EFEITO PANDEMIA: País vive mais um ano de queda no número de doações de pulmão

A pandemia de Covid-19 ainda provoca impactos nos transplantes de pulmão no país. Nos três primeiros meses deste ano, foram apenas 16 cirurgias, segundo o Registro Brasileiro de Transplantes

O que diz a mídia

A pandemia de Covid-19 ainda provoca impactos nos transplantes de pulmão no país. Nos três primeiros meses deste ano, foram apenas 16 cirurgias, segundo o Registro Brasileiro de Transplantes (RBT). O total atende apenas 8% da população que necessita passar pelo procedimento, e 174 pessoas ainda aguardam na fila de espera. Em comparação ao mesmo período em 2020, ano que marcou o início da pandemia, a taxa de transplante caiu 45%.
Segundo especialistas, há três fatores com origem na pandemia que explicam os indicadores atuais: unidades de terapia intensiva (UTI) em condições precárias, defasagem de equipes e menos pulmões aptos para serem transplantados.
A doação de um pulmão é naturalmente mais trabalhosa em comparação a outros órgãos, como fígado, coração ou rim, e exige cuidados mais refinados tanto do profissional de saúde quanto do doador por tratar-se de um órgão com contato externo, explica o cirurgião e conselheiro da ABTO, Paulo Pégo Fernandes.
—O coração e o fígado, por exemplo, são órgãos internos. Já o pulmão, apesar de interno, é o único com contato exterior. O pulmão não está tão protegido quanto os outros por causa do ar. Para ter noção da discrepância, habitualmente, temos por ano 6 mil doações de rim, 2.200 de fígado e apenas cem de pulmão —diz.
O número de doações está em queda desde 2019, mas a situação se agravou em 2020. Em 2019, 106 pulmões foram transplantados. Nos dois anos seguintes os números foram 65 e 83, respectivamente. Em 2022, a taxa anual aumentou, com o afrouxamento da pandemia, ultrapassando cem órgãos, mas ainda ficou abaixo da marca de 2018, de 122 transplantes.
Este ano, os 16 órgãos foram doados em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, e a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTP) teme que as doações voltem ao baixo patamar da pandemia.
No Brasil, a maior parte das doações de pulmão vem de pessoas que tiveram morte cerebral. Há uma pequena porcentagem entre pessoas vivas, ocasião mais natural para doações de rim. No caso do pulmão, é possível que uma pessoa viva doe um pedaço do órgão para outra, possibilidade aplicada normalmente em quadros pediátricos, quando a criança recebe partes dos pulmões da mãe e do pai.
Os doadores costumam ser os mesmos, explica Fernandes: quem doa fígado, rim e coração também costuma doar o pulmão. Este, contudo, dificilmente está em bom estado de conservação para um transplante. A ausência de doenças pulmonares e infecções, a compatibilidade sanguínea com o receptor e o tamanho similar do órgão entre os pacientes são alguns dos aspectos considerados para o uso.
Para o pneumologista da Rede D’Or Gabriel Santiago, a qualidade da UTI em que o doador estava internado e os cuidados dos médicos e enfermeiros são determinantes para a aprovação de um transplante de pulmão:
—Õ pulmão costuma ser acometido por muitas infecções, tanto bacterianas quanto virais. Como os doadores geralmente já estão intubados dentro de um CTI, o pulmão dificilmente está apto para transplante.
O cenário era pior no auge da pandemia. Santiago conta que era difícil ter pacientes intubados diagnosticados com morte cerebral sem o vírus entre 2020 e 2022:
—A gente não pode, em hipótese nenhuma, usar um pulmão infectado por Covid. O número de doadores diminuiu de forma expressiva, foi um momento desafiador.
POUCOS CENTROS E EQUIPES
A quantidade de equipes de saúde que realizam transplantes de pulmão também tem diminuído desde 2020. Atualmente, são apenas três. As equipes são grandes, divididas em pré-operatório e pós-operatório, com ao menos dez especialidades, e a defasagem é resultado de um baixo investimento.
— O financiamento está aquém do necessário. Mais de 90% dos transplantes são feitos no SUS. O que é bom no sentido de equidade, mas ruim no sentido de financiamento. Não existe reajuste para transplantes há mais de dez anos. E difícil manter as equipes. Não dá para estimular as novas e as existentes começam a desacelerar —aponta Fernandes.
As três equipes ativas atuam no Sul e Sudeste, e os centros de transplante de pulmão estão concentrados nas duas regiões. Fora delas, há apenas um centro no Nordeste, localizado no Ceará. A concentração limita o acesso ao serviço para moradores de outras áreas, diz Santiago:
— Para o paciente conseguir transplantar, precisará mudar de cidade e esperar na fila. Isso inviabiliza a realização de transplante de pessoas de outras regiões. Para alcançar a todos, é fundamental aumentar o número de centros.

Fonte: O Globo.