Associação Paulista de Medicina sedia reunião da Associação Médica Mundial

No intuito de revisar os fundamentos da Declaração de Helsinque e remodelar os princípios éticos na utilização de placebos em diferentes tratamentos, foi realizado o segundo encontro regional da Associação Médica Mundial (WMA)

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No intuito de revisar os fundamentos da Declaração de Helsinque e remodelar os princípios éticos na utilização de placebos em diferentes tratamentos, foi realizado o segundo encontro regional da Associação Médica Mundial (WMA). O evento, organizado pela Associação Médica Brasileira (AMB), foi realizado na sede da Associação Paulista de Medicina (APM) nos dias 24 e 25 de fevereiro.

Na sexta-feira, 24, a mesa de abertura foi composta por José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM; César Eduardo Fernandes, presidente da AMB; e Carlos Vicente Serrano, diretor de Relações Internacionais da AMB e responsável por trazer a assembleia da WMA à cidade de São Paulo.

“O futuro terá uma nova vida, a qual não faremos parte. Mas, é por essa vida que estamos vivendo o presente. Quando discutimos sobre placebo, há 10 anos, não pensamos na pandemia de Covid-19, e o progresso que tivemos na Medicina foi apoiado em seu uso, já que, sem ele, possivelmente estaríamos utilizando medicamentos ineficazes e a vacina não teria sido desenvolvida. Só encontramos soluções graças às discussões que tivemos no passado e vamos continuar com essa dinâmica, tentando achar métodos entre diferentes opiniões. Ciência, compaixão e ética são os três pilares que fazem a Medicina ser o que é”, disse Amaral.

“Nesta reunião, temos como questão central o placebo, um ponto que pode ser muito aflitivo em termos de pesquisa em seres humanos. Esta discussão vai ser centrada e tenho a impressão de que daqui sairão documentos relevantes para consumar a Declaração de Helsinque em sua versão atual”, relembrou Fernandes.

A Declaração de Helsinque

A primeira apresentação do dia foi realizada pelo presidente da Associação Médica Americana, Jack Resneck, que salientou a importância de participar de um evento que engloba diferentes perspectivas e pontos de vista acerca de um assunto tão importante. Resneck relembrou que a primeira edição da Declaração de Helsinque foi elaborada em 1964 e a última revisão e adaptação do documento aconteceu em outubro de 2013, em uma assembleia também realizada no Brasil.

O prazo para a realização de uma nova revisão é 2024, e para isso, em abril de 2022 foi estabelecido um grupo de trabalho pelo Conselho da WMA, com dois anos e meio para a elaboração de reuniões regionais que permitem entender quais devem ser as prioridades a serem aprimoradas. Neste grupo, há mais de 18 países participantes, e o primeiro encontro entre eles – que aconteceu em Berlim, Alemanha, em outubro passado – já permitiu identificar as principais mudanças que ocorreram nas últimas décadas.

“Este é um assunto delicado, em que há uma diversidade de interpretações e panoramas. A Declaração de Helsinque, com suas últimas revisões, tem contribuído para balancear interesses, pois ela é feita por todo mundo e para todo mundo. Por isso, precisamos tomar muito cuidado. Enquanto grupo de trabalho, realmente queremos criar espaço e tempo para diferentes discussões, e o foco na utilização do placebo é apenas o tópico inicial neste processo. Estamos muito gratos em ouvir diversas vozes da América Latina, para, trabalharmos juntos”, pontuou.

Em seguida, o secretário geral da WMA, Otmar Kloiber, relembrou que São Paulo é a capital do mundo que mais teve presidentes na Associação, três no total. E de acordo com ele, muitas das discussões acerca da utilização do placebo realizadas no Brasil contribuíram para moldar a nova estrutura que vem sendo elaborada para a Declaração de Helsinque, destacando que as reuniões são realizadas visando frutificar o aprendizado e ouvir as diferentes argumentações sobre o assunto, para, então, apresentar os melhores resultados possíveis.

“Isso engaja as questões éticas que confrontamos quando estamos na linha de frente de uma pesquisa, o que também vale para o uso do placebo. O propósito de passar isso ao redor do mundo é porque temos que ser inclusivos, já que nós, como uma organização de nível mundial, precisamos alcançar e ouvir a todos. Para isso, estamos coletando comentários, posicionamentos e ideias de todos aqueles que queiram englobar à Declaração de Helsinque e às nossas políticas no geral”, informou.

Para Kloiber, é fundamental haver uma relação de transparência nas revisões da Declaração para poder dar os próximos passos, de modo que seja possível analisar quais são os pontos que precisam ser adaptados, em que tópicos é necessário ser mais preciso e de que forma é possível melhorar e evoluir. Apenas assim será possível compreender diferentes ideias e iniciar o entendimento mundial acerca da utilização do placebo e a sua relação com as diretrizes da Declaração de Helsinque.

Princípios

Posteriormente, o presidente da APM foi responsável por moderar a mesa sobre o tema “A Declaração de Helsinque e os seus princípios no uso do placebo”. O responsável pela apresentação foi Sergio Surugi de Siqueira, membro externo do Comitê de Ética em Pesquisa da Organização Pan-Americana de Saúde e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, além de contar com a participação de Kloiber e Resneck, que complementaram o debate. 

Conforme Surugi, a Declaração de Helsinque traz algumas resoluções que contribuem na tomada de decisões e comportamentos, de modo que as interpretações dependem de diferentes circunstâncias e não são absolutas, mas devem, irrevogavelmente, colocar o bem-estar do paciente e dos voluntários em pesquisas humanas em primeiro lugar, respeitando os seus interesses e prezando pela saúde destes envolvidos.

Desta forma, o palestrante relacionou argumentos favoráveis e contrários à utilização de placebos aos princípios da Declaração, evidenciando de que forma conversam entre si. Além disso, destacou quais são os principais benefícios que o placebo traz em diferentes situações – seja para tratamentos gerais ou apenas para determinados casos –, esclarecendo o que é abordado pelo documento e salientando de que maneira essas diretrizes estão relacionadas aos panoramas éticos propostos.

“O objetivo central da Declaração de Helsinque é proteger os participantes de pesquisa – que tem como proposta principal gerar conhecimentos novos. O foco deve ter precedência sobre os direitos e interesses dos participantes desses estudos, que não podem ser submetidos a danos desnecessários, riscos, injúrias ou desconfortos. A WMA diz que a saúde do seu paciente deve vir, sempre, em primeira consideração”, relatou.

Para o professor, os princípios éticos também devem levar em consideração as peculiaridades regionais, já que cada país possui diferentes regras, resoluções e guias – não apenas no sentido da aplicação do placebo, mas de qualquer outro método que esteja neste contexto – já que isso permite a abertura de novas possibilidades e a tomada de decisões, uma vez que a Declaração de Helsinque deixa uma fresta efetiva para que países estabeleçam os seus próprios panoramas e recomendações, levando em consideração que há diferentes realidades ao redor do Planeta.

“Entendemos e admitimos que as diretrizes éticas têm que ser claras e objetivas, principalmente para evitar o duplo padrão das decisões. Apesar do alto risco que isso traz, acho que é muito importante que elas permitam e deem espaço para uma análise caso a caso. Para isso, é essencial priorizar melhora e cuidado com a qualificação dos nossos comitês de ética em pesquisa, porque são exatamente eles que vão fazer essa síntese. Uma diretriz ética não deve ser inflexível, senão correrá o risco de afetar a sua aplicabilidade. O grande desafio que temos é começar a criar um ambiente no qual as diretrizes não tirem a possibilidade de tomada de decisões em diferentes situações”, completou.

As apresentações continuaram no sábado, dia 25, quando foram abordadas as perspectivas éticas regionais de diferentes autoridades e órgãos reguladores, além de interações com diferentes formas de orientação, efetuadas por membros de diversas entidades que elucidaram os temas propostos.

Fotos: Julia Rohrer e Marina Bustos