Dando continuidade às lives de aquecimento ao XX Congresso Paulista de Medicina do Sono – que acontece durante os dias 5 e 6 de maio, no Espaço Villa Blue Tree, em São Paulo -, a última semana foi repleta de encontros virtuais entre especialistas que compõem a comissão organizadora, a fim de trazer ao público assuntos de relevância que estarão presentes durante o grande evento.
As apresentações foram realizadas por meio da plataforma Zoom, nos dias 10, 11, 12 e 13 de abril. Iniciando as palestras, a primeira live contou com o psiquiatra Alexandre P. Azevedo, falando sobre “Como identificar o sono suficiente” e o otorrinolaringologista George Pinheiro, abordando “Sono monitorado: os desafios do uso de wearables”.
Segundo Azevedo, a questão do sono suficiente vai além da quantidade de horas dormidas, mas aborda também a qualidade subjetiva, de modo que é preciso desmistificar o conceito de sono perfeito ou ideal, pois há uma variação de acordo com o ritmo circadiano de cada indivíduo. “Para cada um de nós, pode haver uma variação particular. O sono de curta duração traz repercussões à saúde e isso está muito bem estabelecido. O sono curto, inferior a seis horas, tem relação com as demandas de acesso a entretenimento e, em grandes metrópoles, ao tempo de deslocamento entre o trabalho e o lar, o que faz com que grande parte da população negligencie o tempo de sono. Isso pode levar a uma série de consequências, como prejuízo cognitivo, no crescimento – para crianças e adolescentes -, ganho de peso, resistência à ação da insulina, aumento da pressão arterial, risco cardiovascular e alterações de humor”, explicou.
Pinheiro, por sua vez, indicou que entre a população, há uma grande necessidade de se matematizar o sono. Prova disso é a ascensão de inúmeros aplicativos utilizados para fazer contagem e monitorização de dados relacionados ao sono, o que leva os médicos a entenderem melhor a utilização de tais tecnologias – interligadas a informações que podem ser utilizadas para auxiliar no tratamento, mas que não devem deixar de lado o acompanhamento médico.
“A revolução tecnológica é uma grande onda que não temos como conter, mas temos como aprender a conviver. Os dados podem ser utilizados como uma ferramenta para abrir discussões com os pacientes sobre o tema. Os principais desafios estão relacionados à validação dessas informações e integrá-las de uma forma que possam ajudar na prática clínica. A maior parte desses dados não passa por validação, então há uma preocupação em monitorizá-los e melhorá-los nos dispositivos utilizados, já que, por meio dessas informações, é possível dar orientações para melhorar os hábitos de sono”, destacou.
Obesidade e ritmo circadiano
A segunda live da semana contou com a participação da pneumologista Erica Treptow, abordando “Distúrbios respiratórios do sono e obesidade”, e da neurologista Dalva Poyares, que falou sobre “Distúrbios do ritmo circadiano”.
Erica Treptow relembrou que estudos demonstram que de 1975 a 2014, houve um aumento alarmante na prevalência de obesidade em populações do mundo inteiro, de modo que a expectativa é que, até 2030, o mundo tenha cerca de um bilhão de pessoas obesas – uma em cada cinco mulheres e um em cada sete homens. Na pandemia, países apresentaram aumento de peso e o Brasil liderou essa lista.
“Se olharmos a obesidade e os distúrbios do sono, as chances são muito maiores para que o paciente tenha risco de apneia obstrutiva do sono. Isso acontece porque há redução dos volumes pulmonares, diminuindo a tração da traqueia. Há uma desregulação de hormônios, tanto de fome quanto de saciedade e um acréscimo de comorbidades nesses pacientes. Há outros mecanismos, associados à parte de disfunção da musculatura de via aérea superior durante o sono, maior em pacientes com obesidade, e maior chance de instabilidade respiratória, porque a obesidade afeta o controle ventilatório. Então, é preciso reduzir peso não apenas para tratar a apneia, mas para se ganhar saúde”, salientou.
Conforme relembrou Dalva Poyares, quanto maior é o tempo acordado, maior é a pressão do sono, o que eleva os riscos para o aumento do ritmo circadiano e também da insônia, o que pode ser um grande sintoma para tais alterações. A especialista relembrou que existem uma série de questões associadas, acompanhadas de diversos sintomas diferentes que levam a maior propensão à obesidade, insônia, depressão, câncer e alterações nos ciclos de fertilidade.
“Existem várias síndromes associadas aos distúrbios do ritmo circadiano. Multimorbidades e tratamentos de insônia podem se agravar pelo distúrbio do ritmo, e no idoso, há maior incidência de depressão, ansiedade, aumento no risco de quedas, declínio cognitivo, fragilidade e até mesmo de sarcopenia, que é a perda de massa magra. Os distúrbios de ritmo são frequentes não só em Neurologia, mas em Clínica Médica e Geriatria, especialmente em pacientes com doenças neurodegenerativas. O tratamento eficaz pode melhorar o comportamento, a qualidade de vida e o contato do paciente com o ambiente”, demonstrou.
Tratamento na infância e diferenças entre gêneros
No dia 12 de abril, foi realizada a terceira live da semana. Nela, a presidente do Congresso, Tatiana Vidigal, apresentou uma série de questões relacionadas ao “Tratamento otorrinolaringológico da AOS na infância e adolescência” e o otorrinolaringologista Danilo Sguillar relatou “Fenótipo clínico da AOS: homem x mulher”.
Para Vidigal, é importante relembrar que ao falar de apneia obstrutiva do sono, apenas de 1% a 5% das crianças apresentarão esses quadros. Os sintomas diurnos incluem alterações comportamentais – como irritabilidade, agressividade e hiperatividade, de modo que algumas crianças podem apresentar mau desempenho escolar – e os sintomas noturnos incluem roncos, sono agitado e sudorese noturna.
“Os fatores de risco estão associados a alterações craniofaciais, síndrome de down, acondroplasia, mucopolissacaridose e doenças neuromusculares, mas sabemos que obesidade e hipertrofia adenotonsilar são os mais recorrentes. O tratamento tem que ser precoce, quanto mais cedo intervirmos nessa criança, menos efeitos ela terá do ponto de vista comportamental. É um tratamento totalmente multidisciplinar”, adicionou.
Durante sua apresentação, Sguillar contribuiu para a percepção de que homens têm maior propensão a desenvolver apneia obstrutiva do sono pelo fato de possuírem a faringe mais alongada que mulheres, o que leva a maior colapsividade. Mulheres que estão no período de pós-menopausa podem apresentar quadros que se assemelham aos dos homens e, a partir dos 60 anos, se equiparam nos termos de prevalência para adquirir a apneia.
“O homem tem mais tempo de doenças. A mulher, quando passa a desenvolver, é de uma forma mais veemente, por isso essa introdução ao climatério e aos desfechos vasculares podem ser mais eloquentes no sexo feminino. Estudos demonstram que a mulher devia ser acompanhada por mais tempo, pois elas instalam doenças de forma menos precoce que os homens, mas mais longínqua e de uma maneira que precisa ser analisada com mais critérios. Temos que caminhar na individualização do diagnóstico para que se individualize melhor o nosso tratamento”, fomentou.
Insônia e indução do sono
Finalizando as apresentações da última semana, a quarta live teve a participação da presidente do Comitê do Sono da Associação Paulista de Medicina, Andrea Toscanini, que trouxe o tema “Insônia e suas faces”, e da psicóloga do sono Silvia Conwayi, falando sobre “Manejo do Pré-sono”.
Andrea indicou que, para se entender a insônia, inicialmente é necessário compreender de onde ela vem e quais são os motivos que a levam a se tornar crônica, uma vez que todos os fatores externos podem ter impactos diretos no sono – mas a predisposição para se configurar como tal condição irá depender do tempo de duração e do impacto que causa no paciente.
“A percepção do sono também tem a ver com o traço de personalidade. Muitas vezes, podemos ter a tendência de negligenciar ou supervalorizar a queixa do paciente e qualquer um dos dois pode fazer com que o tratamento e a abordagem não sejam mais adequados. A satisfação do paciente com o sono é o elo entre sintomas noturnos e diurnos, e o alvo do meu tratamento tem que ser o mesmo para pacientes que durmam 4 ou 8 horas. Atender um paciente com insônia é um pouco mais que fazer um guideline e seguir o diagnóstico de tratamento”, indicou.
Em sequência, a apresentação de Silvia agregou aspectos psicológicos para a condução do sono, principalmente em casos de pacientes com hipervigilância, buscando entender quais são os motivos que ocasionam esses quadros. Segundo a especialista, estes casos criam uma sustentação da vigilância durante o dia por meio da forma que o paciente lida com conflitos e que acaba tendo reflexos noturnos, já que passa o dia com a sensação de sonolência e à noite fica em estado de alerta, com a expectativa e a ansiedade por não dormir bem.
“Quando falamos em psicoeducacional, estamos subsidiando condições para o paciente entender o que é uma técnica de restrição de tempo na cama. São instrumentos para uma boa conduta de intervenção, de orientação e de esclarecimento sobre como é a fisiologia do sono e como é o ritmo circadiano, que abrange todas as outras técnicas e estratégias para, finalmente, chegar e auxiliar a usar ferramentas de relaxamento para que o paciente possa perceber essa modulação de estar mais ou menos agitado. Fazendo isso, é possível entender que muitas vezes ele vai para a cama agitado e que é preciso mudar ao longo do dia para que quando chegue na hora de dormir e possa ter o ritual pré-sono já com uma condução de relaxamento”, finalizou.
Para saber mais sobre o XX Congresso Paulista de Medicina do Sono, consultar a grade e realizar as inscrições, basta acessar este link.
Fotos: Reprodução lives