deputado federal Pedro Westphalen (PP) evidenciou que o tema que estava unindo todos os participantes do evento era a necessidade de ser feita a reforma. “Houve muita conversação para se chegar aqui. Há 30 anos se fala, mas se discute efetivamente de alguns anos para cá. Eu mesmo, parlamentar, não acreditava que faríamos essa Reforma Tributária. Temporalmente, acho que deveria ser feita, primeiro, uma reforma administrativa e definir quais serão as contribuições federativas, para depois fazer a Reforma Tributária.”
Para Westphalen, há uma divergência entre os próprios municípios, o que levou a complicações para que os deputados que compõem a frente da reforma pudessem chegar a um termo comum. Dentre as dúvidas do especialista, ele destacou que o conselho federativo é um dos principais pontos. “Isto é um problema de Estado, e não de governo. A polarização existente no Brasil atualmente é muito nociva ao desenvolvimento do País. É necessário termos equilíbrio na busca do bem comum. A reforma tem disparidades regionais, mas conseguimos avançar e garantir que o segmento não fosse ainda mais penalizado.”
Segundo o especialista, as soluções para esta questão serão encontradas por meio do diálogo e da política. “Nós temos que conviver, cada um com a sua ideologia, com a sua maneira de pensar, porque todos os que estão lá querem o bem do País. Me coloco à disposição para continuar sendo um elo entre aqueles que precisam e os que decidem. É na Câmara e no Senado que as coisas andam ou não andam.”
Senado Federal
Moderada pelo presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, a discussão sobre “A Reforma Tributária no âmbito do Senado Federal” trouxe a apresentação do ex-senador pelo Maranhão, Roberto Rocha (PTB), relembrando que, ao abordar Reforma Tributária, está se falando das bases de consumo, que são onde estão localizadas as populações mais pobres do Brasil.
Rocha, que foi o presidente da Comissão Mista pela unificação das PECs 45 e 110/2019, relembra o trabalho feito entre os parlamentares. “Eu propus que o Senado tivesse um conselho consultivo, formado por estados e municípios, voltado para assessorar o conselho federativo. A dificuldade de votar a Reforma Tributária não está na Câmara, está no Senado. O pobre paga proporcionalmente muito mais impostos que os ricos no Brasil, isso é muito injusto, mas eles não sabem, porque não é explícito. A reforma é mais do que importante, ela é urgente, principalmente para quem não tem quase nada.”
Para o ex-senador, as disparidades socioeconômicas do País – principalmente em relação aos estados do Norte e Nordeste, quando comparados com Sul e Sudeste – devem ser levadas em consideração na aprovação da Reforma Tributária. “A maneira de combater a pobreza é gerando riqueza, permitindo que façamos a exploração econômica da riqueza ao invés de sua exploração política.”
Houve também um debate entre os participantes, moderado por Marcos Vinicius Ottoni e com a participação de Breno de Figueiredo Monteiro, respectivamente diretor Jurídico e presidente da Confederação Nacional de Saúde, para que pudessem salientar cada uma das abordagens apresentadas de acordo com diferentes dúvidas que surgiram no decorrer do evento.
No encerramento, os presidentes da APM, AMB e SindHosp fizeram suas considerações finais. “Todos aqui estamos muito ansiosos para acompanhar a evolução desta discussão e da complementação absolutamente necessária que será no nosso Legislativo. Uma interpretação da bíblia hebraica diz que Deus mora nos detalhes, por isso, espero que os nossos parlamentares façam da reforma uma obra divina”, concluiu José Luiz Amaral.
Texto: Julia Rohrer
Fotos: Alexandre Diniz