Integralização: compra e venda movimentam a Saúde brasileira

Aquisições de operadoras por grupos hospitalares são mais um ponto de alerta aos médicos

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Em fevereiro de 2021, a NotreDame Intermédica e a Hapvida anunciaram a fusão dos negócios. O valor de mercado da união visava formar um grupo equivalente a mais de R$ 80 bilhões, promovendo atendimento a aproximadamente 13 milhões de beneficiários e se estabelecendo como uma das maiores empresas do segmento de Saúde de todo o mundo.

O mesmo aconteceu um ano depois, em fevereiro de 2022, quando a Rede D’Or – maior grupo hospitalar do Brasil – anunciou que havia adquirido a rede de seguradoras SulAmérica. A transação, avaliada em cerca de R$ 10 bilhões, se consolidou como uma mudança significativa para a Saúde no Brasil, de modo que, no País, a propensão é de alta nas operações acionárias neste campo.

Investidores, acionistas e especialistas no assunto demonstram que a unificação de empresas no setor já é uma tendência e que tais processos de obtenção de operadoras por grupos hospitalares tendem a ser realidade nos próximos anos.

O diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina, Marun David Cury, indica que as aquisições mostram que há uma concentração no sistema de saúde suplementar, e que, assim como no caso das empresas verticalizadas, podem ser prejudiciais para a classe médica, uma vez que negociação com grandes grupos – que têm uma visão focada, majoritariamente, no lucro – contribuem para dificultar o diálogo com os prestadores de serviços.

“Eu vejo muito mais desvantagens, pensando pelo lado do médico que concede o seu trabalho. Para o grupo hospitalar que adquire uma operadora acaba sendo uma vantagem, obviamente, porque alimenta o seu negócio, o que é interessante para eles. Mas, para os prestadores, existem somente desvantagens, porque a centralização e a diminuição no número de operadoras dificultam muito a negociação para o médico que está fornecendo o serviço, principalmente para esses grupos que estão na bolsa de valores”, destaca.

Marun Cury aponta também que este é o caminho que está sendo tomado em função do esgotamento dos recursos das operadoras, uma vez que os hospitais absorvem praticamente todo o contingente financeiro do segmento. “O paciente entra no hospital e se forma um taxímetro, as despesas vão crescendo, a conta vai aumentando e quem paga, geralmente, é a própria operadora. Então, acho que essa, infelizmente, tende a ser uma realidade nociva, pois ficamos dependentes e à mercê desses grandes grupos.”

Para o médico e assessor da Defesa Profissional da APM, Marcos Pimenta, a verticalização da saúde suplementar – aquisição e operação de serviços próprios pelas operadoras – está cada vez mais presente, visando reduzir custos. “Atualmente, também tem se verificado o sentido inverso, em que grandes conglomerados hospitalares têm adquirido operadoras de planos de saúde ou parcelas acionárias significativas, no intuito de aumentar a sua participação no mercado”, explica.

Em sua opinião, a principal vantagem para as empresas é a melhoria do resultado operacional, por conta da consequente redução de custos trazida por este sistema. Ao passo que para os hospitais, este novo contexto consiste em uma reserva de mercado, levando em consideração que os atendimentos aos pacientes das operadoras serão realizados prioritariamente naquele determinado serviço. Por sua vez, as desvantagens englobam usuários e médicos prestadores que estejam credenciados a planos de saúde, já que a concentração de mercado criará um obstáculo no poder de escolha sobre onde ser atendido, no caso dos pacientes, e onde prestar o atendimento, no caso dos médicos. “Para os médicos e demais prestadores credenciados também existe o risco de precarização de vínculos contratuais, notadamente por meio do fenômeno de ‘pejotização’ – em que operadoras e hospitais fazem a contratação somente de pessoas jurídicas, sem vínculos trabalhistas. Isto leva à consequente perda de direitos, tais como férias remuneradas, 13º salário, insalubridade, entre outros”, pontua.

De acordo com o especialista, o fator financeiro é, indubitavelmente, o que está impulsionando este movimento. Por ser um mercado bilionário, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) analisou que as operadoras de planos de saúde movimentaram, no terceiro trimestre de 2022, aproximadamente R$ 240 bilhões de receitas e R$ 214 bilhões de despesas assistenciais, das quais quase 22% foram gastas com internações.

Restrições

Em dezembro de 2022, foi anunciado que a compra da SulAmérica pela Rede D’Or havia sido aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sem restrições, de modo que a aquisição também foi reconhecida pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), após oito meses paralisada para análise. Por sua vez, a ANS, apesar de ter aprovado a obtenção, estabeleceu determinadas restrições.

Dentre as condições estabelecidas pela Agência, sobressaem-se:

  • “Que o representante da Rede D’Or São Luiz no Conselho de Administração da Qualicorp se abstenha de votar em assuntos que deliberem exclusivamente sobre as operadoras do conglomerado SulAmérica”.
  • “Que a administradora de benefícios Qualicorp não comercialize exclusivamente os planos de saúde das operadoras do conglomerado SulAmérica”.
  • “Que os planos do conglomerado SulAmérica não sejam comercializados apenas pela administradora de benefícios Qualicorp”.
  • “Que a operação seja monitorada por dois anos a partir de sua aprovação, podendo a ANS solicitar relatórios que subsidiem o acompanhamento do regulador”.

Hospitais tradicionais, como Albert Einstein, Sírio Libanês, Beneficência Portuguesa, HCor e Oswaldo Cruz se posicionaram contrários ao negócio, contestando a velocidade das negociações entre as empresas. A Rede D’Or e a SulAmérica alegam que times de gestão, operações e estratégias se manterão inalterados, conforme consta no anúncio da compra.

Publicada na edição 736 – Março/Abril de 2023 da Revista da APM