Desde o fim de fevereiro, quando mais de 100 entidades – entre as quais a Associação Paulista de Medicina – assinaram um manifesto em prol do projeto, o “Simplifica Já” tem ganhado força como uma reforma tributária possível de ser levada a cabo em meio ao momento de incerteza que o Brasil vive – nos aspectos sanitário, político e econômico.
O texto é uma alternativa às Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110, que foram criticadas por aumentarem significativamente os impostos para determinados setores, como o de Serviços – que concentra boa parte das entidades apoiadoras.
Sustenta o “Simplifica Já” um grupo amplo de instituições de setores públicos e privados comprometidas com a melhoria imediata do sistema tributário nacional, particularmente sobre o consumo, de forma a contribuir para a melhoria do ambiente de negócios do País, acarretando mais emprego e renda para a população e contribuindo para a retomada do crescimento.
Marcos Cintra, que em 2019 foi secretário especial da Receita Federal, afirma que a necessidade de uma reforma tributária é unanimidade nacional, visto que o sistema tributário é um dos grandes complicadores da Economia brasileira, sendo um dos componentes do chamado “custo Brasil”.
“Todos queremos melhorar, reduzir custos e diminuir o contencioso do sistema tributário”, diz. Por outro
lado, o economista reitera que uma reforma tributária ideal implica em alterar todo o sistema, não somente os impostos sobre o consumo – que são o foco das propostas atuais –, mas também os tributos sobre renda de pessoas físicas e jurídicas, impostos patrimoniais e outros.
DIFERENÇAS
Mas o que o “Simplifica Já” defende e de que forma ele se difere às outras propostas discutidas no Congresso Nacional? Aqui, a competência dos entes é mantida. Ou seja, os estados continuam recolhendo o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e os municípios seguem com o Imposto Sobre Serviços (ISS). A ideia é nacionalizar a legislação desses impostos, uniformizando as regras para todos os entes federativos e suas respectivas taxas.
“O ‘Simplifica Já’ mantém a competência dos entes e não traz uma discussão infindável sobre a reforma. Ele também admite a multiplicidade de alíquotas – uma necessidade – ao mesmo tempo que restringe a proliferação. Para o ICMS, por exemplo, propõe cinco alíquotas, definidas pelo Senado Federal, de forma que cada estado poderia escolher quais setores enquadrar nelas”, explica Cintra.
A nível de comparação, a PEC 45 propõe que esses tributos sejam substituídos por um imposto com alíquota única de 25%. Como explica o ex-servidor da Receita Federal, serviços que pagam, por exemplo, cerca de 3% de impostos veriam aumento gigantesco, gerando desemprego. “O que é problemático quando vivemos com 30% de desempregados, desalentados e subempregados.”
Cintra, que também é professor Titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, sintetiza: “A grande diferença é que as outras propostas são feitas por acadêmicos, que trabalham com conceitos formais, abstratos e teóricos. A do ‘Simplifica Já’ é feita por secretários de Fazenda, auditores fiscais e gente que conhece e coloca a mão na massa. Pessoas que entendem onde estão os problemas e sabem que podem corrigi-los e reduzir custos, melhorando a tributação. Não é uma revolução, mas é realista, viável e melhoraria muito o sistema tributário”.
SERVIÇOS
O “Simplifica Já” também seria benéfico para o setor de Serviços, muito prejudicado nas demais propostas pelo aumento das alíquotas. Trata-se de um segmento que tem como maior parte dos gastos a manutenção de funcionários, investimento que não gera créditos na hora de abater as
alíquotas de impostos. A desoneração da folha de pagamentos defendida também é muito importante para o setor. Com a queda dessa tributação – defende Marcos Cintra – mais empregos serão gerados no País.
João Diniz, presidente da Central Brasileira de Serviços (Cebrasse) – outra das entidades apoiadoras do “Simplifica Já”, da qual a APM também faz parte – diz que o grupo tem estudado uma forma de compensação para a desoneração das contribuições patronais sobre a folha.
“Essa discussão precisa ser muito bem-feita. Alguns querem que empresas mais empregadoras paguem
30% de contribuição sobre a folha e as demais, 10%. Isso não é solução, isso é fechar portas para empresas modernas. Temos que reduzir para todos, não fazer subsídio cruzado”, afirma Cintra.
Quando esteve no Governo Federal, o economista defendeu um tributo sobre movimentação financeira e outro sobre pagamentos. Em seu entendimento, essa é a forma de diluir a carga sobre a folha para toda a sociedade, de forma equânime e com alíquota baixa. “[Um imposto assim] atingiria a todos, até quem está na economia informal ou sonegadores. E reforçaria o financiamento da Previdência de maneira forte.”
Diniz também ressalta que há propostas de reforma tributária, como a apresentada pelo Governo Federal, que defendem impostos com alíquota única, o que resultaria em aumento de tributos de mais de 300% para empresas do setor de Serviços. “Um absurdo que não aceitamos. Além disso, a legislação unificada de ICMS e ISS, proposta pelo ‘Simplifica Já’, irá diminuir a litigiosidade do sistema”, complementa.
TRAMITAÇÃO
A expectativa da Cebrasse e das entidades parceiras é que ainda este ano seja feita uma reforma tributária cuidadosa, que não prejudique nenhum setor em detrimento de outros. Na avaliação de João Diniz, se o “Simplifica Já” – que foi apresentado no Senado Federal por Major Olímpio como Emenda Substitutiva Global 144 à PEC 110 – avançar, o Brasil verá a sua Economia destravar.
“Teremos crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), diminuição da desigualdade e mais recursos para
estados promoverem Saúde e Educação, um atraso gigantesco do Brasil. Espero que até acabar 2021 a reforma saia, como prometeram os presidentes das Casas Legislativas. Talvez na sequência da reforma administrativa, que também é fundamental”, argumenta o presidente da Cebrasse.
Uma vantagem do “Simplifica Já” em relação às outras propostas é que muitos dos avanços que propõe
são infraconstitucionais – ou seja, não alteram a Constituição Federal e, portanto, exigem menos votos no Congresso Nacional. Em um ano em que as questões pandêmicas ainda se impõem com muita força, essa pode ser uma forma de fazer andar as reformas no sistema tributário brasileiro com mais facilidade.
Marcos Cintra acredita que poderemos, sim, ver os primeiros passos desse projeto. A desoneração da folha, por exemplo, é um item que pode ser aprovado sem mexer na estrutura tributária inteira, bem como pode ser aprovada uma legislação que avance na questão do ISS e do ICMS.
“Se há um setor em que algumas melhoras, por menores que sejam, podem fazer avançar a competitividade do Brasil é o tributário. Hoje, além da pandemia que paralisa tudo, o maior foco de preocupação com a Economia nacional, por parte dos investidores, é esse. Mesmo pequenas medidas
podem melhorar a falta de segurança jurídica que temos, reduzindo custos e o contencioso”, finaliza o economista.
*Publicada na edição 725 – Março/Abril de 2021 da Revista da APM