Para evitar a disseminação da doença, o isolamento social passou a ser uma prática defendida pelas autoridades públicas de Saúde. E como fica o atendimento e a educação médica continuada em meio a isso?
Para responder essas e demais perguntas, nesta edição da Revista da APM, entrevistamos o presidente da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Gilmar Fernandes do Prado, e a coordenadora científica em Obstetrícia da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), Silvana Maria Quintana, para compreender como as especialidades têm atuado diante deste novo cenário. Confira!
REVISTA DA APM: A pandemia trouxe à tona a necessidade de atualização médica de forma virtual. As sociedades de especialidades estavam preparadas para isso? Como foi o processo?
GILMAR FERNANDES DO PRADO: As sociedades médicas já forneciam conteúdo virtual aos associados, porém, geralmente com a opção presencial. Era muito frequente a disponibilização on-line do conteúdo dos eventos, permitindo àqueles que não puderam participar ter a oportunidade de se atualizar. Entretanto, o modelo carecia da interatividade, algo que confere vida ao evento virtual. A ABN fez uma mudança importante em sua estrutura de tecnologia da informação, investindo bastante em itens que hoje estão sendo úteis para mantermos nosso objetivo de fornecer educação continuada aos associados. As sociedades não estavam completamente preparadas, mas muito rapidamente se adaptaram.
SILVANA MARIA QUINTANA: Realmente, a pandemia da Covid-19 fez com que todas as sociedades de especialidades e as próprias faculdades dos mais diferentes cursos acordassem para a possibilidade imensa de realizar educação a distância. Dizer que estávamos preparados? Não, mas posso dizer com certeza que tínhamos todos os recursos e a capacidade para fazer isso. Acredito que, embora não esperássemos o impacto da crise sanitária, foi muito rápida a adaptação à educação continuada remota para os diferentes profissionais da Saúde.
O que vem sendo oferecido neste período aos médicos?
GILMAR: Nesta fase de transição, temos oferecido webinares. É um modelo eficiente e que tem cumprido com as finalidades educacionais. Semanalmente, discutimos um tema de interesse aos neurologistas, incluindo questões legais relacionadas ao atendimento remoto.
SILVANA: Especificamente aos ginecologistas, temos observado uma mobilização bem grande da Diretoria Científica da Sogesp no sentido de oferecer aos seus associados e não associados informações mais atualizadas, de elevada qualidade e de forma gratuita, o que é muito importante.
Como tem sido essa reinvenção de contato/educação médica?
GILMAR: O distanciamento social, na sua forma física, felizmente não impede completamente trocas e interações entre as pessoas com os recursos tecnológicos atuais. É importante vermos quem fala, como se veste, como se movimenta, como modula sua expressão facial, dentre outros elementos comunicacionais. Embora já fossem premissas importantes na profissão docente, temos sugerido aos nossos palestrantes serem breves, buscarem interação com a audiência por meio de perguntas com curto hiato de resposta pelo próprio palestrante, tornando a apresentação evocativa e não simplesmente descritiva; usar imagens claras e textos facilmente legíveis; e permitir a gravação do conteúdo, garantindo a atenção do participante, entre outros.
SILVANA: Todos os congressos, cursos e palestras, mesmo em encontros com pequeno número de participantes, têm sido suspensos ou pelo menos adiados durante este período recomendado de isolamento social. O mais importante é que nessa fase não se abandone a educação continuada. A Sogesp tem programado todas as atividades on-line, inclusive o lançamento virtual do nosso Congresso.
Como avaliam as liberações de atendimento a distância durante a pandemia feita pelas autoridades? Como está a situação na especialidade de vocês?
GILMAR: Foi muito importante a liberação do atendimento remoto. Nossa grande preocupação ainda é com pacientes que apresentam alterações clínicas que obrigatoriamente deveriam motivar a busca pelo serviço de urgência, como é o caso do acidente vascular cerebral. Já temos informações que os pacientes estão chegando muito tardiamente ao pronto-socorro, em virtude do medo de sair de casa e procurar um hospital.
SILVANA: Neste momento de pandemia, é muito importante para as pacientes terem, de alguma forma, contato com os médicos para tirarem suas dúvidas e serem encaminhadas de forma correta. Ressalto que todos os profissionais que fazem consulta no ambiente virtual sigam as recomendações para que tanto eles
quanto os pacientes se resguardem de futuros problemas.
Quais necessidades de aprendizado por parte dos médicos você percebe neste momento de isolamento social?
GILMAR: O que tem sido demandado bastante é a forma mais adequada e segura de se atender o paciente com doença neurológica. Sabemos que os colegas têm utilizado várias mídias para orientação dos pacientes, mas já sabem que o atendimento remoto é um outro modelo de atenção médica. Outros colegas precisam de informações frente à necessidade de atendimento de pacientes com quadro clínico mais inusitado, sendo oportuno estarem diante de um palestrante
experiente e com possibilidade de fazerem perguntas.
SILVANA: A Covid-19 é uma infecção muito nova, cuja atualização se faz de forma tão rápida que é muito difícil acompanharmos. Então, é muito importante que os profissionais que atendem na ponta e os educadores possam capilarizar esse conhecimento. Muitas vezes, os colegas não conseguem acompanhar essas mudanças rápidas.
Como andam as discussões acerca do ensino tecnológico nas especialidades? Há alguma evolução nos debates sobre o assunto?
GILMAR: Na Neurologia, estamos convencidos de que é necessário se criar um programa de treinamento dos médicos para uso adequado das tecnologias de comunicação. Já estão disponíveis programas para residentes, utilizados em alguns serviços nos Estados Unidos. O que evoluiu nesse assunto foi a clara percepção de mudança no modo como se praticará a Medicina, principalmente após a pandemia. Também se tornou motivo de muita preocupação as questões relativas à remuneração pela atividade profissional, além do perigo de vir a ser o médico apenas um funcionário virtual de provedores de tecnologia.
SILVANA: Todos os professores universitários, as diretorias de sociedades de especialidades e mesmo os professores do ensino médico têm debatido muito sobre o ensino virtual, porque essa pandemia trouxe de forma definitiva essa prática para a nossa vida. Todos temos aprendido com a pandemia a navegar neste mundo virtual de forma segura e levando a educação para os nossos colegas e alunos. Isso vai repercutir sob o ponto de vista profissional na melhora da qualidade da assistência.