Tertúlia Acadêmica relembra morte de grandes compositores

A apresentação, realizada virtualmente, foi ministrada pelo médico infectologista e coautor do livro Melodia Mortal, Guido Carlos Levi, e teve como tema “Morte Controversas de Grandes Compositores”

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Na última quarta-feira, 9 de setembro, aconteceu mais uma edição da Tertúlia da Academia de Medicina de São Paulo em conjunto com a Associação Paulista de Medicina (APM). A apresentação, realizada virtualmente, foi ministrada pelo médico infectologista e coautor do livro Melodia Mortal, Guido Carlos Levi, e teve como tema “Morte Controversas de Grandes Compositores”.

José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Academia e da APM, foi o moderador da Tertúlia e não poupou elogios ao amigo e palestrante. “Além de médico, Guido é um intelectual que tem como áreas de interesse a música e a literatura. Unindo os dois âmbitos, ele nos brinda com o livro Melodia Mortal. É através de seu olhar que podemos conhecer muitas curiosidades sobre grandes gênios da música, analisando suas histórias e compreendendo a sua importância cultural.”

Guido Levi começou a aula explicando como surgiu o convite para participar do livro Melodia Mortal. O autor, Pedro Bandeira, seu amigo, vizinho e consagrado escritor, o convidou para apresentar uma visão médica e investigativa acerca da morte de seis grandes compositores. Através de pesquisas e novas informações obtidas por cientistas e historiadores, o livro foi modulado, trazendo para debate uma série de fatos relevantes sobre os acontecimentos.

A apresentação foi dividida em seis partes, e, em cada uma delas, Guido abordou as principais hipóteses e causas sobre a morte de alguns dos principais compositores clássicos. O primeiro artista abordado foi Vicenzo Belini, compositor italiano que desde criança se distinguiu pelos seus dons na música.

Belini produziu duas grandes óperas, uma delas em Paris. Foi em 1895, na capital francesa, que o músico, até então com um bom quadro de saúde, passou a ficar hospedado na casa de um casal de amigos, desenvolvendo um quadro disentérico e febril, evoluindo para convulsões e posteriormente a sua precoce morte aos 33 anos.

“Havia três hipóteses sobre sua morte: retocolite ulcerativa, cólera e envenenamento por parte do casal de amigos. O corpo foi autopsiado e embalsamado três dias após a morte de Belini e a autópsia constatou uma

grande inflamação de intestino grosso, além de um abcesso hepático. Não havia nenhum tipo de cólera em sua evacuação e não fazia sentido dizer que era um envenenamento, pois ele não tinha posses e nem qualquer relação com o casal que pudesse levar a uma quebra desta amizade. Poderíamos ficar com a primeira hipótese, caso não fosse a presença do abcesso”, explicou.

De acordo com Guido, atualmente se constata que Belini morreu por conta de uma amebíase e que este diagnóstico não foi levantado na época pois até então não existiam estudos suficientes que comprovassem a existência do parasita, já que as primeiras descrições sobre a presença de ameba em tecidos humanos aconteceu apenas em 1859. No ano de 2011, a prefeitura de Catania, na Sícilia (Itália), local onde o músico está enterrado, recebeu uma solicitação do partido italiano La Destra a fim de exumar o cadáver do compositor para poder comprovar a causa de sua morte, no entanto, até hoje a exumação não aconteceu.

Frédéric Chopin

Em seguida, a apresentação abordou a morte de Frédéric Chopin, pianista polonês radicado na França. Chopin é considerado por muitos a alma do piano por ter dedicado praticamente toda a sua carreira em concertos e composições voltadas para este instrumento. Porém, o músico teve uma infância muito frágil por conta de diversos episódios que ocasionaram crises respiratórias que praticamente o levaram à morte.

Guido explicou que, apesar da morte do pianista ter como causa uma tuberculose, alguns dados não se encaixam nesta classificação. “Ele teve um quadro de tuberculose muito grave, mas depois voltou à Paris para dar concertos como se não houvesse acontecido nada. Isso é muito curioso porque na época de vida dele não tinha nenhum tratamento medicamentoso eficiente contra a doença, então é muito improvável que alguém já estivesse praticamente morto, com o histórico de doenças respiratórias que ele tinha desde criança, de repente voltasse a ter uma vida normal.”

Chopin morreu no ano de 1849, em Paris. Seu coração foi levado dentro de um vidro com um conservante para a Igreja de Santa Cruz, em Varsóvia, por uma de suas irmãs, local onde se encontra até hoje. Em 1938, foi descoberta uma

doença congênita chamada fibrose cística, que se encaixava em todas as similaridades da vida de Chopin, ainda mais por ser um problema familiar e por duas irmãs do músico terem ido a óbito por conta de complicações de doenças respiratórias, assim como ele. Por isso, no ano de 2014, ocorreu uma forte pressão para a reexumação do órgão, em que foram chamadas 12 pessoas para uma observação visual do coração do pianista, mas impedidas de fazer análises profundas para assim ter a comprovação da causa da morte.

“Houve uma decisão de que esse coração só poderia ser analisado novamente depois de 50 anos, ou seja, em 2064. Na minha impressão, esse órgão é uma grande atração turística da Igreja de Santa Cruz, movimentando muito dinheiro. Caso a análise feita não combinasse com o material genético retirado em Chopin enquanto ele estava em Paris, isso ocasionaria um desastre muito grande para o turismo de Varsóvia”, comentou.

Wolfgang Amadeus Mozart

A terceira apresentação foi sobre um dos maiores nomes da música clássica, considerado um gênio precoce. Segundo Guido, Mozart, que faleceu aos 35 anos, tinha a música fluindo dentro dele.

“Há algumas hipóteses sobre sua morte. Uma delas é a de que ele teria sido envenenado por seu amigo Salieri, por conta de ciúmes de sua qualidade musical, mas esses boatos foram desmentidos através de comprovações da época. Outras hipóteses são de febre reumática e glomerulonefrite, o que explicaria os tremores nos lábios e bochechas, a respiração lenta e profunda e o mau odor corporal intenso, então acredita-se que ele morreu por um quadro urêmico”, contou.

Porém, após a morte de Mozart, estudos feitos no ano de 1860 encontraram parasitas na carne de porco após analisar pacientes que se enquadravam no mesmo caso do músico, apresentando os mesmos sintomas e que tinham ingerido o alimento algum tempo antes. “Sabia-se que o período de incubação da doença ocorria entre oito e 50 dias antes da pessoa vir a óbito. Seria muito difícil ter uma comprovação que essa foi realmente a causa da morte de Mozart, porém foi encontrada uma carta em que ele diz para a mulher que sentiu um enorme prazer ao deliciar-se com costeletas de porco. O que pode ser

considerado uma prova indireta deixada por ele para que o mundo soubesse o motivo do seu falecimento.”

Ludwig Van Beethoven

Considerado um dos maiores gênios da história da música, Beethoven teve uma história de vida repleta de incertezas, entre elas, o fato de que possuía uma surdez quase que total aos 40 anos de idade. Porém, pouco se comenta sobre a causa de sua morte que aconteceu após ele apresentar quadros de febre, calafrios, polidipsia, hemoptises, dores nos flancos e dispneias. Classificadas pelo médico como uma inflamação nos pulmões, obtendo uma leve melhora e novamente voltando a piorar, sentindo sintomas mais fortes que o colocam em coma e posteriormente causam a sua morte.

Guido comentou sobre alguns dos motivos que podem ter levado Beethoven a morte. “A autopsia mostrou um fígado duro, nodular e com metade das dimensões normais. Uma grande quantidade de líquido na cavidade abdominal, manchas vermelhas na pele, rins pálidos e cheios de uma substância calcárea. Isso mostra uma intoxicação por chumbo, cirrose alcoólica e pneumonia final, além de diabetes e necrose papilar renal.”

A intoxicação por chumbo, explica o médico, pode ter acontecido pelo fato de que, naquela época, utilizavam o material para deixar bebidas alcoólicas, como o vinho, mais doces e refrescantes. Além disso, o corpo de Beethoven foi encontrado com uma grande quantidade do material tóxico em seu cabelo, mas esta consideração foi logo deixada de lado pois se tinha o costume de passar chumbo nos cadáveres para preparar o enterro.

Além disso, mais uma possibilidade, é a de que o músico possa ter desenvolvido uma cirrose descompensada pelo fato de beber constantemente, causando hepatites B e C – desconhecidas na época. Há também comprovações que apontam para um necrose papilar renal, comum em pessoas diabéticas e compatível com os dados da necrópsia, apontando que aquele havia sido o primeiro caso do quadro em toda a literatura médica, fazendo com que o grande compositor fosse pioneiro até na hora de sua morte.

Robert Schumann

O compositor alemão Robert Schumann também foi um dos destaques da apresentação de Guido Levi. Além de sua música, Schumann deixou como marca, a sua característica de ser um “farrista”, era frequentador de prostíbulos, gostava de ingerir bebidas alcoólicas e aos 21 anos de idade foi acometido pela sífilis.

Guido conta que Schumann foi pai de oito filhos e a sua vida tinha tudo para ser feliz, contudo, aos 23 anos de idade, ele passou a ter períodos de exaltação e criatividade atrelados a momentos de melancolia, dificuldades para trabalhar, medo da morte e alucinações. Ele passou toda a sua vida lidando com essas crises, até que em 1854 tentou suicidar-se no Rio Reno. Quando resgatado, pediu para ficar em um asilo, até morrer no ano de 1856, aos 46 anos de idade, sendo deixado sozinho praticamente por toda família enquanto agonizava.

O palestrante descreveu alguns dos principais motivos que levaram o músico à morte. “Muito se diz que ele tenha morrido de neuro sífilis, mas ele tinha grandes períodos de apatia misturados com grandes períodos de normalidade, o que não é comum nesses casos. Pode ser que a neuro sífilis foi um agravante de sua morte, mas não a causa final. Com certeza ele tinha um transtorno bipolar ou desordem depressiva unipolar com características psicóticas.”

No entanto, por conta de todos os tabus relacionados às doenças mentais na época, a constatação de que Schumann realmente sofria de um transtorno que acometeu toda a sua vida e lhe levou a morte só veio acontecer após o final da Segunda Guerra Mundial.

Piotr Ilitch Tchaikovsky

Por fim, Guido encerrou a apresentação contando um pouco mais sobre o artista russo Piotr Ilitch Thcaikovsky, uma das figuras mais queridas da Rússia naquela época e um grande internacionalista que contribuiu para levar a música ao redor do mundo. Por ser homossexual, o artista sofria muito e não conseguia aceitar a sua própria sexualidade.

“Relatos contam que ele tinha uma saúde normal, até o ano de 1893. Inclusive, há uma história que diz que ele foi jantar com amigos e comeu macarrão, tomou vinho branco e ingeriu água. Porém, algum tempo depois, passou a ter um

quadro de diarreia muito grave e morreu duas semanas depois por insuficiência renal.”

As hipóteses, como esperado, envolviam dizer que sua morte foi causada por envenenamento a mando do Czar por dizer que o músico desonrava a nação e que ele tenha se suicidado ao desenvolver voluntariamente uma crise de cólera. Porém, Guido explicou que tal afirmação não tinha sentido visto que Tchaikovsky perdeu os pais em decorrência de uma crise de cólera e sabia as consequências trazidas pela doença. Além disso, após a sua morte, o Czar mandou realizar uma série de homenagens ao artista, descartando a possibilidade de que havia uma intriga entre os dois.

Apesar de o governo russo nunca ter permitido a exumação do cadáver, o que se constata é que Tchaikovsky se contaminou ao beber água tóxica vinda do rio por descuido do restaurante onde havia jantado com amigos dias antes de sua morte, já que naquela época a água precisava ser fervida para eliminar eventuais bactérias e, como o acontecimento de sua morte demonstra, não aconteceu este procedimento.

“Nós gostaríamos de continuar escutando essa conversa por muitas horas para continuar ouvindo a todas essas interessantes biografias que fazem parte da história”, finalizou José Luiz Gomes do Amaral.